Sobras de um amor … parte II

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Eleanora se aproximou do filho, que começava a se encolher na cama. “- Meu filho. Eu sei o que eu e teu pai fizemos a ti, mas estou deixando tudo isso no passado. Não arrumarei o nosso ontem, mas me dê uma chance de te ajudar a ser feliz amanhã”. Ao terminar de dizer isso, a matriarca já estava sentada na cama e em prantos, pedia perdão, enquanto Márcio assistia a tudo de pé, próximo a porta, pronto para intervir se precisasse ou sair para não atrapalhar a reconciliação.

– Amadeu! Eu sei onde a Tarsila está! Mesmo que nunca me perdoe, farei todo o esforço para que vocês dois se reencontrem. Talvez um dia, quando souber porque eu e seu pai agimos daquela maneira truculenta, possa pelos menos nos compreender, pois aceitar sei o quanto será difícil para você e sua futura esposa.

Ao ouvir a mãe dizer isso, o poeta foi se soltando, aos poucos. Desfazendo a postura de autodefesa, semelhante ao que fazia quando o pai lhe agredia verbalmente e depois jogando sobre ele os poemas e outras enunciações que escrevia, lhe afirmando que aquilo não servia para nada. “- Não serve para manter nossas empresas funcionando! Você entendeu seu moleque de merda? Quero você cuidando daquilo que levei anos para multiplicar. Agora pegas essas merdas e enfia no cu e vamos comigo para o trabalho”.

Ao se recordar disso, Amadeu fez menção de voltar à posição antiga, mas a mãe foi mais rápida, puxando o filho para um abraço e desabando com ele. Entre choros e soluções, Eleanora disse que se preciso fosse iria à Alemanha trazer Tarsila de volta, nem que fosse amarrada. “-Desculpe-me meu filho por ter colocado o dinheiro, a vaidade, a posição social acima do mais nobre sentimento que você e essa moça desenvolveram um pelo outro. Hoje eu sei que ela está lá te esperando. Eu vou buscá-la para você”.

– Vai mesmo mãe?

– Faremos melhor. Você, juntamente com a sua irmã vão lá e tragam ela de volta.

– O Márcio pode ir junto? Ele é o meu amigo-mosquito que está prestes a cair nas teias da Rainha diaba.

Eleanora olhou para o repórter e entendeu como aquele homem de ações simples conseguiu tirar o filho da sandice. “- Ai dele se não for. A tua irmã acaba com ele. Depois vamos te contar o que ela fez nesses dias”.

O repórter entendeu que não era mais preciso estar ali, saindo, mas, quando virava as costas escutou Eleanora convidando o filho para ficar com ela aquela noite na mansão, enquanto o apartamento dele ficava pronto para que, no futuro ele vivesse com Tarsila.

– Mãe! Será que eu e minha Rainha de Ébano podemos fazer a nossa lua de mel entre as estrelas e as nuvens? Sempre foi o nosso desejo. Ela me dizia que iria até o fim do mundo pelo nosso amor. O Márcio me deu a ideia de escrever cartas e enviar-lhe pelo mar usando garrafas de uísque.

– Filho! Escreva essas cartas e faremos melhor. Você pode entregá-las pessoalmente, vestido de carteiro alemão. Penso que Tarsila adorará. O que você acha?

– Quando será isso mãe?

– Eu e sua irmã estamos resolvendo algumas coisas aqui nas empresas. Você sabe que ela tomará conta de tudo. Depois vai à Alemanha resolver a vida dela com Rosângela. Creio que pode demorar uns 30 dias, mas nesse tempo você pode escrever uma carta por dia, deixando tudo guardado dentro das garrafas que vamos levá-la à Europa.

Márcio não ouviu essa última conversa porque já estava na sala, sendo atacado e coberto de beijos pela arquiteta que não deixava ele falar nada. Sabia que estava errada por conta da briga no clube. Angélica entendia que teria que controlar o ciúme, pois como a mãe lhe disse, o repórter é paciente, mas pode estar chegando ao fim essa paciência. E o que Fernanda lhe disse estava ali falando-lhe ao coração. “- Encontre-lhe a alma e saberá o que poderá dar-lhe de presente”.

A arquiteta empurrou o jornalista para o sofá e pulou em cima dele, beijando-o, mordendo-o e entre lágrimas pedia para não ir embora. “- Vou me controlar. Eu prometo. É que te amar me pegou de surpresa e eu fico com muito medo de que me deixe por conta dessas minhas infantilidades”.

