Ver o livro, ler a vida

Gilberto de Assis Barbosa dos Santos

Quando lemos um livro, o que buscamos, ou melhor, procuramos na enunciação explicita e na implícita? Singela pergunta esta, meu caro leitor, principalmente por sabermos que muito do que foi enunciado está justamente respaldado naquilo que foi deixado de ser informado, ou seja, não está ali diante do leitor, por mais atento que ele seja. Sendo assim, quando o narratário conclui a leitura ou várias delas, pois existem pessoas que conseguem ler, ao mesmo tempo, diversos livros dos mais variados assuntos, fica com aquela pergunta: o que o autor quis dizer em tal passagem? Parece-me que ele, narrador, não almejou dizer nada, mas apenas deixar registrado para a posteridade algo que lhe ia na alma e no coração naquele momento em que se ocupa em confeccionar linhas que iriam preencher espaços, como eu faço, sem pretensão alguma. Todavia, existem narrativas, romances que nos deixam com aquele gosto meio amargo, meio ocre, meio adocicado e, ao mesmo tempo, sem sabor algum, a exemplo d’água que ingerimos naquela bica que apareceu do nada, depois de uma estafante caminhada.

Estando eu do lado de cá do livro, isto é, na condição de leitor, almejo sempre aprender alguma coisinha, ainda mais agora que me permito olhar o mundo observando as mais diversas formas de escrita e arte que esse nosso universo manifestado, do ponto de vista material. Outro dia passeando entre as estantes duma livraria numa cidade em que estive por conta dum trabalho cotidiano, me deparei com uma dessas obras que poderiam me dizer tudo e ao mesmo tempo nada, entretanto, se eu fosse portador da sabedoria, pelo menos aquela que indica o que procuramos, teria absoluta certeza de que a enunciação, em seu final, acrescentaria alguma coisa na minha busca, ou no mínimo, ampliaria a quantidade de dúvidas que eu portava naquele momento, não que neste instante em que compartilho contigo, leitor amigo, essa pequena reflexão.

Mas o que eu procurava nesse momento singular do meu existir? Pode ser tudo, como também pode não ser nada, quando o principal é a busca por um lugar ao Sol – coloquialismo mais do que conhecido. Mudemos então o foco desta pequena dissertação. Mas para onde podemos ir, eu e tu, meu caro amigo leitor e leitora? Ainda não sei ao certo qual a rota assumir, contudo, compreendo que objetivo obter algumas respostas, mas sei que elas não estão com a sociedade em si, mas sobretudo com quem a interpela, no caso aqui, eu. Neste sentido, o questionamento surge a partir do próprio sentido do ato de perguntar. Por exemplo, se desejo saber o motivo dum vazio que me devora o interior, antes de obter a resposta, é preciso que eu saiba qual o motivo do vácuo. Se for fome, é ausência de alimento, portanto, basta ingerir produtos que farão a sensação desaparecer, mesmo que momentaneamente, entretanto, se o sentir não está no corpo físico, mas naquilo que Platão disse certa vez ser a alma, isto é, aquilo que anima o sujeito, a preocupação ganha outras nuanças e as respostas podem não ser tão simples assim. E foi isso que constatei na minha última leitura: a coisa foi tão avassaladora que devorei, literalmente, destrinchei um livro cujas páginas beiram as sete centenas. Percorri toda aquela enunciação em busca da última pergunta que havia me feito durante o momento em que passava e repassava as prateleiras daquela livraria.

Creio que os meus leitores, se ainda os possuir nessa etapa da atual enunciação, estão interessados em saber do tal enredo e qual foi o eu do narrado, diferentemente do eu do narrador, que teria me encantado tanto a ponto de lê-lo num piscar de olhos, como se diz no jargão popular. Prefiro não tratar da obra em si, bem como do seu título, autor, editora, essas coisas todas. Parece-me ser mais interessante dissertar, mesmo que forma breve, sobre o impacto que tal leitura provocou em meu ser que vive angustiado, com um medo enorme do futuro, talvez por isso, o apego excessivo ao passado por ser algo conhecido e já referendado não sei quantas vezes. Por exemplo, quando um casal se separa e tudo transcorre numa boa, o amanhã parece ser gigantesco, principalmente pela ausência de alguém para se caminhar juntos. Entendo que o motivo da separação importa menos do que as razões que levam as pessoas a ficarem juntas, justamente por temor deste amanhã.

