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Ao ver a aliança sobre o painel do carro e o celular de Márcio no banco do carona, Angélica entrou em pânico e sabia que os sinais deixados pelo jornalista indicavam que não deveria procurá-lo nos lugares em que acharia que ele estava. Sem o celular seria difícil localizá-lo. Ou seja, nem Roberto, nem Fernanda poderiam ajudá-la, assim como Judith e Eleanora. Mãe e sogra não lhe perdoariam mais essa criancice diante de uma ação sensata de um homem que, mesmo sendo humilhado, não devolve a sua agressora a violência simbólica recebida.
Ali mesmo, dentro do carro a arquiteta desabou. Chorou, berrou, chamou-se de burra, idiota e percebeu que tinha sido mais ignorante do que a secretária de sua terapeuta. Sabia que teria que aprender muito a nunca reagir, pois as consequências poderiam ser nefastas como a que tinha acabado de proporcionar a si mesma.
Colocou o automóvel em movimento, e saiu procurando por Márcio. Despois de rodar por quase duas horas, sem localizá-lo e já em desespero. Parou num posto de combustível para abastecer e, enquanto o frentista completava o tanque, ela tentava entender não a cabeça do noivo ou ex-noivo, mas a sua. Pedindo clareza aos céus, deixou o estabelecimento e ao passar por uma rua de pouca movimentação conhecida por ser frequentada por proxenetas, pederastas e profissionais do sexo, olhou para dentro de um bar e percebeu a presença de alguém que lhe era conhecido. Só que a pessoa estava bem no fundo do estabelecimento, ocupando uma mesa sozinho. Deu a volta no quarteirão. Parou o automóvel e entrou no estabelecimento.
Os frequentadores estranharam a sua presença naquela pocilga, mas ninguém dizia nada a ninguém e cada um seguia na sua, tomando a sua bebida e só respondiam quando lhe perguntavam alguma coisa. Os ponteiros do relógio indicam que já passavam das 18 horas. Sem fazer alarde algum, chegou perto de onde o homem estava sentado e perguntou se podia ocupar o assento do seu lado.
“- Pode! Se o proprietário não se importar, não serei eu a fazer isso”, disse isso, se voltando ao seu silêncio, virando na boca o copo de conhaque. Só neste momento é que Angélica percebeu que havia sobre a mesa uma garrafa de bebida que estava pela metade.
– Você acha que vai me encontrar dentro dessa garrafa?
– Obviamente que não! Muito pelo contrário. Espero que no seu final, a loira que me atormenta com seus ciúmes desmedidos, tenha desaparecido por completo e eu possa finalmente retomar a minha vida.
– E você acha que sairá vivo dessa garrafa? Ela pode sim, desaparecer, pois teu corpo estaria inerte dentro de um caixão e essa loira mortificada por dentro, cheia de remorsos, se não estiver num sanatório, com certeza estará morando em cima do seu túmulo a chorar diariamente, clamando o perdão do homem que a tira do eixo, mas ao mesmo tempo dá-lhe um teto cheio de amor.
Márcio vira outro copo de conhaque goela abaixo, enquanto Angélica calmamente lhe disse: “- Vamos! Você tem uma chamada de vídeo com seu pai as oito horas. Não precisa falar de nós dois, mas precisa fazer as pazes com ele. Sei o quanto isso é importante para a sua existência. Ele pode ser uma porcaria, como Jô foi em minha vida, mas ainda assim é o seu pai e nada no mundo vai mudar isso”.
Quando terminou, a arquiteta se colocou de pé e se dirigindo ao balcão, perguntou quanto que era a conta do rapaz, o barman disse que ele já havia pago. Pediu a garrafa e deixou uma nota de R$ 100 mandando ficar com o troco. Ao chegar na porta do boteco, Márcio já estava ao seu lado. “- Passamos em casa primeiro, você toma um banho, tira esse cheiro de bebida, troca de roupas e vamos lá para a casa de minha mãe. Depois que falar com o seu pai, em casa conversaremos. Agora coloque essa aliança no lugar de onde não deveria ter saído”.