Enquanto o casal estava nos maiores amores no sofá, Eleanora, após conseguir convencer o filho a passar uma noite na mansão com ela, chega à sala abraçada com Amadeu. Os dois surpreendem Márcio e Angélica no maior beijo, como se ambos quisessem se transformar numa única pessoa fundindo as duas almas que se encontraram naquele ato.

Mãe e filho ficaram em silêncio, assistindo a cena, inclusive ouvindo as promessas que um fazia ao outro. Amadeu falou baixinho para Eleanora que cedo ou tarde aquilo iria acontecer. “- Quando Keka está perto dele, a pele dela fica toda ouriçada e os olhos parecem mais verdes do que uma esmeralda. Já peguei os dois dormindo naquele sofá como se fossem namorados que pegam no sono depois de uma sessão de filmes”.

Eleanora diz baixinho para o filho: “- Ajude a sua irmã ser feliz, Amadeu”.

O poeta se sentindo nas nuvens, diz à mãe: “- Mãe! Já imaginou eu com a minha Rainha preta e Angélica com o seu Rei preto, poderíamos dar um xeque-mate nesse racismo brasileiro que tanto atrapalha a felicidade das pessoas”. A matriarca concordou com a cabeça, pois Márcio e Angélica tinham percebido que havia plateia na sala e ficaram sem graça diante da dupla.

– Eu não te falei negão que tu estavas caído de amores pela Rainha diaba.

– Por que não foram lá para o quarto. Fazer essas coisas na frente de todo mundo, não fica bem minha filha. Olha só como você deixou o Márcio.

Ao dizer isso, Eleanora caiu na gargalhada. Não deu tempo de Márcio disfarçar a ereção e nem a arquiteta se arrumar, deixava parte do sutiã aparecendo.

O irmão para sacanear os dois, falou para a mãe. “- Outro dia eu peguei esse aí dormindo na casa da Keka, só de cueca e com a lona levantada”. Ao terminar caiu na risada e a mãe deu um tapa no braço. “- Não seja indiscreto. Olha só como Márcio ficou. Todo encabulado”, afirmou a mãe, dando risadas.

Aproveitou a ocasião para dizer ao trio: “- Os dois vão lá se arrumar e limparem essas bocas que estão com sabor um do outro. Vamos sair para almoçar nós quatro e Amadeu dormirá na mansão comigo hoje. Ai vocês dois podem terminar o que começaram quando chegamos aqui na sala”.

Como dois adolescentes surpreendidos pelos pais em ações pouco aceitáveis pelo conservadorismo, saem de mãos dadas e vão ao quarto dela. “- Fechem a porta para se arrumarem. Mas se eu escutar algo além do que devia, arrombarei a porta e pegarei os dois de cinta”.

– Mãe, depois do almoço eu posso ficar aqui com a Keka e o Márcio escrevendo as cartas e a noite eu vou para a sua casa?

– Faremos melhor. Todos voltaremos para cá. Pode ser assim? E no final do dia sua irmã nos levará para a mansão.

Como maneira de concordar com Eleanora, Amadeu abraçou-a dizendo que estava com saudades do colo dela. Do carinho que ela tinha com ele quando era criança e ele dizia que conversava com as estrelas e elas lhe diziam coisas mágicas.

A matriarca beija o filho com os olhos em lagrimas, lhe dizendo que será mais presente na vida dele e da irmã. “- Vamos voltar a ser a família que éramos meu amor. E quando estiver morando com Tarsila, deixa uma cama lá porque aparecerei para saber se sua musa está cuidando bem de você”, disse Eleanora se sentando com o filho, enquanto Angélica e Márcio se aprontavam para o almoço.

Ao saírem do quarto, Amadeu estranhou a roupa da irmã. “- O que foi isso Keka? Sempre quis andar na estica e agora se veste na maior simplicidade. Vai ter que jogar todas as roupas fora. Márcio, te dou uma ideia. Lembra-se que ela cortou todas as suas peças e colocou no lixo? Agora é a sua vez. Se as vestimentas dela não estiverem ao seu gosto, pique, rasgue tudo. Chumbo trocado não dói”.

Todos caíram na gargalhada e Angélica, passando a mão no rosto de Márcio e sentindo a barba dele que não havia sido feito aquela manhã, apenas disse que a partir dali iria se vestir apenas para o repórter e sabia que ele faria o mesmo por ela.

