3.
Durante o café, Débora informou que Rogério, quando soube que Esdras queria o apartamento do editor para passar uma noite com a secretária de Angélica, ficou uma fera, dizendo que assim que chegasse para o almoço teria uma conversa séria com o filho. “- Eu sei que o seu irmão está todo preocupado. Vive me ligando para saber como estou, inquerido, perguntando se quero seguir em frente com ele. Eu respondo que sim, mas a partir de determinadas condições. Meus pais ainda não falaram nada, apenas dizem aguardar o almoço”, explicou a futura arquiteta.
“- Se eu conheço bem meu pai, chegará amanhã aqui cedinho e chamará meu irmão para uma conversa, sem interferência de dona Judith. Se Esdras não estiver dentro dos preceitos deles, esquece. Não haverá se quer o almoço de sábado”, disse Márcio.
A secretária de Angélica olhou assustada para o editor, mas só se acalmou quando o esposo de sua patroa explicou que a mãe já deveria ter amansado a fera. “- Rogério é desse jeito, mas se minha mãe pedir, ele arrefece. No meu caso, meu pai ficou irredutível por conta de nossas desavenças desde a adolescência e o lance com a Márcia foi o que ele precisava para me manter distante”.
– Dona Angélica, estou temerosa, pois sei que se Esdras não passar pelo crivo dos meus pais, a coisa não irá adiante e, sinceramente, ele me acalma, transmite segurança, apesar de ainda não ter uma vida para dividir comigo.
A arquiteta olhou para a funcionária pedindo para serenar. “- A pressão não é sobre ti e sim em cima dele. Talvez Esdras tenha se comportado assim porque não havia se interessado por alguém além da expressão corporal. Do jeito que te olhou naquele almoço lá na casa de minha mãe, você ultrapassou essa barreira e tudo deve ser uma questão de tempo e entendimento”, explicou a patroa.
– O que você acha Márcio? Ele é seu irmão!
– Vou ser sincero contigo, Débora. Ele, assim como eu quando descobri que estava apaixonado pela sua patroa entrei em desespero, está assustado. Só que ao contrário deste aqui, Esdras tem todo mundo do lado dele. Rogério vai colocar pilha porque esse é o jeitão dele e deseja que os filhos sejam corretos com as mulheres, assim como ele é com Judith.
Débora olhou para o casal, querendo saber mais sobre a relação dos dois que parecia ser perfeita. “- Não é perfeita não, minha futura cunhada. Tanto eu quanto sua patroa precisamos amadurecer muito para fazer esse amor dar certo. E isso só será possível se não levarmos para nosso casamento algumas manias que não cabem dentro dessa nossa realidade. Mas eu posso te dizer que quando descobri que era doido por ela, cai no mundo, como querendo desaparecer não dela, mas do que eu sentia”.
Angélica acrescentou que aqueles dias em que ficou sumida não estava resolvendo problemas familiares, mas sim, brigando com Márcio para que voltasse com ela. “- O Marzinho só aceitou retornar comigo depois que eu abri meu coração. Então o medo não era só dele, mas, principalmente meu, pois sabia que vivenciar esse sentimento daria trabalho e como está dando”.
Ao dizer isso, a arquiteta aperta de maneira firme a mão do marido, já se levantando, dando-lhe um beijo, informando que o deixaria ali pois tinha um compromisso com a funcionária. “- Onde as duas pensam que vão? Será que o marido aqui pode saber”, inquiriu o esposo de Angélica.
– Não! Eu e minha secretária vamos fazer coisas que homens não devem xeretar. Eu havia prometido levá-la para umas compras e faremos isso agora. Vamos nos ajudar a preparar nossos guarda-roupas.
Assim que as duas deixaram a confeitaria, Márcio seguiu para o apartamento que se transformou momentaneamente na sede de sua editora. Sabia que Tarsila estava retornando ao Brasil e, por vários fatores, entre eles o desejo de estar com pessoas que a acolheriam depois do sumiço da irmã, a única parente sanguínea que ainda lhe restava. O pai havia morrido quando ela estava na adolescência e no falecimento da mãe a esposa de Amadeu estava no segundo ano de faculdade.
Assim que entrou no imóvel, ligou para a mãe para saber como foi a conversa com Rogério. “- Foi normal. Por enquanto o assunto não te diz respeito. Cuida de sua dinamite dos olhos verdes. Esdras é assunto meu, do teu pai, de Débora e dos pais dela. Só te adianto que Rogério já conversou com os pais da secretária de tua mulher. Seu irmão precisará ter um plano de vida se quiser ficar com ela. Marzinho, estava na hora dele acordar”, disse Judith.
– Mãe. Depois do almoço de sábado, a senhora e o pai levem ele embora e deixa eu voltar da lua de mel com Angélica. Se ele quiser mesmo um relacionamento sério com Débora, darei um presente ao Esdras: trabalhará comigo na editora, mas só se voltar para a universidade. Ele pode até se transferir para algumas que funcionam aqui na cidade.
– Obrigado filho. Isso me deixa mais tranquila. Claro que não vou falar nada com ele. Deixe Esdras sentir o ferrão que os pais dela preparam para ele e a pressão de teu pai. Ele chegará aqui amanhã cedo.
– Mãe. Sei que a senhora está muito próxima de Eleanora. Então não deixa ela vir para a casa de Angélica antes de sábado. Segura ela aí.
– O quê? Ela só fica no telefone conversando com um tal de Lê. Acho que é aquele cara que estivemos no restaurante dele. Coisa de louco. Ela te ofendeu por conta da sua cor e agora está toda melosa com aquele negão lá.
– Acho que Eleanora entendeu que, para o coração que ama, a tonalidade da pele, condição econômica ou coisas semelhantes ao universo sexual não tem muita importância. Se ela estiver de caso com aquele senhor e se sentido feliz, com certeza terá apoio dos amigos.
– Mas filho por que não é para deixá-la ir à sua casa?
– Tarsila e Amadeu chegam entre hoje e amanhã e Angélica quer fazer uma surpresa para a mãe durante o almoço de sábado.
– Ela vai ficar doida quando os vê-lo. Pode deixar, filhão. Ela não saberá nada. Marzinho, me deixe ir. Ela está me chamando para fecharmos os detalhes do almoço.
– Mãe! Está precisando de dinheiro?
– Não filho. Teu pai fez um aporte na minha conta ontem para bancar o almoço. Ele não acha justo Eleanora, que já está oferecendo a casa, custear as outras despesas.
– Se precisar, me informe. Tchau.
Assim que desligou o telefone, Judith percebeu que a sogra de Marzinho já estava chegando na sala e pelo olhar, tinha coisa nova acontecendo. “ – Judith, eu queria falar com a minha filha, mas acho que está lá com as doideiras dela com teu filho e como te sinto amiga, vou te perguntar uma coisa e quero que seja sincera: estou pensando em convidar o Lê para o almoço de sábado. Sei que é mais voltado para os seus familiares e de Débora, mas quero muito ele aqui comigo. O que você acha?
– Mas ele é preto!
– E daí? Você é preta, seu filho é preto, meus filhos são brancos e estão felizes com os pretos. Então por que eu também não posso ser feliz com um preto?
Judith deu uma sonora gargalhada e abraçou a sogra do filho, lhe dizendo: “- Chame-o se te faz feliz! O mais importante é você saber tudo sobre ele, além de observar se pode caminhar contigo, sem interferir nas relações com seus filhos, amigos e sobretudo se não está apenas interessado no seu dinheiro”, explicou Judith.
– Ele é oficial aposentado das Forças Armadas e com muitas condecorações, mas desde que o conheci, quando fomos organizar o casamento de nossos filhos, que me sinto leve quando penso nele. Você não viu a gente conversando?
– Eu vi, mas tu és muito discreta e ele também. Então, fiquei no meu universo, principalmente porque nós estávamos nos conhecendo e Márcio e Angélica vivendo às turras, tapas e beliscões. Não que deixaram de fazer isso, mas pelo menos pararam de nos atormentar com as rusgas dele.
Eleanora agradeceu o apoio da amiga e saiu toda feliz para convidar Lê, que ainda não sabia que o nome do filho de Roberto e Danisa era uma homenagem a ele. Se a filha se saiu a mãe, então Alexandre não seria convidado para o sábado, mas sim intimado a estar na mansão.
No apartamento de Márcio, este terminava de organizar todo o trabalho que deixaria sob a responsabilidade de Tarsila e Roberto. Assim que concluiu tudo, escutou o barulho do celular indicando que havia recebido mensagem, ao abrir viu que era de Amadeu: “- Meu caro cunhado mosquito. Espere-me… eu e minha Rainha Preta estamos chegando para alegar a vida de todos daí. Eu e minha Tarsilinha combinamos que você é quem escolherá o nome do nosso filho. Só não vale o seu, se for do sexo masculino, ou de Angélica se for feminino. Abraços… saudades do amigo de sempre. Amadeu”.