Em silêncio os dois deixam o boteco e se dirigem ao carro da arquiteta. O nervosismo de Márcio era tamanho que nem o fato de ter ingerido metade da garrafa de conhaque tinha modificado o seu humor ou o seu estado orgânico. Ele sabia que no dia seguinte as consequências viriam, mas não estava pensando no amanhã. Só queria se livrar do amor, da paixão que sentia por aquela loira que tinha transformado sua vida num verdadeiro inferno com um pouquinho de paraíso.
Ao chegarem ao apartamento, Márcio viu que havia várias ligações perdidas, ignorou todas, pois ou eram de Roberto ou de Fernanda. Como o entendiam, sabiam que estava rolando uma confusão na vida dele. Ouviu apenas a mensagem de voz de Fernanda: “- Me liga moleque. O Ricardo me mandou outras flores, só que veio me entregar pessoalmente. Estou no céu. Me falou que assim que eu estiver pronta, poderemos sair para jantar”.
O jornalista entrou no banheiro do quarto de hóspedes para tomar banho. Não conseguiria ficar no mesmo ambiente que Angélica. Ela havia superado todas as suas doideiras por conta do ciúme amalucado. Quando ele deixa o banheiro, ela estava sentada na cama e, de cabeça baixa, só pede para ele não desmarcar nada. “-Pelo amor de deus, deixa tudo marcado para domingo. Quando voltamos, conversaremos. Não precisa me dizer nada. Sei que peguei pesado contigo, inclusive te agredindo naquilo que tem de mais belo dentro de ti. O respeito pelo seu semelhante”.
A arquiteta saiu do quarto em silêncio. Se esforçando para não desabar, ficou em seu quarto, enquanto o jornalista foi para sala e da janela viu os primeiros raios precipitarem no céu, fazendo com que ele se lembrasse da noite anterior com a sua amada que, agora estava toda reprimida no quarto por conta de mais uma de suas ações insensatas, motivadas pelo excesso de amor que lhe tem.
O jornalista não tinha muito o que fazer: ou perdoava o seu amor, mais uma vez, mesmo sabendo que ela iria prometer, mas na primeira oportunidade, faria tudo novamente. Ou acabar com tudo ali e na chamada de vídeo dizer ao pai que ele tinha razão a seu respeito. Era de fato, um bosta de ser humano que não conseguia manter do seu lado a mulher que ama, justamente porque ela tem ciúmes extremados dele e não se controlava quando está diante de outra mulher que lhe parecesse rival.
Enquanto lá fora o tempo ameaçava desabar sobre a cidade, Márcio entra no quarto e diz a Angélica. “- Vamos acabar logo com esse martírio”. Ao ouvir isso, a arquiteta entra em desespero e começa a chorar e suplicar-lhe que não a deixe, prometendo que ia melhorar. “- Você não vai melhorar se não se esforçar. Se não fizer isso para você mesma. A sua insegurança não em relação à minha pessoa ou a qualquer outra, mas é relativa à sua incapacidade de não aceitar que não comanda as outras pessoas, o coração delas. Esse seu egoísmo não lhe deixa ver e saborear o amor que eu lhe tenho. Você quer estar sempre comandando tudo. Não precisa me controlar; não gosto disso e esse foi um dos motivos de minha briga com o meu pai. Venha aqui”, chama a empresária.
Ambos chegam a sala e olham para o céu. “- Pegue todo o seu dinheiro. Compre um jato e vai lá dizer para aquele raio que ele não pode clarear o céu com a sua forma de existir. Aproveite e diga para a chuva que ela não pode cair. Pede para a terra parar de girar. Pare e mande a terra descer, como me expulsou do seu carro hoje à tarde, mandando eu tirar a aliança e desfazer algo de belo, sublime que está acontecendo em minha vida. Ao contrário de ti, eu não tenho medo do seu ciúme, não tenho medo do amor que eu lhe tenho. Às vezes, prefiro me afastar e pensar no que farei em seguida. Não quero impedir a chuva de cair, os raios de dar visibilidade ao universo. Eu só quero uma coisa: SER FELIZ CONITGO! Agora, se não consegue entender isso, aí realmente vai ficar muito difícil a nossa convivência e olha que apenas ficamos noivo”, desabafou o jornalista.