Mas não tratemos com o amanhã, justamente porque ele não existe e talvez nunca haverá um futuro, pois vive-se apenas o aqui e o agora e o resto são apenas consequências dum eterno existir no aqui e no agora, deixando o vir a ser lá com os filósofos, entre eles aquele alemão metódico que, lá do século dezoito, continua me ensinando cotidianamente na medida em que avanço na leitura de suas obras ou percorro páginas nas quais existem sinais de minhas passagens por ali. Todos sabem que aquele pensador tinha uma vida espartana, porém, sua obra é singularíssima, principalmente no que diz respeito as ações dos seres humanos, levando sempre em conta o que aconteceu antes e as consequências do agir do presente no devir do sujeito que se deseja, ou melhor, que se pensa pensante.

Retomando a problemática de hoje que é tão somente buscar a compreensão dos vazios que se instalam em nossos seres, sejam eles corpóreos ou incorpóreos. O primeiro é visível, em virtude de sua materialidade, agora, quanto ao segundo, este é impalpável, logo inexistente ao externo, portanto, impossível de ser visto a olho nu e nem como microscópios de qualquer enésima potência. Deixando essa querela para outro momento, vamos, eu e tu, meu caro amigo leitor, caminhar lentamente pelo mundo das dúvidas e das incertezas, pois o futuro é pleno dessa dupla dinâmica. Se isso é fato, então fica-me a seguinte interpelação: melhor deixar ir, ir ou deixar ficar ficando e alterando com o caminhar e o lento das passagens da vida vindoura? Quando o relógio está atrasado, podemos ajustá-los à atualidade, ou aguardá-lo parar de vez e daí tentar ver o que deu errado, entretanto, não haverá mais como ajustar as coisas, pois tudo está no fim, restando apenas um eterno arrependimento.

Vejamos eu e tu, meu caro leitor, como tudo começou e aí quem sabe, poderemos distinguir o que são fatos do que é um simples boato, bem como fazer distinção daquilo que existiu do que foi apenas um lampejo de algo que poderia acontecer com base em ocorrências pretéritas. Antes de colocar a chave na ignição do automóvel, cuja marca não me recordo ao certo, daí, na dúvida, não nomear para não cometer equívocos a exemplo de que quando tomamos decisão usando como referência apenas no famigerado “ouvi dizer”. Entendo que nesse rumo que a prosa indica, o melhor a fazer é não ficar cutucando muito o passado, a não ser que ele tenha muito a dizer ao presente. Desta forma, como dizia um compositor, acho que Belchior, “o passado é uma roupa que não nos serve mais”. Entretanto, o que seria do hoje se não houvesse o ontem? Pertinente interpelação, pois o agora é instrumento, ferramenta para se construir o futuro e nesse amanhã o sofrimento não deverá existir, quem sabe, apenas a lembrança duma dor que sempre será sentida, contudo, não será vivenciada, exceto se o pensar ficar atrelado, em demasia, naquilo que já se foi. Acho que era isso, dialogar com o passado é sempre pavimentar a estrada do futuro, mesmo que isso signifique ter-se uma jornada solitária, porém, sem solidão. Neste sentido, um enredo, pois mais singelo que possa parecer, sempre será de grande valia para aquele que busca algumas respostas, tendo a certeza de que nunca as encontrará de forma definitiva. Cessado a leitura dum romance, tratado filosófico, sociológico, iniciemos outros, em busca da outra parte da resposta, a exemplo daqueles que se dizem apaixonados e plenamente amando o outro, sem, no entanto, saber direito o que significa esse sentimento.

Nesse campo, poderia ficar escrevendo linhas e outras miríades de argumentos e, ainda assim, não teria dito tudo sobre esse tal sentimento que muitos dizem ser portadores, mas pouco são possuidores de fato, pois essa querença vai muito mais além da esfera física e do ser em si manifestado na mera corporalidade que se desfaz na falência dos órgãos, ou parte deles, como o coração e o cérebro: dois, de vários órgãos vitais daqui e do agora do homem e de parte dos seres vivos. Se isso é fato, então como iniciar uma conversação buscando ferramentas para o preenchimento do vácuo que se estabelece quando se quer compreender um quarto de século duma existência recheada de questões que não foram problematizadas como devia lá no seu pretérito, mas que permanecem na atualidade, que se não forem cuidadas, poderão fazer parte do devir dos seres que continuarão arrastando bolas de ferro, a exemplo dos fantasmas dos desenhos animados, acorrentados a uma ideia personificada num imóvel, num amor não correspondido, enfim, em algo que já não existe mais, como aquela roupa desbotada pelo tempo que, seguindo o curso da água, não retorna mais ao seu ponto inicial. Posto isto, me parece que o presente é para ver o livro, lendo o sentido da vida expressados nas linhas, páginas, capítulos, enfim, na obra como um todo que, assim que terminar a sua leitura e cessado o seu aprendizado, voltará para a estante, contudo, sendo consultada de tempos em tempos, pois o ontem quererá nos visitar ou querelas vindouras requererão de nós novas leituras do mesmo livro da vida.

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