Depois do nome havia uma peça de xadrez, semelhante ao Rei do jogo. Márcio deu risadas sozinho e ficou pensando no nome que daria ao filho do amigo e também seu afilhado e de Angélica. Olhou para o relógio, observando que já eram quase 13 horas. Deixou-se ficar ali no sofá e soltando o pensamento como fazia naquelas tardes no quarto de hotel na cidadezinha do Pontal, onde tentava se esconder do amor que sentia pela irmã de Amadeu.
Liberta, a mente passeou por diversos lugares do mundo e acabou encontrando pouso no coração da amada. Recordou as brigas, dos tapas recebidos dela. Os motivos poderiam ser os mais banais possíveis, mas era uma tentativa de Angélica expulsar de dentro dela o amor que lhe vinha d’alma e a pegara de surpresa. Ela o queria tanto, mas o medo de perdê-lo parecia ser maior, então tentava de uma forma desesperada, eliminar o sentimento do seu coração e achava que isso seria possível se ele reagisse, dizendo que não a queria mais.
“Nunca consegui me comportar do jeito que ela queria. Minhas ações sempre foram a fuga para tentar escapar daquele amor. Desde o princípio Amadeu sabia quem podia fazer feliz aquele homem obtuso que tentava entrevistá-lo”, pensou Márcio que acabou dormindo ali mesmo no sofá, como fez tantas vezes, só que estando completamente alcoolizado.
Os ponteiros do relógio marcam cinco da tarde quando o editor foi despertado pelo toque da boca de Angélica na sua e uma voz suave dizendo: “Acorda meu dorminhoco amado”.
Ao abrir os olhos viu a face da esposa e disse: “-Se for sonho, por favor não me acorde, pois estou no paraíso que Dante anunciou em sua Divina Comédia”, sussurrou o editor. “- Não é sonho amor. É realidade. Eu sou aquela que não pode viver um dia se quer sem tê-lo em meus braços. Se eu ficar sem o seu sorriso, sem o seu amor, pode me internar, pois meu cérebro entrou em parafuso e meu coração estará em completa erupção”.
Ao se sentar no sofá, Márcio teve a companhia da esposa que também se ajeitou do seu lado e foi logo dizendo. “- Amor! Hoje eu entendi porque meu irmão desparafusou depois que Tarsila sumiu. Se ela não voltasse, mesmo que fosse para se despedir dele, acho que nunca se assentaria. Eles são almas afins. Se amam antes mesmo de se materializarem no corpo físico”, afirmou a esposa.
Depois de dizer isso, ela explicou a Márcio que o cargo de vice-presidente em suas empresas estava vago. E não adiantava nada oferecer ele, Márcio, pois não era a sua praia. “-Estou pensando em chamar o meu irmão para vir trabalhar comigo. Mas só o farei se eu puder contar com a sua ajuda e de Tarsila. Acho que podemos agilizar do mesmo jeito que eu faço. Ele fica meio período contigo na editora e a outra parte do dia nas empresas”.
– Amor se conseguirmos será genial. Mas vamos esperar eles chegarem e depois de nossa lua de mel, conversaremos com Tarsila. Acho que ela é a primeira pessoa interessada em que ele assuma algumas coisas nesse patamar. E o Roberto? Como está indo nesses primeiros dias de casa nova?
– Marzinho. Ele é dinâmico. Já me apresentou um fluxograma de como funcionará a ligação entre todas as empresas do grupo. Reuniões quinzenais, inclusive usando chamadas de vídeo e relatórios. Me disse que isso é possível usando as novas tecnologias que estão surgindo e podem nos poupar um bom dinheiro.
– Amor e a fundação? Sairá mesmo do papel? Precisamos dar um retorno para a funcionária da joalheria.
– O Roberto está tomando conta disse e já conversou com ela e o patrão dela. Jovana voltou para a escola e está toda animada com a hipótese de integrar a equipe. Claro que, primeiro, terá que trabalhar de forma voluntária por pelo menos seis meses e depois veremos como ela se sairá.
Ao terminar de dizer isso, a esposa olha para o editor e o chama para fazer um happy hour e depois irem para a casa. “- Não almocei só para preparar o nosso jantar. Ou o senhor pensou que eu esqueci”, disse em tom interrogativo a arquiteta.
– Eu é que gostaria de esquecer minha infantilidade ontem.
– Meu bem! Ontem não existe mais, somente o hoje e a possibilidade do amanhã. Então vamos viver o aqui e agora. A minha secretária me disse coisas maravilhosas a seu respeito com muita admiração, inclusive sobre o puxão de orelhas que deu no Esdras. Ela está empolgada com ele.
Márcio anuiu com a cabeça já se colocando de pé e dando a mão para a esposa se levantar. “- Onde vamos meu coração”, perguntou o esposo.
– Quero ir contigo naquele mesmo barzinho que estivemos por duas vezes e numa delas você quebrou o copo de tanta raiva que estava dessa que viria a ser sua esposa. Já fiz a reserva.
Quando o casal entra no estabelecimento, é recebido por um flash vindo de uma máquina fotográfica de alguém que estava no ambiente. Márcio fez menção de ir falar com o profissional, mas foi contido por Angélica que o ajudou a recordar do episódio na cidade vizinha. “- Fique tranquilo amor. Antes de irmos embora, essas imagens não existirão mais. Aproveitemos a noite”.
Quando o garçom chegou, a arquiteta pediu para ele chamar o fotógrafo, além de duas cervejas sem álcool. Tanto as bebidas quando o repórter chegou na mesma hora. Assim que o atendente colocou o que foi pedido sobre a mesa, saindo em seguida, a arquiteta vou direta. “- Passe a máquina aqui para o meu marido. Quem autorizou o senhor a fazer fotos nossas”, inquiriu a arquiteta.
– Achei que não haveria problemas porque vocês são pessoas públicas desde o casamento da senhora com o jornalista.
– Aquelas fotos tiveram um propósito, essas que o senhor fez de nós dois, não tem finalidade alguma. Quando quisermos fotos nossas, contrataremos um, mas as nossas empresas já dispõem desse profissional. Amor, delete todas as fotos, não deixe nenhuma para contar histórias.
– Não façam isso! Aí tem muito trabalho e se apagarem, serei arruinado.
– Problema seu, meu amigo. Talvez a ruina te ajude a pensar um pouco quando o assunto for a privacidade alheia.
Márcio mexeu no equipamento, e quando ia entregar a máquina ao fotógrafo informando que não havia mais nada ali, disse que se saísse alguma imagem deles em qualquer lugar, blog, jornal, rede social ou o que fosse, ele acharia o fotografo e este seria processado, inclusive o dono do estabelecimento. “- Mas pensando melhor. Deixe a máquina aqui. Quando eu e minha esposa formos embora, te devolveremos”.
– Vou chamar a polícia, dizendo que estão me roubando o equipamento.
Márcio tirou o celular do bolso, indicando para o repórter: “- Ligue. Mas explique direitinho que eu e minha esposa, a presidente das Organizações Oliveira, estávamos comemorando o nosso casamento e o senhor, sem autorização alguma tirou fotos nossas. Vai lá! Ligue!”.
O fotógrafo deixou o casal, voltando para a sua mesa. Após uma hora que Márcio e Angélica estavam ali, o proprietário veio falar com os dois. “- Dona Angélica, eu lhe peço mil desculpas pelo ocorrido. Será que a senhora e seu marido podem devolver a máquina para o fotógrafo. Ele precisa ir embora”.
O casal devolve o equipamento informando que se saísse uma foto deles em qualquer lugar, ele e o fotógrafo teriam problemas muito sérios com a Justiça.
– Obrigado senhores. Ele entendeu perfeitamente. Eu é que peço desculpas novamente pelo incomodo que o fotógrafo causou a vocês.
Márcio e Angélica ficaram ali mais uma hora e, entre conversas, risos, beijos e abraços, deixaram o estabelecimento. No interior do carro, a esposa só falava no tal jantar que prepararia para o seu amado. Ele gargalhava dizendo: “- Só quero ver. Vou até pedir uma ambulância para ficar na porta do prédio para me socorrer depois de jantar”.
– Cachorro! Quer que eu faça o rango para ficar tirando o sarro só porque sou inexperiente no fogão. Mas hoje tu verás.
Chegaram ao apartamento, enquanto Márcio disse que tomaria um banho para ficar mais à vontade com a esposa, esta seguiu para a cozinha e começou a retirar as coisas da geladeira e do armário. Contudo, mesmo tendo decorado algumas receitas, não sabia por onde começar. Falava sozinha, se desesperava e olhava para tudo o que estava sobre a pia e nada de conseguir dar o primeiro passo.
O esposo, já tinha tomado banho e assistia tudo silenciosamente. Caminhou nas pontas dos pés e abraçando-a por trás, dando uma mordiscada na orelha de Angélica, pediu para ela ir tomar banho. “- Deixe aqui amor. Eu faço. Vai lá tomar banho. Olha só como você está? Gelada”.