Sem dizer uma palavra, Angélica o abraça pedindo carinho, compreensão do homem que ama. “- Não vou a lugar nenhum sem você. Antes de estar em minha vida, acho que nenhuma mulher me observava, talvez por ser meio obtuso, no meu canto, no meu mundo espartano e não ter nada de especial a oferecer e penso que permanece do mesmo jeito”.
– Amor! Eu sei disso tudo. A paranoia é comigo. Não posso querer controlar tudo ao mesmo tempo, nem você e nem ninguém, principalmente agora que sei o quanto me ama e o quanto isso pode ser horrível em sua existência se eu não lhe der paz. Só quero que entenda que estou me esforçando ao máximo, mas às vezes eu não consigo, como hoje à tarde. Quando vi o seu celular no banco do carona, eu entendi que não procuraria nenhum dos seus amigos. E que era para eu fazer o mesmo. Rodei essa cidade inteira tentando te achar, mas sinceramente não sabia o que te dizer quando te encontrasse.
– Vamos. Preciso falar com o meu pai. Essa é a parte mais complicada. Não quero ficar entre ele e minha mãe. Eu sei que ela sofre um bocado por conta dessa rusga entre nós dois. Alguém tem que ceder e acho que deve partir da minha parte o pedido de armistício. Não precisamos soltar rojões, mas só deu poder visitá-los contigo será um grande passo.
Deixaram o apartamento depois das 19 horas e quando chegaram à mansão já foram encostados na parede. Eleanora já foi direta: “- Que cara é essa? O que você aprontou? Estou lhe perguntando porque te conheço, minha filha. Teus olhos indicam que muitas lágrimas passaram por eles hoje”. Angélica tentou se segurar, mas desabou. “- Ah mãe! Esse meu ciúme! Preciso controlá-lo. Do contrário não conseguirei ficar com Márcio. Imagina a senhora que ele foi vítima de racismo no consultório de minha terapeuta e eu queria que a secretária fosse demitida, mas ele não concordou, pois entende que ela pode sofrer uma reprimenda e ser reeducada, mas não se tornando mais uma desempregada. Eu achei que ele estava fazendo isso porque queria sair com ela, queria comê-la.
– Angélica! Você precisa se controlar. Tem uma pessoa de ouro do seu lado e começa a distorcer tudo, enxergar coisas onde não existem.
– Mandei ele sair do carro e tirar a aliança. E ele fez justamente o que eu pedi, enquanto eu estava debruçada sobre o volante do carro. Só que além da aliança, ele deixou o celular, indicando que eu não saberia onde ele estava. Mãe! Rodei a cidade inteira e fui encontrá-lo com uma garrafa de conhaque já pela metade num daqueles botecos de quinta lá naquela região escura da cidade. Me falou que esperava que no final daquela garrafa pudesse esquecer do amor que me tens.
– Está certo filha. Depois nos falamos disso. Eu, você, ele e a mãe dele. Agora prepare o equipamento para Márcio conversar com o pai. É melhor ninguém ficar na sala. Deixe os dois conversarem. Quem sabe não se reconciliem.
Em cinco minutos estava tudo pronto para o diálogo dos dois. Numa tela de televisão de 32” apareceu a cara de Rogério, enquanto do lado de lado, também num equipamento semelhante ele via o filho. “- Oi pai! Boa noite! Saudades”.
– Boa noite filho. Estou imensamente feliz em te ver. Tenho saudades que este orgulho besta não deixa reconhecer. Perdoe seu pai.
– Já o perdoei faz tempo, pai. De minha parte reconheci os meus próprios erros e aprendi que não devo mudar a cabeça de ninguém. Entendi que preciso ser firme como um carvalho, mas flexível como a taboa. Do contrário no primeiro vendaval, irei ao solo. Então eu que lhe peço perdão por não ter me controlado naquela noite.
– Marzinho. Aquela noite não conta mais, mas sim daqui para a frente. Não podemos viver no passado. Se continuarmos assim, ele vai nos matar sem dó nem piedade.
– O senhor vem para o meu casamento?
– Tua mãe me falou dessa história. Me disse que vai se casar no domingo. O que aconteceu, engravidou a moça. Se fez isso, tem que assumir mesmo. Se foi homem para comê-la, tem que ser o mesmo homem para assumir as responsabilidades.
