Gilberto Barbosa dos Santos
Num dia desses, em que tudo se transformou em impeachment, me encontrei com um amigo transeunte e falamos – vejam bem leitores, conversamos e não houve entreveros por divergimos – sobre o universo socioeconômico e político do Brasil e, pelo menos nesse quesito, convergimos para o mesmo ponto: ausência de educação política e financeira por parte dos brasileiros! Já que houve anuência entre as nossas visões de mundo, resolvi, claro que com a concordância deste, em compartilhar com uma quantidade maior de pessoas as nossas observações iniciadas pela visão, segundo a qual, a educação em nosso país é um fiasco e, por vários fatores que vão desde o seu nascedouro enquanto Nação, mesmo colonial, ou seja, quando as autoridades lisboetas e uma aristocracia empobrecida não olharam com devida acuidade para o progresso do país através dos processos educacionais. Deve-se acrescentar a isso, o fato de que o ensino que se tinha na época objetivava apenas a instrumentalizar e dotar a elite com mecanismos de mandos por meio de títulos nobiliárquicos.
Existem aqueles que poderão comparar a monarquia portuguesa com a inglesa e outras existentes no mundo naquele período, entretanto, tanto a que aportou aqui em 1808, quanto à espanhola, nos legou um comportamento designado como ibérico, conforme análise de Sérgio Buarque de Holanda em seu clássico Raízes do Brasil. Somando-se a essa peculiaridade existe também outro fator significativo que permite uma complementaridade analítica: a ideia edênica de que os territórios descobertos além-mar poderiam ser o paraíso terrestre. Novamente aqui o intelectual Sérgio Buarque de Holanda é referência a partir de seu trabalho Visão do paraíso. Como podemos vislumbrar através desse par de livros, associando-os a alguns clássicos da literatura oitocentista sejam eles confeccionados pelo escritor Machado de Assis ou sob a pena de José de Alencar, há um farto material para quem quer entender a sociedade brasileira que emerge do advento da República. Sendo assim, compreendemos que a educação nunca teve na ordem do dia, por assim dizer, das autoridades monárquicas que consubstanciadas com os homens republicanos deram os primeiros passos em direção à ideia de modernização brasileira.
Claro que várias personalidades, como por exemplo, o jurista e político Perdigão Malheiro, Joaquim Nabuco, Tobias Barreto, Alberto Torres, Luiz Gama entre outros, pensaram, não somente o fim do trabalho servil, mas também a questão da universalização da educação, entretanto, elas foram vencidas por um parlamento recheado de representantes de segmentos, atrelados ao servilismo e a prática do “favor”, que rechaçavam qualquer tentativa de se emancipar o brasileiro por meio de práticas modernas e a concessão de direitos fundamentais para que o sujeito social se transformasse em cidadão de fato. Entre esses direitos destacamos o direito social, interligado ao civil e ao político. O primeiro garantiria trabalho, educação e salário digno aos indivíduos e, por conseguinte aposentadorias descentes. O segundo diz respeito às questões de liberdade – ao colocar fim ao escravismo, o governo imperial a franqueia aos descendentes de escravo, contudo, por não ter sido uma conquista, mas sim uma concessão, não emancipou a sociedade como um todo dos hábitos adquiridos durante os três séculos de cativeiro brasileiro. O terceiro enfoca a problemática da participação política, não somente na condição de eleitor, mas como postulante a um cargo na estrutura administrativa nacional e, nesse ponto, todos sabem como as coisas se passaram, ou seja, somente poderia votar e ser votado quem tivesse posses, rendas e excelentes empregos. Numa sociedade escudada no escravismo e pífio trabalho assalariado, somente a elite teria participação efetiva nos destino do país por meio do agir político.