– Amor! Eu quero muito cozinhar para ti, mas estou travada. Me desculpe!
– Tudo certo, querida! Amanhã tu e Tarsila cozinharão para eu e o irmão dela. Relaxe, está bem.
Angélica se virou para o marido e com os olhos agradeceu a compreensão do esposo se encaminhado para o banheiro. Ao deixar o quarto após o banho, a arquiteta estava usando uma roupa com certas transparências. O jantar, a base de filé de sardinha grelhada, repousava no forno para não perder calor e Márcio estava na janela namorando as estrelas, por isso não viu o quanto a esposa se vestiu de forma diferente para ele.
Como de hábito, o editor se encontrava em outro mundo. Olhava as estrelas como quem contava-lhes um grande segredo, através duma narrativa que se tornaria maior do que as muralhas da China. Para não o tirar de seus devaneios, a arquiteta ficou observando o quanto marido era completamente desligado. Silenciosamente, Angélica se prometeu descobrir o que se passava com Márcio nesses momentos de transe. “Ele pode passar horas do jeito que está”, pensou a arquiteta recordando quando o encontrou naquela rodoviária no Pontal.
Lentamente se aproximou e abraçou o editor por trás que sentiu todo o calor da empresária. Ambos ficaram assim por mais uns cinco minutos, até que ela perguntou o que tanto as estrelas tinham que o encantava a ponto de se desligar completamente do mundo.
– É um segredo meu e delas. Se elas me autorizarem, um dia eu te conto, mas hoje o diálogo foi maravilhoso. Silenciosamente elas me disseram que tu me fazes ser o homem mais feliz da face da Terra. Quando eu perguntei o que significava ser feliz, as minhas amigas me responderam: ‘como tu estais agora completamente leve, apaixonado, amando uma mulher que tinha tudo para te odiar e você a ela, mas no entanto, quando estão juntos formam uma só alma’.
– Meu amor, tu tens toda a razão. As estrelas sempre indicam os caminhos que devemos percorrer. Faziam isso com os povos antigos que a usavam como orientação e permanecem nessa condição agora, explicando muitas coisas aos corações que se amam. Talvez elas me guiaram até o Pontal para te encontrar e, ao mesmo tempo, me pedem para não ter medo do sentimento que lhe tenho. É como se um milhão de átomos explodissem diariamente dentro do meu ser, gerando novas possibilidades de existir quando estou do seu lado.
Márcio ficou em silêncio, esperando a esposa concluir o que estava dizendo, enquanto ela procurava em seu interior palavras, sons que pudessem dar conta dos últimos meses passados quase que diariamente ao lado daquele homem que a fazia queimar por dentro quando a olhava num misto de desejo, paixão, amor, carinho e proteção. “- Amor! Eu quero te dizer um montão de coisas, mas não sai nada, absolutamente nada, apenas vontade de te beijar, te envolver em meus braços e te proteger com os meus sentimentos. Débora me fez ver o cristal chamado Márcio que se transforma em diamante quando está comigo”.
Como quem estimula o interlocutor a continuar falando, o marido indicou a ela que poderia seguir com o que estava dizendo. “- Enquanto ela falava do seu irmão, eu observava o quanto você é diferente deles todos. Repassava suas condutas e entendi porque faz tudo do mesmo jeito. É como se mudasse alguma coisa em sua rotina, tu se perderias e não se acharia mais. No seu medo de se perder, conseguiu trazer meu irmão de volta e cuida de todos ao seu redor, Fernanda, Roberto, mas enquanto ajustava a vida deles, a sua ia passando sem que ninguém visse e isso te deixava mais tranquilo, pois nenhum vendaval te afetaria. Não podia, até eu aparecer com a minha arrogância”, telegrafou Angélica.
Ao terminar de dizer isso, ela o puxa pela mão, momento em que ele observa como estava encantadora com toda aquela transparência que deixava ver a calcinha que usava. “- Quer parar de atear fogo na minha bunda. Ela é todo sua, então, ao invés de desejá-la, a trate bem para o meu prazer”, disse Angélica se insinuando ao esposo.
Enquanto Angélica se sentava já abrindo um suco de uva cujo sabor recordava o de muitos vinhos, o editor colocava a comida sobre a mesa para que ambos se servissem. Ao dar a primeira colherada, a arquiteta deu um gritinho de satisfação. “- É! Terei que pedir umas aulas de culinária para a minha sogra. Minha comida passa bem longe do que você cozinha amor”.
Enquanto degustava os pratos que Márcio fez para acompanhar a sardinha grelhada, a arquiteta falava das saudades do irmão, das desconfianças da mãe com Alexandre, ou melhor, Lê. O esposo olhava e sorria, pois pela conversa que teve com Judith a tarde, entendeu que havia muito mais coisas entre Eleanora e Alexandre que foi homenageado por Angélica ao dar o nome ao filho de Roberto e Danisa.
– Dona Angélica, porque escolheu para o filho do seu diretor de comunicação, o nome do dono do restaurante, amigo de Eleanora?
– Minha mãe entendeu e isso basta. Amor eu até te falaria, mas queria fazer isso estando com ela junto de nós. Só posso te adiantar que o cara é oficial aposentado das Forças Armadas e que ela encontrou um cara para chamar de seu, inclusive um que não branco.
Para fingir surpresa, Márcio fez aquela cara de espanto, mas ficou feliz em ver a sogra se reencontrando no caminho da felicidade. “- Olha só! Se não tivéssemos que ir buscar Amadeu e Tarsila no aeroporto, hoje iríamos subir pelas paredes. Essa sua roupa me deixou a milhão”, disse Márcio rindo até os olhos.
– Quer parar de rir assim. Sabe que fico toda molhada na casa do amor. Agora me responda, quando é que o meu amor não está aceso estando comigo?
– É! A mente pensa, o coração deseja e a cabeça de baixo executa. Você realmente é a minha diva.
O casal ficou mais uma meia-hora conversando sobre coisas sérias e temas sem a menor importância, até que Angélica lhe agradeceu por entender os momentos dela. Na lua de mel ficariam mais cúmplices do que já estavam. “- Ah! Falei com o pessoal da fazenda, informando que chegaremos no domingo, provavelmente entre a hora do almoço e o final do dia. Pedi para deixar tudo arrumado e me avisar se precisar levar suprimentos. Informei que ficaremos uma semana e daremos folga para todos eles”.
Márcio observou a esposa já se levantando para organizar a cozinha, quando ela acrescentou. “- Eu fali para que eles pudessem também se organizar e descansar essa semana”.
– Justo!
Quando o editor fazia menção de que lavaria a louça, Angélica o expulsou da cozinha. “- Deixe que eu faço isso. Você já fez o jantar. O resto é comigo. Volte lá para junto de suas namoradas: as estrelas. Quem sabe elas não lhe revelam mais segredos sobre o nosso amor”.
Enquanto Márcio e Angélica se preparavam para buscarem Tarsila e Amadeu, na mansão a coisa estava de pernas viradas. Rogério, Leônidas e Mariana tinha acabado de chegar e o pai já pediu licença para Eleanora e chamou o filho para conversarem à beira da piscina.
– O que é isso moleque? Estava achando que o Marzinho ia deixar que tu transformasses o apartamento dele em motel para você levar uma lembrança de Débora. O que deverias levar dela, era o amor e a certeza de que a ama. Homem que é homem não prova que é na cama, mas sim tornando-se merecedor do amor da mulher.
– Mas pai…
– Não tem nem mais, nem menos. Você agiu como se a secretária de Angélica fosse uma qualquer. Se o teu irmão, a esposa dele e a própria Débora não se adiantam tu ias fazer merda por achar que pode ir comendo a filha dos outros e deixando um rastro para trás? Espero aprenda a lição. Não quero que sejas igual ao Márcio, nem semelhante ao teu pai ou o Leônidas, mas que honres a educação que eu e tua mãe lhe demos. Eu e ela temos as nossas desavenças, mas nunca faltamos com o respeito um com o outro.
– Desculpe-me pai. Eu sei que exagerei. Porra, mas o Marzinho não precisava fazer esse carnaval todo. Era só dizer que não me deixaria ir ao apartamento e pronto.
– Se o teu irmão fez isso é porque gosta de ti e a esposa dele também, além de ter a secretária em grande conta. Débora está avançando e tu está indo para onde? Não quer trabalhar comigo e seu irmão em nossos supermercados. Ao invés de voltar conosco, ficou aqui bajulando a moça e queria levá-la para a cama e depois deixá-la na estrada. Você toma jeito moleque. Domingo, qualquer que seja a conversa com os pais de Débora tu voltas comigo, tua mãe, o Léo e a mulher dele.
– Pai! Isso não é justo!