“- Não pai! Ela não está grávida. Ficamos noivos ontem”, explicou Márcio apontando a aliança no dedo da mão direita. “-Resolvemos porque eu já tenho 35 anos e ela 33 anos e não tem nada que nos vete. Exceto o ciúme dela. Meu pai, não se de onde brota tanta ciumeira”, explica o repórter.
– Você não deixou ela ficar muito tempo com a sua mãe? Se isso aconteceu, deve ter aprendido uns truques com Judith. Ela é baixinha, mas o ciúme é de um gigante. Tome cuidado. Se te surpreender com uns olhares diferentes para outras, eu não queria estar na sua pele. Uma vez eu tentei fazer isso, meu filho, que noite do cão sua mãe me fez passar. Mas olha, se me perguntasse se eu desejasse me casar novamente, com quem eu faria isso, com certeza, sem medo de errar, eu me casaria com a sua mãe. Se for esse amor que sentes por essa mulher, vai em frente.
Do nada, Angélica, atrapalhou a conversa de pai e filho dizendo: “- Eu conheço esse olhar, senhor Rogério e ele já sabe. Se apresentá-lo para outra mulher, o senhor pode vir para reconhecer o corpo”.
– Marzinho quem essa moça que entrou na conversa?
– É a sua futura nora.
– Boa sorte filho. Fique vivo até domingo. Quero te abraçar no seu casamento e não dentro do caixão. Não saia da linha porque pelo que eu vi e pela conversa que tive com a sua futura sogra, três contra um. Sei que é covardia, mas espere eu e seus irmãos chegarem aí e equilibramos essa peleja. Tenha uma ótima noite filho, adorei falar com você. Te amo!
– Boa noite pai. Também amo o senhor e obrigado por vir me assistir nesse momento importante de minha vida. Depois quando eu for lançar minha editora, também te quero aqui junto comigo.
Assim que Márcio desligou, Angélica entra apressada na sala, pulando no colo do jornalista. Mal deu tempo de dizer: “- Você é maluca! Porque entrou na minha conversa com meu pai”, pergunta o noivo.
– Desculpe-me Marzinho, mas eu não resisti. Agora eu sei de onde você tem esses olhares. Tem escola e a quem puxar. Então quer dizer que sua mãe é pequena só na estatura, mas qualquer coisa coloca o seu pai no devido lugar dele.
Enquanto os dois conversavam chegou as duas mães na sala. Angélica olha para Judith, dizendo: “- Esse sorriso dado com os olhos, ele pegou da senhora. Dona Judith a senhora nem sabe como isso me enlouquece e agora o olhar sem mexer um músculo do rosto, sei de onde vem. Tem histórico”.
– Minha filha. O pai desse aí não é tão sossegado quanto ele, mas desconfie sempre. Não caia na lábia. Esse aí quando quer te convence de que foi São Pedro que criou os raios para iluminar o caminho dele. Mas o que aconteceu hoje à tarde. Tua mãe me falou que brigaram em menos de 24 horas depois do noivado?
– Foi tudo culpa minha! O Marzinho foi vítima de minha infantilidade. Apesar de saber que ele está inteiro na relação e vamos nos casar no domingo, eu ainda acho que ele pode escapar, desistir.
– Minha filha, o Marzinho só pensa em você. Para ficar noivo na terça-feira, porque na segunda-feira vocês, para variar, brigaram novamente, e manter o casamento contigo no domingo, só amando muito, mas muito mesmo e essa certeza eu tenho. O pai dele relutou muito, mas sua mãe conversou com Rogério e lhe mostrou o filho que ele se recusava a ver. Então pare e deixe ele te amar do jeito dele. Marzinho foi um jovem de poucas namoradas, porque vivia intensamente tudo, inclusive as amizades. Olha como são ele, Roberto e aquela desmiolada da Fernanda. Um trio de amalucados que se adoram. Espero que perceba isso antes de acabar com a sua e a felicidade de meu filho.
– Bom! Vamos jantar e depois Judith e eu vamos organizar o cerimonial de domingo, enquanto os dois vão embora e se entendam na casa de vocês. Só não se matem, pois temos um casamento para realizar no domingo e não será legal se a noiva estiver na cadeia e o noivo no cemitério.