Amadeu correu até Márcio e o abraçou dizendo: “- Cuidado com a Rainha diaba. Ela já rasgou suas roupas. Então é melhor obedecer. Agora elas são duas: a mãe e a filha. Sinto em te dizer que as teias são duplas agora. Tu não escapas mais, meu amigo”.

Márcio abraçado ao amigo, olhou para as duas e disse: “- Mas quem falou que eu quero escapar dessa teia em formato de coração que pulsa mais que o Universo?”. Ao terminar sua observação, os dois caminharam para o elevador.

– Vamos mãe? Se demorarmos mais um minuto, Amadeu enfarta.

Todos entraram no compartimento e Angélica colou em Márcio. Queria sentir a segurança dele, enquanto via a felicidade do irmão que falava sem parar sobre o que pretendia escrever nas cartas para Tarsila. “- Minha mãe disse que posso entregar as caras pessoalmente, fantasiado de carteiro alemão. Acho que vai amar quando me vir bater na porta da casa dela dizendo: cartas para a senhora Tarsila”. Como se diz isso em Alemão? Ah sei lá. Até chegar o dia eu aprendo.

Do nada Márcio disse: “-Brief an Frau Tarsila”.

Todos ficaram surpresos, principalmente Angélica que o beliscou no braço, dizendo bem baixinho: “- Por que não me falou que sabia essa língua complica do caralho?”

– Por que eu não achei que seria interessante. Aprendi algumas coisas, o suficiente para me virar caso eu fosse um dia para a Europa, mas como já te disse, faz parte de um tempo em que eu achava que certas coisas valiam a pena. Hoje só a Língua Portuguesa me basta. Se eu souber me comunicar bem nela, o resto deixa para depois ou nunca.

Eleanora e Angélica se entreolharam, como a se dizerem, “o homem é diferenciado e não liga para tudo o que sabe”. Quando chegaram na garagem, a matriarca informou que havia chamado os seguranças e Márcio se lembrou de Rodolfo. Não gostaria de se encontrar com ele novamente. “-Mãe, a senhora não pediu para o Rodolfo vir?”

– Por quê?

– Por nada mãe!

A mãe de Angélica fingiu que aceitou a resposta, mas pegou o celular e quis saber os nomes de todos os seguranças que a empresa havia mandado. Rodolfo não estava entre eles. Aquele dia era folga dele.

– Nem tem nenhum Rodolfo lá. Hoje ele está de folga, então, qualquer que seja o motivo, não será aborrecimento em nosso almoço de família.

Eleanora disse isso apertando o ombro de Angélica. A mãe sabia que o garçom-segurança foi contratado para dar apoio à filha no bar para tentar resgatar Amadeu, mas o funcionário não tinha tino para lidar com pessoas. Também soube que andou se engraçando com a arquiteta. Só não o demitiu porque a filha não deixou e depois, por conta do pedido do repórter.

Chegaram ao mesmo restaurante que agora pertencia à família. Escolheram uma mesa que dava para ver boa parte do shopping, inclusive por câmeras instaladas em toda a parte do prédio. Márcio, ao se sentar observou tudo, chamando a atenção de Angélica que ficou atenta.

Enquanto a proprietária se dirigia à gerência, o repórter disse baixinho no ouvido da arquiteta: “- Ontem quando estivemos aqui, eu acho que vi Márcia e o Rodolfo no prédio. Eu estou começando a ficar desconfiado. Você me disse que ela estava rondando o meu apartamento. Ficarei atento!”

– Se essa bandida chegar perto de você, pode ter certeza absoluta que eu a mato com as minhas próprias mãos. Ela que não venha atravessar o meu caminho. Já teve a chance dela e jogou fora. Então que se foda agora e que vá achar outro idiota. Tomara que seja o próprio Rodolfo. Acho que ela gosta mesmo é de troglodita.

Assim que Eleanora voltou, informou que o restaurante fecharia para que pudessem almoçar sossegados e sem ter visitas desagradáveis.  “- Ah já fiz o pedido. Meu caro Márcio, eu sei que você gosta de picanha na pedra. Já está sendo providenciada e para o meu filhão aqui salmão grelhado. Para a minha boneca um peito de frango grelhado e para mim, salpicão de frango”.