– E o que tu entendes por justo? Comer a filha dos outros e sair por aí contando vantagem? Te darei todo apoio nesse romance, mas desde que você se comporte como homem e não como moleque, adolescente que quer ficar contando vantagem na turma. Se quer um espelho, observe seu irmão.
– O senhor está certo pai. A Débora já me disse que se eu não tiver uma vida para oferecer a ela, posso esquecê-la. Só que sinceramente não sei por onde começar.
– Comece voltando comigo e trabalhando conosco e vamos construindo um espaço para ti. Se ela realmente gosta de você, saberá te esperar e, enquanto isso, ela conclui os estudos e tu também. Ou está pensando que só com o ensino médio conseguirá ir além do buraco em que se encontra?
– Tudo bem pai! Eu volto com vocês depois que falarmos com os pais dela. Eu sei que o senhor e a mãe já conversaram com eles antes mesmo deu me apresentar. Ricardo, o irmão dela me disse. Ele ficará noivo daquela maluca da Fernanda.
– Vai porque a ama e tem um ciúme doido do Marzinho. E sabe que se encostar a mão nela que não seja em forma de amor, terá que se entender com todos nós. E é por isso que estou te observando. Trate as mulheres com respeito e não como se fossem objetos que usa e descarta. Se quiser fazer isso, esquece que tem família.
Quando Rogério terminava de falar, Judith chegou para chamá-los para o jantar. Ao olhar para o filho entendeu muito bem que o pai o colocou nas cordas e o fez se tornar homem de responsabilidade e não agir como um moleque. Ao entrar na mansão, Leônidas veio em socorro ao irmão. “- E ai Esdras, como foi a conversa com o velho?”
– Nem precisou relar a mão em mim. A surra moral que me deu, fiquei mais para baixo do que barriga de cobra.
– Débora vale tudo isso?
– Meu irmão! Ela vale e muito mais. Mas o pai poderia pegar leve comigo.
– Se estivesses trabalhando conosco, talvez amenizasse para o teu lado. Vamos jantar. Quem sabe antes do término os dois não ficam mais serenos. É segredo ainda, mas eu e Mariana vamos dar um presentinho aos velhos.
Todos se ajustaram em seus assentos e Rogério percebeu Eleanora mais leve, jovial e, ao tentar fazer alguma observação sobre isso, foi contido por um beliscão da esposa. Como conhecia bem Judith, sabia que ali tinha coisa, mas não era da conta deles. Caso a mãe de Angélica quisesse diria, do contrário, ninguém tinha o direito de ficar xeretando a vida de seus semelhantes.
Leônidas perguntou para a anfitriã se ele podia fazer um brinde com os pais e ela obviamente. “- Claro que sim, meu rapaz. Vocês não são mais visitas, mas moradores itinerantes dessa mansão. Quando quiser vir, é só avisarem”.
– Obrigado Eleanora, mas quem vai dizer alguma coisa é Mariana, minha adorável esposa.
Ao se levantar, Judith já estava de pé também porque acreditava já saber, mas optou pelo silêncio. “- Quero informar ao senhor Rogério e a minha segunda mãe e sogra, que é osso duro de roer, mas sempre ficou do meu lado quando o filho fazia merda, que eu e o Léo vamos ter um filho”.
Nem bem Mariana terminou de anunciar, Judith já estava do lado da nora feito uma avó coruja. Chorando, passava a mão na barriga de Mariana já falando, fazendo mil recomendações. Leônidas, se adiantou, dizendo que os padrinhos seriam Rogério e a mãe.
Tanto Leônidas quanto Mariana já tinham conversado sobre isso. Nada de Márcio e Angélica serem os padrinhos ou escolherem o nome do filho deles. O casal não desejava ter a vida deles girando em torno do Marzinho. “- Adoro o seu irmão, mas não quero minha e a nossa existência girando em torno da dele”, disse Mariana, enquanto conversava com o marido na sala.
– Eu te entendo amor. Também não quero. Eu só vim porque papai pediu por querer mostrar aos pais de Débora que somos uma família unida. Mas estou cansado dessa papagaiada em torno da vida do Marzinho.
– Tenho medo que teus pais inventem a história de se mudarem para cá. Essa cidade não me pertence, não quero morar aqui. Não conheço ninguém. Então por favor, se começarem com uma conversa dessas, já diga não.
– Mari. Sou apenas irmão do Márcio e não nasci grudado com ele. Onde estamos é que as coisas fazem sentido. Domingo estaremos de volta ao nosso canto. Aqui é o lugar do meu irmão. E vamos levar Esdras embora também. Ele que vire homem antes de querer sair por aí comendo filha dos outros. Neste sentido, Marzinho fez certo, principalmente porque a moça é secretária da mulher dele e, se alguma coisa saísse errada, sobraria para ele.
Somente depois dessa conversa é que o casal decidiu anunciar a gravidez. Mariana queria ter a certeza de que não ficariam gravitando em torno do irmão do esposo. Uma ótima pessoa, mas não queria muito contato com ele e nem com a mulher dele, uma verdadeira dinamite ambulante que poderia explodir a qualquer momento.
Enquanto na mansão as coisas se acalmavam e Judith era só paparicos com a nora e o neto que chegariam dali a sete meses, Márcio e Angélica já estavam no aeroporto a espera de Amadeu e Tarsila. Quando o casal apareceu no portão de desembarque, o poeta correu para os braços da irmã, enquanto a esposa vinha atrás com um enorme sorriso e a leveza na alma. Não estava mais aguentando ficar na Alemanha. Desejava estar de volta ao Brasil, onde tinha a certeza de ser bem recebida.
Abraçou a cunhada e entre lágrimas agradeceu todo o apoio recebido dos dois. “- Obrigado Angélica. Sem o apoio de vocês dois eu não teria segurança suficiente para retornar. Estava com medo de ser rechaçada pela sua mãe. O resto de seus parentes não me interessa, mas não queria viver às turras com Eleanora”, explicou Tarsila.
Depois ela dá um abraço em Márcio, o chamando de mosquito. “- Obrigado amigo. Tinha uma ideia errada de você, mas de tanto que o Amadeu falava de ti, fui quebrando os tijolos da construção que fiz para me proteger de qualquer ofensa e te enxerguei como o meu marido te vê e a minha cunhada ali que morre de amores e ciúmes de ti”.
Depois de tudo organizado, seguiram o caminho até chegar no apartamento. Márcio, que tinha ficado no banco de trás com Amadeu, aproveitou para sacaneá-lo. “- Agora tu ficarás preso na Torre da Rainha Diaba, meu caro vate”.
Ambos caíram na gargalhada, enquanto Angélica dizia que não era para conversar com Eleanora em hipótese alguma. No sábado teria o famoso almoço para a família de Débora e os pais de Márcio, então os dois apareceriam como presente para a dona da mansão.
Ao entrarem no apartamento, Amadeu já sentou no sofá e quando começaria a contar histórias do casal, a irmã fez menção de que não seria apropriado. Tarsila perguntou se dormiriam no quarto de hóspedes. Ao receber a informação que sim, já se dirigiu para o cômodo, momento em que irmã disse que a intimidade dela com o esposo era só deles e que, assim como os dois não iriam perguntar nada da vida sexual dele com Tarsila, esperava que ele entendesse.
– Entendi sim minha irmã.
Assim que deixou o cômodo onde iam dormir, Tarsila disse ao marido. “-Amor! Vou tomar um banho para tirar o cansaço da viagem. Depois é a tua vez e vamos dormir. Amanhã teremos o dia todo para fofocar mais com Márcio e Angélica”.
– E aí meu amigo, tua mulher é sargentona mesmo.
– Que nada. Meu amor a promoveu a general. Você acha que eu vou ficar aqui de prosa mais vocês dois quando posso estar amando-a incondicionalmente na cama?
Assim que Tarsila saiu do banheiro, Amadeu entrou e ela foi conversar com o patrão. Queria passar tudo o que havia acertado na Alemanha com os livros que tinha comprado os direitos autorais de tradução para a Língua Portuguesa, mas foi impedida por Márcio. “- Tarsila, amanhã falaremos sobre isso, inclusive eu e Angélica vamos ficar uma semana fora, portanto, deixarei tudo em suas mãos. Se precisar de um socorro é só falar com o Roberto”.
Ao terminar o banho, Amadeu foi até a sala se despediu da irmã e do cunhado e se trancou no quarto com Tarsila, como que se se fechassem para o mundo. Ali dentro só existia os dois e o amor que os unia. Ao ver isso, Angélica entendeu porque Márcio não gostava de holofotes. O irmão e a cunhada chegaram, sem alarde, silenciosamente entraram no mundo deles e ninguém saberia de nada.
“- Que cara é essa, amor”, perguntou Márcio.
Ela ficou em silêncio e quando já estavam no quarto, explicou o motivo ao marido. “- Meu irmão acaba de chegar com a esposa e já me ensinou algo importante: manter o casamento o mais sigiloso possível. Sem alarde. Os dois se entendem bem porque ela não quer publicidade e ele também não. Agora eu te entendo. O nosso amor não é para ser exposto a quem quer que seja, pois só diz respeito a nós dois”.