As duas senhoras caíram na gargalhada porque sabiam que os dois quebravam o pau, mas terminam bem. Um não pode viver sem o outro e agora então que pai e filho fizeram as pazes depois de cinco anos de rusgas. Antes de chegarem à mesa, Angélica pediu para a mãe providenciar um chá amargo para o noivo. “- Ele bebeu metade de uma garrafa de conhaque. Estou com medo que passe mal durante a noite”, explica Angélica.
Todos à mesa e a arquiteta não desgrudou um segundo do jornalista. Conversava animadamente com as duas, mas Márcio não participava muito. O que chamou a atenção das três. “- O que foi meu filho? Aconteceu alguma coisa”, pergunta Judith. “- Nada não mãe! Estou feliz por ter feito às pazes com o meu pai e vou tê-lo aqui no meu casamento. E foi justamente um casamento fracassado que nos afastou e agora outro que nos reconcilia. Só estou um pouco emocionado”.
Judith lhe aperta a mão dizendo que vai dar tudo certo. “- Entendo esse seu receio, mas cuide dessa moça aí e não deixe ela ter razão para os ciúmes qie sente e serão felizes como esposos. Agora se acalme e curta. Você merece toda a felicidade do mundo.
Ao término da comensalidade, Angélica foi à frente com a mãe que lhe fez mil recomendações. “- Olha lá em filha! Dê um pouco de paz para o coração do rapaz. Ele é bonitão, vistoso, inteligente, e extremamente discreto. Valores que toda mulher almeja num homem. Então é normal ele chamar a atenção, mas deixe para cobrá-lo quando escorregar, mas faça isso em casa. Nunca na rua e nem na frente das pessoas. Você não é mais uma adolescente e nem precisa provar nada a ninguém, muito menos comprar o Márcio, que aliás, não tem preço algum”.
– Está certo mãe. Eu sei que exagerei hoje. Ele tem ciúmes também, mas é direto e discreto como o soco que acertou na cara do médico. Ninguém ficou sabendo, exceto o olho roxo do doutor que deve ter inventado uma história medonha para justificar o arroxeado naquela região.
Judith não se cabia de contente pelo filho e o marido terem feito as pazes. “- Calma Marzinho. Não estrague a sua felicidade. Tente contornar mais essa crise. Ela não é fácil e passou a vida tendo as pessoas fazendo tudo o que ela queria, certo ou errado tinha que ser do jeito dela. Agora está vendo que contigo a coisa é diferente, que não cederá aos caprichos dela. Pulso firme. Seja sempre você e não precisará mandar em ninguém, muito menos nela que será sua parceira pelo resto da vida, se conseguirem contornar esse jeito mandão dela.
– Está certo mãe. Vou me controlar. Deixar de ser um criançola também. Sei que tenho uma contribuição minha nisso tudo. Mesmo que ela surte, preciso ter paciência e não ficar perambulando pela cidade sem eira e nem beira. Não posso cobrar mudanças nela se eu não as fizer dentro de mim também. Estou feliz por ter voltado às boas com o seu Rogério. Adoro aquele negão teimoso.
– Filho! Seu casamento e a reconciliação com seu pai foram os melhores presentes que pude receber nesses últimos cinco anos. Angélica é uma ótima pessoa, meio desmiolada, mas tem o coração divino. Faça o que for possível para manter o relacionamento.
“- Vamos amor”, lhe chama Angélica.
Entraram no carro e quando saíram da mansão, a arquiteta percebeu que o noivo poderia chorar a qualquer momento, então o ajudou a fazer isso. “-Amor, pode chorar. Isso não é feito. Só faz isso homens de caráter, que tem sentimento e ama o seu semelhante. Eu sei o que significa para ti essa reconciliação com o seu pai”.
Márcio só segurou na mão da noiva e desabou. Foi como se retirasse de seu ombro cinco toneladas de mágoas, uma para cada ano longe do pai. A empresária seguia em silêncio até que ele a agradeceu: “- Obrigado por me amar do jeito que sou. Não consigo ser aquilo que não é da minha essência. Então, sei que tenho uma contribuição nessas nossas confusões. Também preciso crescer para te fazer feliz”.
