Gilberto de Assis Barbosa dos Santos
Tirei os olhos do livro e os coloquei a vistoriar o interior estabelecimento comercial em que me encontrava: uma cafeteria instalada no cruzamento de duas das principais vias dessas paragens que pareciam desejar pular nos braços da pós-modernidade, mas ao mesmo tempo buscavam permanecer em algum dia dos anos 50 do século passado. Vá lá entender essa gente, meus caros leitores. De modo que, quem chegasse a essa localidade, poderia ver um automóvel, desses que só faltam falar, disputando espaços com os velhos transportes puxados por quadrupedes, isto é, as charmosas charretes ou quem sabe carruagens e outras cabriolés.
Mas deixemos de falar da cidade e retornemos ao interno da cafeteria. Foi lá que as minhas retinas, deslocadas do livro de crônicas que levava comigo para ser o meu amigo-confidente de mesa, encontraram, entre garrafas d’água, taças e xícaras, umas reluzentes pupilas. Como eram encantadoras, já me lançavam diretamente numa noite dessas em que as estrelas pareciam piscar em minha direção, me convidando para um baile celestial. Entretanto, deixemos, eu e tu o mundo do cosmos e nos concentremos na realidade, isto é, naqueles enigmáticos olhares que se cruzaram rapidamente com os meus globos oculares.
Perdoe-me meu caro amigo leitor pelo uso desse tipo de vernáculo, mas é que, para descrever aqueles mágicos segundos, é necessário recorrer a muitas palavras na tentativa de dizer como eles chegaram rapidamente ao coração sem pedir permissão para a minha alma. Interessante dizer à recepção e o acolhimento daqueles olhos que, ao notar que eram anotados pela minha escrita cerebral, tentaram disfarçar, todavia, já havia ali contido uma correspondência mais veloz do que qualquer contato feito pelas redes sociais. E já que a temática é mesmo aquelas pupilas, adianto que sempre estive naquele estabelecimento, mas nunca tinha observado belíssima estrela estampando tão belíssima alma.
Naquele momento, a minha estada no estabelecimento era mais uma tentativa de me esconder do que realmente ser visto por quem quer que seja. Não adianta inquerir sobre os motivos, pois a misantropia, às vezes, me visita, levando uns presentinhos como livros de diversos temas, como aquele que portava enquanto degustava uma xícara gigante de café fumegante. Mas como dizia o velho adagio, quanto mais se tenta fugir mais se encontra com aquilo que se almeja escapar, e foi justamente desta forma que aqueles olhares me tiraram do anonimato, forçando as minhas pupilas a deixarem a crônica, a caneca e dando atenção àquelas duas estrelas. Os olhos se moviam lentamente de um instante para o outro no que pareceu uma eternidade, enquanto o meu corpo se mantinha ali, paralisado, tremendo de medo só de saber que a sua observação havia sido notada pelo olhar alheio.
Como que se desejando se manter firme em meu assento, virei na boca o resto do conteúdo que havia na xícara, voltando a me ocultar através da atenção às páginas que percorria momentos antes daquele fortuito encontro com os corpos celestes que já brilhavam naquele meio de tarde primaveril. A crônica que comecei a degustar, por incrível que pareça, meus caros leitores, recebia do seu autor o prosaico título “olhar”. Que sina! Começar a ler sobre não olhar, mas sim, enxergar, tentando não ver, mas vá lá, percorrendo as linhas que se seguiram, suspirei e silenciosamente dizia para o meu coração que transmitia a mensagem à minha alma: “mas que beleza de olhar. Quereria eu poder imortalizá-lo para o pleno deleite do meu ser”. Fui despertado abruptamente do mundo literário pela atendente que perguntava se eu desejava mais alguma coisa. Limitei-me a pedir a conta, pois tinha ficado petrificado pela pupila daquela Medusa pós-moderna. Quitei a fatura e segui o caminho de volta, tendo a sensação de ter ficado preso à uma teia de aranha e ao canto de uma sereia homérica, enquanto umas estrelas me conduziam pelas ruas, avenidas e vielas dessas paragens.
Gilberto de Assis Barbosa dos Santos, licenciado, bacharel e mestre em Ciências Sociais, editor do site www.criticapontual.com.br, autor do livro O sentido da República em Esaú e Jacó, de Machado de Assis; professor no ensino médio em Penápolis; pesquisador do Grupo de Pensamento Conservador – UNESP – Araraquara e membro do Conselho Editorial e Científico da revista LEVS (Laboratório de Estudos da Violência e Segurança) – UNESP – Marília; escreve às quintas-feiras neste espaço: e-mail: gilcriticapontual@gmail.com, d.gilberto20@yahoo.com. www.criticapontual.com.br.