O casal, a exemplo dos hóspedes dormiram, enquanto os raios circulavam pelo céu, anunciando uma sexta-feira chuvosa. Angélica e Márcio despertaram com um barulho dentro do apartamento. Era Tarsila e Amadeu que já estavam ligados no mundo material fazendo barulho de todas as formas e a esposa rindo como se estivesse no paraíso. Márcio escutou quando o amigo disse. “- O mosquito não acorda enquanto a dona aranha não deixar. Quanto você quer valer que ele está aprisionado nos braços daquela Rainha Diaba com os olhos esverdeados”.
– Amor! Pare! Deixe os dois dormirem. Assim que despertarem tomaremos café juntos e colocaremos a conversa em dia.
Márcio saiu do quarto e já foi falando: “- Está para nascer a aranha que vai aprisionar o mosquito aqui. Agora se você falar que o amor de sua irmã me deixa sem chão, aí sim eu concordo”.
Ao dizer isso, Márcio recebeu o abraço de Amadeu. “- Meu amigo, espere que vou tomar banho. Eu não acordo assim como você, ligado no 220v”. Todos gargalharam até Angélica, que saiu do quarto, ouviu a conversa dos dois.
– Aprisiono mesmo. O Marzinho é só meu e não divido ele com ninguém. Está aí a minha cunhada que não me deixa mentir. Não é Tarsila?
Todos riram novamente e a arquiteta volta abraçada com o marido para o quarto para se arrumarem e irem à Confeitaria da República tomar café. Todos prontos, foram ao destino traçado por Angélica que gostava de controlar tudo. Assim que ela disse o que todos iriam fazer, o trio caiu na gargalhada. “- Por que estão rindo? Falei alguma bobagem?”
– Não minha irmã. Estamos rindo porque o meu amigo mosquito terá enormes problemas para eliminar de ti esse desejo de controlar tudo, mas afinal, não foi esse ímpeto que os uniu? Márcio não aceitou os seus mandos e desmandos e tu acabou dormindo nos braços dele.
– É! Isso é verdade. Mas tirando isso, não sou tão controladora assim.
Tarsila olhou para a cunhada e dando um aperto no ombro dela, sentenciou: “- Sim, você é e ainda bem que Márcio tem paciência contigo e mais do que isso, um amor do tamanho do mundo”.
Quando estavam no térreo do prédio, Angélica perguntou se Tarsila sabia dirigir. Com a resposta afirmativa, ela informou que a partir daquele momento o carro que tinha sido de Rosângela ficaria com ela. “- Acho que será melhor aproveitado por vocês dois do que aqui parado em minha garagem. Então amanhã quando formos para o almoço, eu e Marzinho iremos no meu carro e você e Amadeu irão nesse aqui”.
Na confeitaria tomaram café animadamente e Márcio foi passando tudo o que Tarsila tinha que fazer em sua ausência. Amanhã no almoço na casa de Eleanora, Roberto estará lá e aí fecharemos todas essas questões.
– Márcio por que está com tanta pressa assim? Acabamos de chegar e temos o dia todo para acertamos isso.
– Minha Tarsilinha, o nosso cunhado aí está ansioso para ficar sozinho nas teias de aranha da minha adorável irmãzinha. Ficarão uma semana na fazenda desligados do mundo.
“- Sinceramente! Vocês dois precisam e merecem. Foi tudo muito tumultuado até aqui. Tenho certeza que a mãe de Marzinho, Eleanora e os amigos dele sempre estiveram por perto, não dando trégua”, arriscou um palpite Tarsila.
– Você pode ter certeza disso, Tarsila. Foi barra chegar até aqui. No domingo fará uma semana que essa aliança está aqui nesse dedo e já aconteceu de tudo. Até a ex-namorada dele apareceu, mas foi fazer graça e levou o que mereceu.
– O que fez Angélica?
– O que a mãe do Marzinho me ensinou. Mostrei a ela quem manda no pedaço. Não vem querer ciscar no terreno em que eu sou a Rainha que terá a resposta à altura.
– Não te falei Tarsilinha que minha irmã é a Rainha Diaba.
Ao término do café da manhã, Angélica deixou o trio no apartamento de Márcio dizendo que depois ligaria para irem almoçar. “- Tarsila! Fica de olho nesses dois. O Marzinho não pode beber nada alcóolico e sei que meu irmão é chegado num uísque”.
– Sua bobona! Eu e Tarsila combinamos de que nenhum dos dois fará algo que desagrade o outro e ela me falou que os tempos de bebedeira acabaram se o motivo era as saudades que eu sentia dela.
Márcio escutou a conversa dos dois irmãos com a cunhada e começou a rir, mas levou um bico na canela. “- O que minha Tarsila pede eu faço, pois prefiro assim do que viver às turras com ela. Afinal temos cinco anos de atraso. Precisamos usar o nosso tempo de forma que o nosso amor seja sempre contemplado”.
Angélica olhou para o marido, dizendo que poderia passar sem escutar um sarro do irmão. “- Bom pessoal, se comportem hein. Eu volto daqui a pouco. Márcio vamos almoçar naquele restaurante que você e o Roberto costumavam frequentar.
Enquanto Tarsila passava os olhos pelos livros de Márcio, ele e Amadeu ficavam lendo os textos que o editor achou. Do nada, a esposa do vate pediu licença para os dois e foi ela conferir a escrita do marido. A cada linha que lia, lágrimas que caiam dos olhos. Pela escrita do poeta, pode perceber quanta dor ele sentia com o sumiço dela.
Márcio tinha ido à cozinha fazer um café, enquanto Amadeu estava olhando pela vidraça da janela quando sentiu os braços da esposa o envolvendo e ao virar-se foi saudado por uma saraivada de beijos, enquanto a temperatura ia subindo. O cunhado do editor tentou dizer que o dono do apartamento estava ali, mas a esposa não se importava, contudo, quando o cunhado chegou na sala, os dois ficaram meio sem jeito e Márcio só disse: “- Fiquem à vontade. Vou buscar uns jornais”.
Ao ouvir a porta se fechando, Tarsila abraço o esposo, chorando pede desculpas por ter sido tão insensível durante todo o tempo. “- Amor. Fui tão egoísta, cultivando somente a minha dor e as agressões que seu pai me fez que não ouvi os chamados de seu coração. Me perdoe pelas dores que te causei, mas daqui para diante caminharei contigo pelo céu, entre as estrelas, pelas areias do deserto”.
O casal já estava no sofá e Tarsila, lentamente foi tirando as roupas de Amadeu, enquanto este fazia o mesmo com ela. Os dois estavam pegando fogo e sabendo disso, foi que o dono do imóvel saiu, usando a história de comprar jornais para deixar a dupla mais à vontade.
Enquanto o cunhado e sua funcionária ia as alturas um com o outro, o editor ligou para Angélica avisando que quando chegasse no prédio, não subisse. O irmão dela e Tarsila estavam pegando fogo dentro do apartamento. “- Não quis interromper. Então inventei de comprar jornais para deixa-lo mais à vontade. Ela é doida por ele e vice-versa”.
Para não ficar à toa, Márcio foi até uma padaria próxima e pediu um café, mas caiu na besteira de falar para esposa. “- Se tu estiveres com mulher aí, já sabe. Pode correr neguinho, porque se eu te pegar”. Angélica desligou e Márcio sabia o que vinha pela frente e o melhor a fazer era esperar ela chegar, pois sabia que se a esposa aparecesse ali e ele não estivesse, a coisa ia ficar pior.
Não deu vinte minutos e Angélica entra pela porta da padaria com os olhos em brasa. “- Calma amor. Eu só vim tomar um café, enquanto teu irmão ficava mais à vontade com Tarsila”.
– Cadê ela? Anda me fala onde ela está?
– Ela quem Angélica?
– A cadela que te fazia companhia aqui.
– Você está maluca é! Não tem ninguém aqui comigo. A única que está comigo aqui é essa aliança. Eu só te liguei porque fiquei com medo que chegasse e fosse direto ao apartamento e surpreendesse seu irmão e Tarsila trepando.
– Por que não ficou me esperando na porta do seu prédio? Não! Tinha que sair procurando rabo de saias. Não posso te deixar sozinho um minuto que queres sempre aprontar.
– Quer sentar-se aqui e se acalmar. Você acha mesmo que seu estivesse com alguma mulher iria te ligar? Raciocina um pouco e não deixe o ciúme cegar o nosso amor.
– Marzinho! Quando vou ter paz para viver essa paixão contigo? Eu sei que a culpa não é sua. Eu sei onde estarás no momento seguinte, como fez agora, mas eu sempre acho que tem mulher na história.