A arquiteta encostou o carro para que pudessem conversar mais tranquilos. “- Eu sei que você é a pessoa que reúne as condições para me fazer feliz. Penso que se fosse diferente, com certeza não teria me apaixonado por ti, meu neguinho lindo”.
Ficaram mais uns cinco minutos ali se olhando, se beijando e finalmente seguiram em frente, ainda mais porque a chuva começava a aumentar. “- Amor o que vamos fazer amanhã”, perguntou a empresário ao editor.
– Amanhã eu não sei, mas hoje eu estou pensando em algo especial. Mas você ficou de me falar como foi com a sexóloga. Quero saber os detalhes.
– Prefiro não dizer nada. Quero guardar isso comigo, pois o nosso casamento é que será o beneficiado. Só falei para ela como foi a nossa noite e ela me informou que estamos no caminho certo. Para eu me concentrar no presente, mas se o passado insistir em ficar, devo parar e não forçar algo que poderá ser ruim. Isso nós já estamos fazendo amor. E hoje, não queria namorar daquele jeito. Só quero ficar quietinha contigo, sentindo o seu amor. Pode ser?
– Claro que pode amor.
– Não podemos viver às turras só porque uma mulher olhou diferente para ti. Foi como minha mãe disse: muitas querem estar no meu lugar, então é natural te olharem, mas se tu corresponder a paquera, aí sim quebrar o pau contigo e não com elas, porém somente quando estivermos em casa.
Quando chegaram no apartamento da arquiteta, os ponteiros do relógio já apontavam que as onze horas estava prestes a chegar. Angélica foi para o chuveiro e Márcio para o mesmo lugar de sempre. Sentia-se seguro ali e também quando olhava as luzes da cidade que naquela noite estavam meio opacas pela quantidade de água que cai. Pegou do telefone e respondeu todas as mensagens, inclusive as de Fernanda. Ela estava ansiosa para ouvir dele se podia ir adiante. “Querida, amanhã é quinta-feira. Meu casamento é no domingo. Meu pai e meus irmãos devem chegar na sexta-feira. Chame-o para jantar em sua casa amanhã. Vamos eu, Angélica e a irmã dele. Vou convidá-lo para o meu casamento no domingo. Beijos. Tenha uma ótima noite”.
“- Para quem estava mandando beijos”, pergunta Angélica.
– Para a Fernanda. Está ansiosa para se encontrar com Ricardo. Pedi para convidá-lo para jantar com ela amanhã. Eu e você estaremos lá e a irmã dele também.
“- Depois eu quem sou controladora”, disse isso sentando no colo dele.
“- Não sou controlador. Só quero que ela seja feliz do jeito que deseja que eu e você sejamos. Acho que o cara está passando no teste”, disse o jornalista dando um tapa de leve na bunda dela, dizendo que ia tomar um banho e que deveria esperá-lo ali como ele fez.
Quando Márcio volta para a sala, de banho tomado, surpreende Angélica olhando para a janela e lhe pergunta se havia acontecido algo. “- Nada amor. Só queria tentar ver o que enxergas daqui. Porque sempre vem pra cá. Então esse lugar deve ser mágico”.
– Foi desse lugar olhando o Sol pintando o céu de laranja num final de tarde que percebi o tamanho do amor que eu lhe tenho. Não sei se é possível mensurar um sentimento tão singular desses, mas se for, tenho certeza que é do tamanho do universo. Eu queria entender o que minha mãe tinha visto no meu pai. Um cara esquisitão, mas compreendi que ele a deixa em plena paz. O mundo pode estar acabando, eles sabem que estarão protegidos um pelo outro. Foi isso que descobri naquele final de tarde. O astro-rei não pintava o céu com cores laranja, mas estava nos dando a certeza de que amanhã retornaria nos dando vida.
“- E eu te deixo assim, em paz”, perguntou a arquiteta.
Ele a puxou para o sofá, fazendo com que ela sentasse em seu colo e falou com muita franqueza. “- Hoje à tarde naquele bar, eu tentava de todas as formas, acabar com o que sinto por ti. Eu sofro muito quando percebo que não consigo de transmitir confiança, paz. Então achei melhor tentar te esquecer. Desejei que tudo não passasse de um sonho e que eu tinha me equivocado e tu também e desta forma não sofreríamos tanto. Te conheci num domingo chuvoso e mesmo meio a uma forte ressaca pude ver a beleza que emanava de sua alma. Chovia para caramba naquele dia. A noite passada fizemos amor de uma forma harmônica, contemplativa, em que tudo foi uma troca e estava chovendo. Então hoje no boteco queria mesmo te esquecer e fui parar lá porque sabia que nunca me acharia lá.
