Maltrapilhos e outros molambos

Gilberto de Assis Barbosa dos Santos

 

“- Você se lembra daquele rapaz que eu namorei tempos atrás”, perguntou a mulher da esquerda à sua acompanhante que, por sua vez devolveu a interpelação com outro questionamento “- Qual?” “- Aquele que tinha mania de usar camisas semelhantes, mudando apenas a cor”.

Esse pequeno diálogo que não diz nada, mas pode externar muita coisa, foi captado pelos meus ouvidos quando degustava um significativo café à moda italiana numa tarde em que as temperaturas estavam batendo lá no telhado do orbe. A conversação era mantida por duas pessoas que passavam por ali e, em virtude do caminhar da dupla não pude ouvir o restante do diálogo, mas fiquei pensando o que as mulheres diziam do sujeito que surgiu do passado, pelo menos foi o que pude captar.

Acho que foi só isso que compreendi, todavia, assim que terminei a minha bebida pedi outra, só que desta vez foi um café duplo e enquanto a minha solicitação era providenciada fiquei com a imagem daquelas senhoras que deveriam estar com idades entre 40 e 45 e como tu sabes, meu caro leitor, elas não gostam de dizer a idade, entretanto, presumi que deveriam ser livres, quero dizer, sem ter compromissos daqueles que se dizem “sim” diante dos celebrantes religiosos.

Aliás, tudo pode ser nesse mundo louco, já que entramos, como dizem os especialistas em relacionamentos quase humanos, na fase do divórcio grisalho, a dupla de irmãs bem que poderia fazer parte desse universo, o que, talvez tenha me chamado a atenção para escrever as linhas que se seguem, cujo título é uma aposta minha sobre o que aquele ex-namorado, dum passado distante, apareceu diante da dona do discurso que desejava informar a sua interlocutora da surpresa que teve ao se deparar com uma antiga paixonite, quem sabe, dos tempos da adolescência.

De tanta curiosidade, por cerca de cinco minutos procurei-as com os meus olhares atentos, mas não adiantou nada. Elas desapareceram em meio àquela multidão de transeuntes e eu permaneci ali, entre uma golada e outra no meu café sem açúcar, tentando adivinhar em que condições aquela quarentona reencontrou o seu ex. Pela expressão da sua interlocutora, minha mente, aliás, como a de muitos de nós, imaginou que o moçoilo de outrora, poderia ser no presente um notável empresário, mas cá para nós, duvido muito, justamente pela entonação de voz da confidente.

Creio que, pensando da perspectiva dos enunciados matemáticos, posso pensar que o cidadão era um senhor cinquentão com tudo em cima, sem barriguinha, com o bíceps em dia, provocando inveja nos rapagões do presente que, antes de mesmo de herdarem a casa do meio século, já estão todos destroçados, verdadeiros molambos, com as formas todas disformes e daí, o dito cujo da conversa das duas, ser destaque e motivo de admiração da dupla, sendo que a dona do discurso poderia desejar o retorno ao pretérito e fazer tudo diferente. Eis o anseio da humanidade ao ser interpelada, caso houvesse uma máquina do tempo, para onde desejaria caminhar. Todos, ou quase isso, em uníssono, retrocederiam para os seus pretéritos, distantes ou próximos, para modificarem suas atualidades, entretanto, como disse certa vez um físico, que não me recordo o nome direito, se voltarmos no ontem, com certeza, encontraremos outros nós, sem contar que modificaríamos o que somos hoje, portanto, bobagem querer viajar no tempo seja para que lado da vida for, pois o melhor é viver o aqui e o agora.

Se por um lado, creio, meu caro leitor, que se a irmã tivesse optado, ou melhor, escancarado que o namorado que ficou lá no seu passado, talvez distante, não estivesse inteiro, como se diz no jargão popular, mas aos pedaços, escangalhados apresentando um perfil físico desgastado pelas diabruras cometidas naquele tempo em que tudo poderia ser apenas o presente, no qual o futuro pouco importava, pois ele ainda não chegou e caso aporte, nada mais será do que o simples agora, eu diria que se viveu o que era para ser vivenciado e tudo certo, sigamos em frente enquanto o féretro não vem. Mas deixando essas admoestações filosóficas para outro momento, já que Heidegger acreditava que o ser não é um ente para a morte, portanto, a sua finitude quando chega é uma consequência do que vive, nos ocupemos agora na tentativa de adivinhar o que as irmãs confabulavam.

Do nada, os meus olhos se depararam com as duas dentro duma loja escolhendo roupas, sapatos, bolsas, ou tudo ao mesmo tempo. Mas toda essa indumentária pouco tinha proveito naquilo que gostaria de saber: em que condições a voz ativa do diálogo encontrou o seu ex-namorado. Creio que nós, humanos, sempre pensamos na tragédia. Não sei se isso é normal ou que o pensamento sempre pende para a parte de baixo da linha do equador, ou melhor, do plano cartesiano, ou seja, numa grandeza negativa. Talvez esse processo só ocorra mesmo no mundo das matemáticas e das coordenadas, pois acredito que no universo da física, não exista essa coisa de negativo, ou atrasar o relógio para prestar mais atenção naquilo que se foi e ficou apenas na memória e no coração.

Talvez a dupla de consumidoras, entre um artigo e outro, estivesse dialogando sobre isso: de como o presente é tão engraçado e às vezes mortífero para aqueles que deixaram passar a oportunidade, como o adolescente, numa festa deseja se declarar para a amiga de sala de aula, mas ela o surpreende toda faceira, confessando estar apaixonada pelo bonitão da escola, enquanto ele, o patinho feio, apenas é o nerd que a ajuda com as lições intrincadas de Matemática, Física e Química, daí ser o seu apelido de equações. Por outro lado, deixemos as paixonites dos tempos de adolescência para outra reflexão e voltemos às irmãs que deixam a loja de departamentos carregadas com sacolas e conversando alegremente. Só pude escutar quando a confidente afirmou que ele pedia esmolas na frente do cemitério. “- Do cemitério”, perguntou a irmã.

“- E o que você foi fazer no cemitério”, quis saber a ouvinte.

“- Comprar uma melancia, quando escutei um som vindo da porta daquele local e pude vê-lo com a mão em situação de pedinte, dizendo: ‘esmola a um pobre de São Vicente”.

Confesso-te meu caro leitor que já tinha ouvido essa expressão outras vezes, mas quem o fazia eram pessoas que solicitavam ajuda para a manutenção de uma instituição de caridade que cuida de idosos desafortunados ou sem família. O que tu achas? O tal moçoilo do passado era um andarilho maltrapilho ou um abnegado que batalhava pelas causas sociais? Vai se saber, mas o certo é que as duas seguiram em direção à saída do shopping e eu pedi outro café e abri um livro que tinha adquirido momentos antes de ter parado ali naquele cybercafé.

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