– É! Realmente tu tens razão! Sempre tem mulher na história, mas o mais engraçado é que estou casado com ela desde o último domingo. Trepamos uns dias, mas o restante só passamos brigando, discutindo a relação.
– Amor! O que eu faço com esse meu ciúme? Ele não me deixa respirar direito. Fico toda tensa imaginando que tu estás com outra.
– Olha só! Eu tenho enormes ciúmes de ti e, para não ficar pensando com quem você está conversando em seu escritório, nas suas empresas, eu mudo o foco do meu pensamento, me concentro naquilo que estou fazendo.
– É! Mas tem lá o Roberto me vigiando.
– E você acha que Roberto se prestaria esse papel? Ficar de olho na patroa porque ela é casada com o melhor amigo dele? Ele me deu uma dura no dia do nosso casamento: “essa mulher é doida por ti. Então relaxe e olhe como ela está feliz por ter casado contigo”.
– Está certo. Vamos dar uma volta e perto da uma hora voltamos e pegamos os dois para almoçarmos. O que está pensando em levar para a nossa lua de mel?
– Só quero levar uma coisa: você!
Saíram abraçados da padaria, com alguns fregueses observando e dois deles se entreolharam, falando: “- Esse negão deve ter o pinto de mel. Olha a mulher que está com ele e o ciúmes que tem dele”. Angélica escutou o comentário, parando, disse à dupla: “- Não é só o pau que é de mel, mas ele todinho. Eu sou uma mulher de muita sorte”. O pessoal fitou os dois homens e caíram na gargalhada e a dupla não sabia onde enfiar a cara.
Já dentro do carro, Angélica abraça forte o esposo e não aguenta o tranco e começa a chorar. “- Amor! Quer me explicar o que está acontecendo contigo”, lhe perguntou o esposo.
– Porra Márcio. Estou tentando segurar a onda de estar casada contigo, com o homem que eu amo de paixão, mas tem a contrapartida: o meu ciúme. Eu nunca fui assim. Então não sei como me comportar e acabo colocando os pés diante das mãos.
– Já conversou sobre isso com a sua terapeuta?
– Sim! Ela me disse que provavelmente esse comportamento diz respeito à realidade que estou vivendo contigo e o que tu me apresentas: um homem singular. Eu vivia sempre em nome e para o meu dinheiro. Comprava tudo e todos, mas contigo, de nada serve os meus bens. E por mais que me diga que não me deixará, fico insegura justamente porque não é o dinheiro que conta, não são posses e status. Então qualquer outra mulher pode se apresentar melhor do eu para ti.
– Mas você não acha que quem deve decidir isso sou eu e não tu?
– Eu não sei o que preciso fazer, pensar, para não te perder.
– Faça o simples.
– E o que é simples para ti, amor? Eu sinto que estou complicando tudo.
– Só me ame e pare de construir fantasmas dentro do teu coração e mente. Deixe de que ficar imaginando que eu te deixarei por outra. Falei e torno a repetir: não quero procurar essa Angélica que eu amo em outras mulheres.
A motorista parou o automóvel defronte à praça em que Amadeu e, depois Márcio, costumava frequentar, numa tentativa de fugir da realidade e afugentar o amor que os carcomia por dentro. O carona olhou firme para a esposa. “- Quando é que vai de fato confiar no amor que eu lhe tenho? Porque se continuas assim, fico tão inseguro quanto tu. Eu morro de ciúmes de ti por tudo o que significa em minha vida, mas não posso ficar construindo fantasmas do nada. Sempre procuro te deixar a vontade para sair do relacionamento quando quiser. Já fugi muito, ameacei ir embora, mas fui observando que não é assim que se constrói um relacionamento”.
Angélica escutava em silêncio. “- Eu te amo do jeito que você é! Minha dinamite dos olhos esverdeados, mandona, mas o coração é belíssimo e me sinto honrado por você compartilhá-lo comigo”.
– Eu sei disso meu bem, mas parece que sempre não estou fazendo tudo por ti e pelo nosso amor.
– Essa sensação existe porque ainda acha que fazer tudo é no campo material, financeiro e quando entende que não é isso que eu valorizo, fica sempre achando que falta algo. Amor, quando o antigo dentro de nós precisa ir embora, o novo começa a forçá-lo a partir. Aquela Angélica que entrou toda imponente no meu apartamento, que me provocou no bar a ponto deu quebrar um copo o batendo na mesa; aquela mulher que comprou uma história que eu queria ver sepultada para sempre, deixou de existir no momento em que nossos caminhos se encontraram. Estou vendo uma nova arquiteta. Não sei bem se é nova, ou aquela pessoa que se escondia diariamente atrás do dinheiro e se sentia feliz humilhando os outros.
Debruçada sobre o volante, a esposa ainda soluçava porque queria ter paz para amar aquele homem que estava do seu lado e pronto para ir ao paraíso, ao inferno ou ficar com ela no purgatório se fosse preciso para vivenciar o que lhe sentia. Márcio a puxou para si, chamando-a para dar uma caminhada pela praça enquanto conversavam.
Como um casal de namorados, Márcio e Angélica caminharam pelo calçamento. Ambos em silêncio. Ele optou por ficar quieto, enquanto ela ficava ali conversando consigo mesma, porém, segura na mão dele. “- Amor! Se eu ameaçar cair, promete me segurar e não sairá do meu lado em hipótese alguma”, perguntou a esposa de forma exasperada.
– Faltam dois dias para a nossa lua de mel começar. Uma semana só nós dois e a natureza. Vamos falar dessas e de outras coisas e de como trabalharemos os nossos contraditórios. Somos opostos em tudo, exceto no desejo de sermos felizes um com o outro.
– É! Acho que estamos precisando se desligar de tudo. Sem empresa, escritório de arquitetura, sem editora, sem Eleanora, sem Judith. Só eu e você. Uma semana deslocado desse mundo material e dedicada somente aos nossos corações.
Márcio parou, a abraçando, beijando e a chamando para voltarem ao apartamento. Amadeu e Tarsila devem estar lá loucos para saírem. Os ponteiros indicam 13h quando Angélica abriu a porta do apartamento, não encontrando os dois na sala, foram direto ao quarto e lá estavam o casal dormindo. Para não assustarem, indicando que haviam invadido a intimidade da dupla, o editor e sua esposa foram para a sala e começaram a conversar alto.
Depois de cinco minutos, Tarsila e Amadeu saem do quarto e quando veem o casal de amigos, tentam se desculpar e a esposa do poeta busca uma justificativa plausível para dar ao patrão.
– Não precisa me dizer nada. Você realizou um importante trabalho na Alemanha. Rendeu muito em pouco tempo. E sei que fez importantes descobertas e estas permitiram que tu ames mais ainda esse homem que quase perdeu os sentidos quando você desapareceu.
“- Do que você está falando Marzinho”, perguntou Angélica.
– Deixo para Tarsila lhe dizer se for esse o desejo dela.
A esposa de Amadeu olha para a cunhada, com os olhos, pede para não falar nada, mas acaba dizendo algo de forma bem sintética. “- Eu li os textos do meu marido durante o tempo em que fiquei desaparecida e mexeu muito aqui dentro. Só agora pude observar o quanto fui covarde em não ficar do lado dele para lutarmos contra tudo e todos, principalmente o racismo do seu pai”, desabafou Tarsila.
– Não precisa dizer mais nada. O mais importante é daqui para adiante. Faça ele e seja feliz também. Quem sabe agora você compartilhando certas coisas com Eleanora, ela te segreda algumas coisas que escondeu de nós também.
Quando Tarsila deu por si já estava sendo abraçada pela cunhada que lhe disse: “- Agora vão lá se arrumar para almoçarmos. Amanhã os dois farão uma surpresa para Eleanora”, pediu a empresária.
Assim que os dois casais chegaram ao restaurante que habitualmente era frequentado por Márcio, Roberto e Fernanda, encontraram a amiga com o namorado. Tinham voltado da joelharia onde escolherem as alianças para o noivado. Pretendiam fazer isso no sábado, mas longe de todo mundo. Só os dois e alguns amigos mais chegados: Marzinho e Angélica era um deles.
Feitas as devidas apresentações, Tarsila e Ricardo trocaram olhares que não passaram despercebidos por Fernanda que não pensou duas vezes em cobrar qual era o motivo dos dois se olharem. Amadeu, como não tinha disposição para brigar, foi sereno e firme. “- Minha Tarsila tem o hábito de olhar não só para o marido dela aqui, mas para todos as outras pessoas. Afinal de contas, ela enxerga e caso não me queira mais, porque achou alguém melhor, me dirá”, explicou o poeta.
Ricardo informou que olhou para Tarsila porque havia tempo que não a reencontrava. “- Eu fiz todo o trabalho de edição do TCC dela, mas como fazia um tempão achei que ela não me reconheceria”, explicou o futuro noivo.
Para sacanear os dois, Marzinho disse assim: “-Amor! Acho que o mesmo inseto que te picou, acertou a Fê. Como é bom sentir na pele a zoeira que fizemos com os outros, né minha amiga”.