Sendo assim, já se evidenciava a problemática dos tempos modernos no Brasil: uma educação pública, principalmente nos anos iniciais da vida do ser político, aquém dos anseios da população, tornando a escola um mero apêndice da vida coletiva e não como ferramenta significativa para a transformação de pessoas em cidadãs de fato. Isso foi ontem e, lamentavelmente permanece no presente e não precisa ir muito longe para vislumbrar o quadro que acabo de descrever. Os pais que objetivam legar um futuro significativo aos seus filhos precisam iniciar a jornada o quanto antes, entretanto, esta deve começar dentro dos próprios lares, pois como dizia Rui Barbosa “um país se faz com homens e livros”. Desta forma, a tarefa primeiramente deve ser levada a cabo pelos pais, entretanto, sabe-se que a situação é emblemática, portanto, não havendo receita pronta para o futuro sucesso dos rebentos, mesmo porque nesse período em que as relações humanas se dissolvem como sorvete em tempos de altas temperaturas, tudo pode se tornar efêmero no clarear de um novo amanhã. Sendo assim, como estruturar relacionamentos escudados em um vir a ser que jamais poderá existir? Eis a interpelação, pois educar significa instrumentalizar o sujeito visando um futuro diferente do presente que se tem, mas como isso pode ser feito, se o momento é de mera futilidade em todas as esferas da vida em que os sujeitos constroem seus mundos a partir do ter e não do ser. A coisa se complica, pois o ter se dissolve no alvorecer do dia seguinte e o ser não tem tempo de ser constituído como tal, pois os valores éticos e morais que deveriam professar são legados por indivíduos desprovidos de sentido e objetivo social?
Posto isto, enveredaremos pelo universo econômico e, ao que tudo indica, nesse campo há também um nível elevado de desinformação, justamente como consequência de uma educação efêmera, principalmente a que é legada aos integrantes das camadas mais baixas da sociedade – e olha que teve governante e seus asseclas que tentou criar artificialmente uma espécie de classe média emergente, cujos integrantes acreditavam piamente pertencerem a esse mundo somente porque consumiam mais penduricalhos, mesmo que em suaves 60 prestações, mas ai é outro assunto que poderei voltar a ele oportunamente, já que se trata duma questão cultural e a reflexão de hoje não tem essa vertente e objetividade. Desta forma, permanecemos no escopo de hoje, qual seja, de vislumbrar a ausência de educação econômica no seio da sociedade brasileira. Neste ponto é preciso observar que a inexistência de tais ferramentas não se encontra apenas nos segmentos que se encontram no sopé da pirâmide social. Mais especificamente, o ser não econômico pode estar em todos os níveis sociais, a diferença é que quando se pertence aos pontos mais altos da escala social as consequências podem ser sentidas ao longo de várias gerações, culminando com falências homéricas.
Assim como na esfera da política, no universo econômico o sujeito precisa aprender a compreender os processos que norteiam o homo economicus, já que sem isso não entenderia os fundamentos formuladores da vida em sociedade. Se isso é fato, então os pais devem ensinar aos filhos à importância e o significado que o dinheiro tem em suas existências, portanto, saber lidar com ele é de vital importância para a saúde financeira da família. Todos têm que saber o quanto custa o papel-moeda enquanto mercadoria que deve ser utilizada para adquirir outras mercadorias, mesmo que sejam as chamadas de primeiras necessidades. E uma das regras pode ser esta: não comprometer aquilo que ainda não se ganhou. Trabalhe primeiro e gaste depois! Mas como fazer isso em tempos de modernidade líquida? Voltarei a esse assunto em breve!
Gilberto Barbosa dos Santos, sociólogo, professor no ensino superior e médio em Penápolis. Pesquisador do Grupo Pensamento Conservador – UNESP e membro do Conselho Editorial e Científico da revista LEVS-UNESP. Escreve às quintas-feiras neste espaço: www.criticapontual.com.br. E-mail: gilbertobarsantos@bol.com.br, gilcriticapontual@gmail.com, e gilberto_jinterior@hotmail.com .
Olá professor Gilberto Barbosa.
Parabéns e obrigado por esse texto. A exposição dos fatos e opiniões sobre a esfera educacional e econômica de nossa cultura brasileira parece-me uma belíssima introdução para compreender a dinâmica de nossa sociedade; constituída pelas decisões realizadas por nossos concidadãos predecessores, vivida e pautada por nós atualmente. Evidentemente, como disse em seu próprio texto, há muitos pontos a serem discutidos, esmiuçados em prol de um melhor entendimento sobre nossa realidade. Creio que o objetivo para esse empreendimento é buscar uma via equilibrada e saudável de ser cidadão autônomo e contribuir para o desenvolvimento social.