– Amor! Eu te acharia nem que fosse no inferno. Se eu ficar um dia sem ver o brilho dos seus olhos quando me observa, você pode ter certeza que entrarei em parafuso. Eu só faltei deixar Roberto, Fernanda e Danisa doidos para saber notícias suas e eu tinha certeza de que eles sabiam, mas não iam me dizer para te proteger do meu amor. Ali compreendi o que sua mãe me falou hoje sobre a amizade de vocês três.
“- O que eu faço sem você”, pergunta o jornalista.
– Por que ao invés de me perguntar, você não faz logo. Me ame pelo resto de sua vida e não me deixe com medo de te perder. Ajude-me a afastar esse temor de minha alma.
– Se você e esse seu ciúme deixar, acho que será possível.
Ambos deram risada da observação feita pelo jornalista que aproveitou para convidá-la a dormirem. O dia havia sido estressante e queria se desligar a com ela em seus braços a noite toda e em silêncio escutando o barulho da chuva que pelo segundo dia consecutivo castigava a cidade.
O casal despertou quase que a mesma hora costumeira. Angélica tinha que ir ao seu escritório de arquitetura. Precisava convidar Débora para o jantar da noite entre o irmão dela e Fernanda. Márcio foi ao aparamento de Roberto ajuda-lo nos últimos preparativos para a mudança. Danisa queria ver como a casa nova ficou e pensar nos móveis novos, mas quando chegaram lá foram surpreendidos: a casa estava toda mobiliada.
“- Quem foi o Papai Noel antecipado, senhor Márcio”, perguntou Danisa.
– Não posso falar, se não o presenteado não trabalha comigo em minha editora.
– Meu presente de casamento e coloque aí um dedo de dona Judith. Como vai trabalhar na empresa de minha esposa, então terá salário. Eu aproveitei o adiantamento por trabalhar comigo na editora para mobiliar a sua casa. Gostou Danisa?
– Adorei Marzinho!
– “Marzinho”, estranhou Márcio. “- Você nunca me chamou assim.”
Todos caíram na gargalhada. “- Acho que agora não precisam se preocupar com tantas coisas. Se prepare meu camarada para ter Angélica como chefona. Está fodido com ela. E você mocinha, cuide bem do nosso filhão aí. Foi Roberto quem fez, mas eu sou o segundo pai. Então cuide-se bem comadre.
Assim que terminaram de conversar, Márcio olhou para o relógio e percebeu que estava perto da hora de Angélica sair para almoçar e ir para a sede das empresas da família. “- Amigos, preciso ir. Não combinei nada com Angélica mas quero fazer uma surpresa para ela. Tchau”.
Quando chegou ao escritório, percebeu que a noiva estava nervosa. Perguntou o que era e foi informado de que Rosângela havia ligado ameaçando vender a história delas para uma editora alemã, inclusive contando dos estupros que ela havia sofrido do pai.
– E o que você vai fazer? Colocar ela na cadeia.
– Não posso Márcio. Tem meu irmão e a irmã dela e isso vai afetá-los.
– Posso sugerir uma saída?
– Pode!
– Sabe o apartamento da Alemanha? Então, passe para ela, mas diga que tem que vir assinar a documentação aqui no Brasil. Quando estiver aqui, vamos conversar seriamente com ela.
– Ótima ideia, mas vou pensar mais um pouco. Mas o que faz aqui?
– Te buscar para almoçarmos. Levei Roberto e Danisa para verem como ficou a casa deles. Gostaram da mobília.
– Que mobília? Ah sim. A que você escolheu por conhecer o gosto do amigo.
Márcio percebeu que Angélica estava em outro lugar. “- Querida. Vou dar umas voltas e depois quando estiveres na terra me chame e aí veremos o que fazer”.