Fernanda olhou para Tarsila toda envergonhada e pede desculpas. “- Desculpas aceita, minha cara. Não posso querer nada com o seu namorado amando loucamente esse homem aqui. Ficamos cinco anos separados por conta de racismos e agora que estamos juntos, não o deixo por nada. Ricardo é um excelente profissional e também pessoa. Então, cuide bem dele e não deixe que o ciúmes o faça distanciar de você”.
Depois desta conversa, todos ficaram mais tranquilos, juntando as mesas. De um lado ficou as mulheres e de outro os homens. Quem visse a cena do alto, acreditava estar vendo posicionamento das peças de xadrez. Angélica se sentou defronte do marido; Tarsila ficou no meio e em frente do esposo e na outra ponta Fernanda, diante do noivo. Rainha Branca com Rei Preto; Rainha Preta com Rei Branco e Rainha Branca com Rei Preto.
– Fê não sei se será possível ir ao seu noivado amanhã. Meu pai já deve estar na cidade para uma conversa com os pais de Débora e haverá o almoço na mansão para que os velhos se falem sobre o meu irmão Esdras. Mas gostaria muito de estar presente.
Angélica olhou para o esposo, afirmando que tudo poderia ser realizado na casa de Eleanora depois do almoço. “- Obviamente se minha funcionária e noivo não se opuserem”.
– Se o Rick não fizer objeção, está tudo certo então.
– Bom! Inicialmente eu não pretendia ir a esse almoço porque é um lance de minha irmã, mas diante do convite e da possibilidade de trocarmos as alianças, creio que seja possível um encontro dessa magnitude.
Fernanda fica toda feliz em saber que estará novamente no meio daquele pessoal todo, piscina e um sábado para se divertir. Os encontros na mansão sempre a deixavam mais serena e foi justamente num desses eventos que encontrou o homem que fez o seu mundo parar de girar aceleradamente.
Terminado o almoço, Angélica levou o marido, o irmão e a cunhada para o apartamento-sede da editora dizendo que os pegaria ali no final da tarde. Márcio deu a chave para Amadeu e ficou mais um pouco conversando com a esposa. “- Amor! Está tudo bem? Está mais calma depois da nossa conversa? Se não quiser voltar para a empresa, fique aqui conosco”.
– Está tudo bem sim Marzinho e agora mais do que nunca devo trabalhar, terminar de organizar tudo, até para ficar uma semana só contigo, sem me preocupar com nada. Agora o meu irmão e a esposa ficarão sob a responsabilidade de Eleanora.
– Dona Angélica. Deixe os dois andarem sozinhos. Você não vai dar o carro que era de Rosângela para Tarsila. Ela virá trabalhar aqui no apartamento. Depois que voltarmos da lua de mel procuraremos um local para montar a sede.
– Eu não queria te dizer, pois sei que não iria gostar, mas já comprei o imóvel e eu e Debora fomos lá para ver como o que ela planejou se adaptaria aos seus gostos.
– Mas a empresa é minha. Eu quem tinha que escolher, dizer se estava correto.
– Não falei que ia brigar comigo. Mas agora já é tarde e eu deixei as obras sob a responsabilidade de Débora.
O editor não conseguiu ficar muito tempo chateado. Esse era o jeito dela. Ficou em silêncio por alguns segundos e a esposa lhe perguntou o que foi. “- Nada não amor. Eu me senti como o peixe que escapa do espeto e cai na brasa. Me casando contigo, pensei que me livraria do mandonismo das mulheres de minha vida. Mas vejo que não”.
– E o que vai fazer disso?
– Transformar em mais amor e o transferindo para uma galega mandona, ou como disse dona Judith: dinamite dos olhos esverdeados que tanto incendeiam meu coração.
A arquiteta deixa o carro e vai abraçar o esposo. “-Amor pensei que ia ficar bicudo comigo”, exclamou Angélica. “-E ia mudar alguma coisa? Você é assim! É de sua natureza. Só preciso avisar meu irmão que ele vai penar um bocado nas mãos de Débora. Está tendo uma ótima instrutora. Te amo vida. Agora vai lá. Arrume tudo, porque depois de amanhã não tem para ninguém, você sera totalmente minha esposa.
A empresária entra no carro e retorna ao trabalho, enquanto Márcio se dirige ao apartamento-escritório para fechar os últimos detalhes com Tarsila sobre o trabalho e dar-lhe um presente por reconhecer que deveria ter sido mais firme e lutado pelo amor do marido.
– Tarsila, ainda não é oficial, mas quando eu voltar de minha lua de mel com a sua cunhada, te passarei mais funções na editora. O cargo a sua disposição é o de vice-presidente da Jardim da Leitura. E não adianta dizer que não aceita, pois está tudo definido. Somos pequenos, mas se soubermos andar direitinho, quem sabe não chegaremos longe.
– Márcio! Eu desconfio que tu estás andando muito com Angélica. Está ficando mandão como ela. Mas brincadeiras à parte, eu agradeço o cargo. Só que já sabe, né. Desconfio que Eleanora ficará no meu pé o tempo todo por conta da gravidez.
– Eu acho que não te deixará sair da mansão enquanto o bebê não nascer.
– E o que eu faço?
– Tarsila. Quando nos conhecemos você me ofendeu e, talvez no seu lugar, teria feito a mesma coisa levando em conta as humilhações que sofreu, mas tenho certeza de que tu e Eleanora se entenderão bem. Se estiveres fazendo o filho dela feliz, é tudo o que ela quer. Também nos estranhamos quando nos vimos pela primeira vez, mas aprendi a não revidar, pois o chicote pararia em minhas mãos.
A esposa de Amadeu só olhou para o editor, que continuou a lhe dizer. “-Faz praticamente um mês que minha mãe está enfiada dentro daquela mansão. Se tornou amiga de sua sogra. Então a única coisa que te peço em nome de nossa curta amizade: dê uma chance à Eleanora. Não precisa dizer, mas demonstre sinceramente a ela que a perdoou. A história dela é mais dolorosa do que a nossa”.
– Márcio, vou confiar em ti, pois sei que uma coisa é falar por chamada de vídeo, outra é a convivência pessoal.
– Você saberá disso que estou te falando amanhã quando chegar lá na mansão para almoçar com a turma toda e se preparara que a coisa vai até a noite.
Depois dessa conversa, passaram a tarde cada um fazendo uma coisa e conversando com Amadeu. Corrigindo os textos dele e Tarsila rascunhando algumas coisas, inclusive teve a ideia de escrever uns contos para ver se levava jeito para a coisa. “- Márcio! Por que não escreves algumas coisas? Podemos lançar uma coletânea com nossos desenhos textuais. Usaremos pseudônimos. O que acha”, perguntou Tarsila.
– É! Pode ser uma boa ideia. Aproveito que estou na fazenda e rascunho algumas coisas e aí tu corriges e diga-me se gostou. Podemos preparar três lançamentos: As crônicas de uma lagartixa; um desses romances que compramos os direitos para traduzir e a nossa coletânea.
Quando o trio olhou para o relógio, Angélica já estava dentro do apartamento chamando Tarsila para fazerem umas compras para o jantar. Mas era apenas uma desculpa para pedir ajuda para a cunhada na cozinha. “- Sou péssima cozinheira e o Marzinho vive me pedindo para cozinhar, então você me ajuda com o jantar”, segredou Angélica quando retornavam do supermercado onde Tarsila conheceu Amadeu. Ao olhar para aqueles corredores, os olhos da vice-presidente da editora ficaram encharcados e Angélica apenas apertou-lhe a mão em forma de apoio. “- Angélica! Não sabia que seu irmão sofria tanto com a minha ausência”, desabafou Tarsila.
– É! Sofrimento mortífero dele e nenhum de nós sabíamos como resgatá-lo. Não conseguíamos entrar no mundo dele para saber o que tinha provocado o curto-circuito na cabeça do meu irmão. A nossa sorte foi que apareceu uma pessoa que estava no mesmo caminho que ele e, sem saber ao certo, acabou abrindo as portas para Amadeu sair daquele mundo doido em que misturava o real com o imaginário.
– Eu deveria ter percebido, mas o medo era tanto que eu só pensava em fugir e minha irmã não me ajudava com nada. Apenas descia o pau na sua família e tirava o sarro na dor que meu Amadeu estava sentindo.
– Há 90 dias, tudo isso começou a mudar e graças ao mosquito do Márcio. Ele é um homem especial e, por mais que eu me esforce, tenho um medo terrível de perdê-lo. É quase uma briga por dia por conta dos meus temores. No começo da tarde de hoje discutimos de novo. Ele, para não atrapalhar vocês dois no apartamento saiu, me avisando e indo a uma padaria para tomar café. Eu cheguei lá toda irritada achando que ele estava com outra.
– Posso te falar uma coisa?
– Pode!
– Esse homem não é capaz de olhar para outra mulher do que jeito que é vidrado em ti. Tente sair de si e vê-lo a partir do momento em que te observa: é como se ele quisesse te pegar no colo e levá-la até as estrelas. Se você o perdê-lo fique sabendo que tem mil mulheres querendo ocupar o seu lugar.
– É disso que tenho medo! Que ele olhe para outra e ela entenda esse observar dele e aí estou perdida. Sem esse homem, não sei como seria o meu dia seguinte.
– Por que não deixa o dia seguinte chegar com ele? Por que não viva o agora? Faremos o jantar juntas, enquanto os dois ficam lá com as conversas deles. É um troço estranho. Eu não entendo nada, mas Márcio compreende e o meu Amadeu entende o que ele fala. Depois, vá para o quarto e ame esse homem do jeito que ele merece. Esquece o mundo lá fora. Só você e ele e quando forem para a lua de mel analise como ele enxerga as coisas, a natureza. Não pergunte, apenas sinta com ele.
Ao ouvir Tarsila lhe dizendo como deveria se comportar com o seu amado, Angélica se sentiu mais leve, mais serena. As duas entraram no apartamento e flagraram seus maridos rindo e conversando como se fossem dois amigos adolescentes, de modo que o mundo lá fora não existia.
– Está vendo o que eu lhe dizia. Márcio só pode trazer Amadeu de volta por entender esse jeitão dele de falar certo de forma errada. Márcio não quer nada da vida, apenas ser amado. Então lhe dê esse amor que vai aí em sua alma.
– Meus amores! Vamos embora. Eu e Tarsila vamos preparar o jantar para os nossos maridos e aí vocês continuem essa conversa na Torre da Rainha Diaba.
Amadeu abraçou Tarsila dizendo que a comida dela era dos deuses. “- Agora a da irmã, pelo estado magérrimo de Márcio, não serviria nem para alimentar os porcos”, disse gargalhando o poeta. “- Credo, meu caro trovador! Sua irmã bem que tenta, mas sabe como é! Ela não tem o mesmo trejeito com o fogão como tem com as pranchetas e sua imaginação arquitetônica”, explicou o editor.
– Ah é assim! Angélica! Esses dois ingratos ficarão com fome. Faremos só para eu e vc. Se eles quiserem que comam as próprias roupas.
Ao dizer isso, as duas caíram na gargalhada e todos seguiram para o apartamento de Angélica. Já dentro do imóvel, a arquiteta passou a chave e os documentos do automóvel para Tarsila. “- Tome! É seu de hoje em diante. Eu havia dado de presente para a sua irmã, mas como não temos mais nada e em também não sei por onde ela anda, então o carro é seu”.
– Obrigado Angélica.
Enquanto as duas mulheres se dirigiam para a cozinha para fazer o salmão grelhado com legumes e pêssego em caldas de sobremesa, Amadeu ficou com Márcio vendo as estrelas por intermédio da janela da sala.
– Quando vejo uma estrela no céu, observo como o universo foi grato comigo, me presentando com uma aqui na Terra. Sem Tarsila, meu caro amigo mosquito, os corpos celestes ficam opacos. Naquela época todas as noites me pareciam iguais, nada mudava. Tenho uma luz do meu lado que está esperando um outro Sol para abrilhantar ainda mais o meu mundo. Obrigado por ter me devolvido a vida.
– Meu caro vate, estou imensamente feliz por te sentir assim com a sua Tarsila. Recordo-me que antes de viajarmos para Alemanha você me pediu para fazer a sua irmã feliz. Estou tentando, amigo. Queria deixá-la mais segura, mas não sei como fazer. Ela sempre acha que posso deixá-la a qualquer momento, que a trocarei por outra, mesmo sabendo que não ficarei procurando a Angélica, que amo tanto, em outras mulheres. Não tem sentido isso quando se encontra a pessoa que esperou por toda a vida.
Como os dois se desligavam do mundo com facilidade, não perceberam que a conversa era observada pelas duas. Tarsila puxa a cunhada para o quarto de hospedes e a senta na cama, lhe dizendo: “- Toda mulher quer ouvir isso o que Márcio disse a seu respeito. Então pare de procurar problemas e trate de amar esse homem do jeito que ele é. Na Alemanha, por mais que vocês dois tentassem disfarçar, ele não conseguia esconder, pois os olhos dele estavam a todo momento o traindo. E naquela nossa conversa no apartamento em que ele falou em alemão comigo, acabou se traindo. Queria esconder o amor que sentia por ti”.
Ficaram mais uma meia hora conversando e ao deixarem o cômodo, Márcio e Amadeu estavam lá do mesmo jeito, como se nada mais importasse no mundo: só o tema dos dois. “- Depois que sua irmã entrou em minha vida, tudo virou do avesso. Eu até fiz as pazes com meu pai. A propósito vai conhecê-lo amanhã, bem como os meus irmãos”, informou o livreiro.
O jantar foi servido e todos, depois que Márcio e Amadeu organizaram a cozinha, ficaram na sala conversando sobre tudo e nada. O poeta deitado no colo de sua Tarsila completamente leve, olhando para ela com os olhos tão verdes quanto os de Angélica que estavam do mesmo jeito, só que no outro sofá no colo do marido.
Do nada Tarsila chamou Amadeu para dormirem. O dia seguinte prometia. Fariam a surpresa para Eleanora e saberia como seria a relação das duas dali para adiante. Ao se levantar, a cunhada de Angélica deu um tapa de leve na perna dela dizendo que era para dar início ao que tinham conversado durante a ida ao supermercado.
– Bom! Vamos dormir meu Marzinho. Amanhã o dia será daqueles. Estou aqui imaginando a cara que Eleanora fará quando ver o filhão dela adentrando a mansão.
– Está certo, minha vida. Quem toma banheiro primeiro ou vamos juntos. Estou com saudades de nossas junções embaixo do chuveiro.
– Eu vou primeiro e depois será a sua vez.
Márcio achou estranho a opção dela, depois de tudo o que conversaram no começo da tarde e durante o jantar, mas resolveu seguir o determinado por esposa. Enquanto Angélica se banhava, o editor ficou ali um pouco mais encantado com as estrelas, pensando na reação de Tarsila quando começou a ler as cartas que o seu marido lhe escrevia quando estava morrendo de saudades dela, sem saber ao certo por onde ela andava. “Agora com o filho então. Os dois enlouquecem de vez. É muito amor que envolve os dois. É coisa de almas que se entenderam antes mesmo de encarnarem. Será que eu e a minha galega conseguiremos alcançar esse patamar”, pensou Márcio fazendo um movimento com a cabeça.
“- Mas o que tanto meu amado esposo imagina e conversa com seus pensamentos”, perguntou Angélica o abraçando pelas costas, pedindo a ele para ir tomar banho.
O esposo estava tão absorto em seu mundo que não notou a maneira com Angélica estava vestida. Pegando-a pela mão caminharam para o quarto. Se banhou e quando deixou o banheiro, foi surpreendido pela esposa que o beijou avidamente, empurrando seu corpo para a cama, porém, não partiu para o ataque. Ficou sobre o corpo do esposo acompanhando todos os movimentos que a sua musculatura fazia, inclusive sentindo a temperatura subir. “- Achei que o meu amor não me quisesse hoje, amanhã e sempre”, disse a empresária meio choramingando.
– Amor! Se eu te deixasse, minha alma fugiria do meu corpo e eu não seria mais o que sou. Não tem só um segundo que eu não esteja ligado a você e ao nosso amor. Agora ali de pé, estava pensando no comportamento de Tarsila quando leu parte das cartas que Amadeu lhe escrevia tentando aliviar um pouco a dor que sentia por não saber onde ela estava.
– Ah é! E o que achou? Pensa em me deixar e ficar com Tarsila?
– Não tem liga, pois a minha dinamite dos olhos esverdeados é o meu tudo. Te amo tanto sua boba ciumenta, mandona. Olha só. O dia em que você deixar de ter ciúmes, não adianta eu pedir uma segunda chance, porque eu perdi o seu amor.
Ao dizer isso, se desvencilhou da esposa, ficando de pé para pegar no guarda-roupa o pijama para dormir, mas não deu tempo porque Angélica o abraçou por trás, começando lentamente massagear o membro do esposo que reagiu imediatamente as carícias da empresária. Ao se virar, sentiu a sua boca sendo sugada avidamente pela esposa. Enquanto o beijava, Angélica dizia quase que em lágrimas: “- Não me diga nada! Apenas me ame e continue a me fazer feliz como vem fazendo desde que nos conhecemos meu Marzinho”.
Quando o casal, após sucessivos e sincrônicos orgasmos foram dormir, os ponteiros do relógio marcavam três horas. Ambos, plenos um do outro, deixaram os abajures de suas cabeceiras a meia luz e dormiram felizes abraçados, como se o mundo lá fora não existisse.