Antes de sair, ouviu a noiva ligando para a futura sogra. Angélica conta a história para a mãe que só responde. “- Em dois dias resolveremos tudo isso. Agora se ocupe do seu noivo. Colocarei essa professora no devido lugar dela”.
Angélica ligou para o noivo pedindo para pegá-la no escritório. Ao chegar percebeu que ela não havia mudado em nada. “- Amor estou desesperada. O que vou fazer? Se ela divulgar tudo isso, a minha vida e de minhas empresas virarão um inferno e a sua também. Justamente agora que você se reconciliou com o seu pai”.
– Primeiro: vamos almoçar e depois veremos o que seja possível fazer. Percebi que a ideia de passar o apartamento para ela, seria somente uma forma de estimulá-la a extorquir mais você e sua família, além de atentar contra o seu irmão. Ela deixou claro ser bem diferente da irmã, além de ser vingativa.
Chegaram ao restaurante que Márcio costumava frequentar e, sem perceber, ele repetiu tudo o que sempre fazia. Angélica lhe chamou a atenção, sem que ninguém visse. “- Obrigado. Não tinha percebido o que estava fazendo. Agi assim por anos e vai levar um tempo para eu modificar”
Enquanto almoçavam o celular de Angélica tocou e ela foi atender. Era Eleanora. “- Filha acho que não terá problemas com aquela sua ex. Vou te mandar o que me chegou da Alemanha”, disse a matriarca.
Quando a arquiteta abriu uma das imagens ficou chocada. O garfo caiu de sua mão. “- O que foi amor”, perguntou Márcio. Ela lhe passa o celular com as imagens. A sua ex-esposa participando de orgias num clube privado de Berlim. Eleanora ligou novamente para dizer que todo aquele material tinha sido coletado desde que ela chegara na Europa. Ela até pensou em destruir tudo, mas resolveu guardar e seria útil naquele momento.
Márcio ficou indignado com o que viu, mas optou por não dizer nada. Apenas se ocupou em acalmar a noiva. “- Tudo bem amor. Ficarei bem. Realmente eu não conhecia esse lado de Rosângela e cada vez mais entendo porque me apaixonei perdidamente por ti e o que ela me falou na Alemanha ainda está muito vivo aqui dentro. Afinal eu vivi cinco anos com ela e vai se saber se não fazia isso aqui no Brasil às escondidas”.
Ao terminarem de almoçar, voltaram para o escritório e Angélica foi para a sede do grupo que presidia. “- Márcio. Não sei se tenho cabeça para trabalhar agora a tarde. Vem comigo. Me espere até dar uma organizada nas coisas e ver o que é possível dar andamento sem a minha presença e na segunda-feira eu começo firme, inclusive com Roberto na direção do setor de comunicação”.
– Tudo bem amor, eu te espero na antessala.
– Não! Ficará dentro de minha sala. Os colaboradores precisam começar a se acostumar com sua presença aqui. Você não faz parte da equipe, mas é meu marido e tem trânsito livre em qualquer departamento.
– Está certo amor, mas não virei aqui com essa frequência que você está pensando.
Tudo resolvido, voltaram para casa por volta das 16 horas. Enquanto o casal se dirigia ao apartamento, na Alemanha, Rosângela recebeu umas fotos íntimas suas com a namorada participando de orgias e casas de swing. As legendas estavam em alemão porque foram enviadas para a namorada também. “Pensem bem no que desejam fazer. Nada que uns outdoors se recusariam a aceitar e quanto a senhora professora, o que o reitor de sua universidade acharia disso e o seu desejo de se tornar reitora. Quando quiser brigar, chame gente da sua laia. Aguardo retorno, do contrário, amanhã, no máximo no sábado, Berlim verá o que a respeitável docente faz em suas horas vagas”.
Assim que recebeu a notificação, Rosângela enviou uma mensagem dizendo: “- Esqueça a nossa última conversa. Sem mais”. Apesar do envio da informação, a antropóloga sabia que a coisa não ficaria só nas fotos que recebeu. A partir dali todo cuidado seria pouco.
No começo da noite. Evelyn e Rosângela foram convidas a participarem de um jogo sexual de um dos casais que frequentava o clube privado. O evento seria em um prédio de apartamentos. O casal saiu de casa por volta das 20h e desapareceu, sem deixar notícia alguma.