Márcio olhou para as duas e quando ia dizer alguma coisa, Amadeu falou por ele: “-Vai se acostumando meu nego, essas mulheres costumam mandar em tudo. Eu te falei: foge da Rainha diaba, mas a aranha raspada dela teve mais poder de persuasão do que sua razão. Agora o seu emocional está todo dominado”.

A proprietária beliscou o filho e deu risadas. “- Tenho certeza de que o nosso amigo aí, sabe que metade do que você falou não é verdade e a outra metade pode ser questionada judicialmente”.

– Eu sei mamãe. Cada toga tem seu preço. Então, Márcio não espere nada da Justiça. Sempre haverá sentenças que tem seus valores estipulados. Basta saber se o réu tem dinheiro para ter uma decisão pró-réu. Senão tiver, arcará com as consequências da letra fria da lei. No Brasil sempre foi assim, desde a Colônia. Portanto, trate de fazer essa minha linda irmãzinha feliz, a mantendo com esses olhos esverdeados como as bundas dos vaga-lumes e nunca perderá o rumo de onde pretende chegar.

Márcio prestou bastante atenção no que Amadeu dizia e respondeu: “-Meu caro amigo poeta, vamos dizer que eu não quero chegar a lugar nenhum. O que eu faço com o brilho desses olhos que me iluminam mais do que uma noite estrelada?”

– Escreva uns versos para ela, transforme-os em num avião e vá passear com a sua amada entre as nuvens, trocando umas ideias com o Todo Poderoso. Peça licença e roube-lhe uns raios e emita-os para a humanidade. Você sabe que os raios são condutores de energia e quem sabe não sejam todas de amor.

– Não sei ao certo se quero que todos saibam o quanto os olhos esmeraldinos são encantadores. Digamos que eu queira ser egoísta, desejando que brilhe só para mim? O que eu posso fazer?

– Ame-a, dividindo com o mundo as consequências dessa paixão esverdeada. É sempre bom dividir com o universo as dadivas que os nossos corações recebem. E se esses encantadores olhos te embriagam de felicidade. Então deixe todos bêbados de amor.

Mãe e filha assistem, silenciosamente a conversa dos dois. Eleanara fala no ouvido de Angélica. “- Agora eu entendo porque Amadeu adora esse moço. Eles são muito parecidos: um é branco e o outro é preto, tirando isso, viajam juntos na mesma embarcação e se encantam com as ondas, por mais bravias que estejam”. “- É mamãe. Só quero ver esses dois perto duma garrafa de uísque. Ninguém poderá com eles”, disse Angélica se dirigindo ao irmão e a Márcio, lhe perguntando onde ela entraria nessas odes.

– Você não entra, você fica e de preferência dentro do meu coração. Tenho certeza de que não precisarei fechar as portas para te aprisionar. Não existem grades para o nosso amor.

– Eita sô! Meu caro repórter evoluiu bastante desde aqueles textos vagabundos que você escrevia e publicava seu jornal. Será que na ocasião lhe faltavam luz ou inspiração ou as duas coisas? Acho que não havia um motivo para você ler entre as estrelas e escrever nas entrelinhas.

– Mãe! O que eu faço com esses dois poetas que mais parecem patetas?

– Ame-os filha. Só isso. Esse aqui dormirá em casa comigo hoje e a exemplo do que fazíamos a tempos atrás, vamos conversar com as estrelas, dedicando verbos em versos para elas. Quanto a você, aí já é contigo. Não quero nem pensar, para não me intrometer em sonhos e desejos alheios.

Assim que Eleanora terminou de falar, o garçom estava próximo e perguntou o que iriam beber, antes de o almoço ser servido. Amadeu pediu o uísque que estava acostumado a tomar, mas foi contido pelo amigo que cochichou no ouvido que era melhor esperar passar um pouco. A bebida poderia atrapalhar na construção textual das cartas.

– Está certo! Suspenda o uísque e traga a mesma coisa que o meu amigo aqui vai beber. Deixarei o uísque para mais tarde.

Todos pediram suco e quando Márcio disse que o dele poderia ser de abacaxi com hortelã, os seus parceiros de comensalidade optaram pelo mesmo. Angélica olha para o jornalista e faz um agradecimento fitando-o com carinho e paixão. “- Acho que Fernanda tem razão. Márcio é singular. Um diamante a ser lapidado pela mulher que souber lhe atingir a alma. Acho que é por isso ele detesta holofotes. Ainda não está pronto para eles e não sei se estará algum dia”.

Enquanto o almoço estava sendo serviço, Amadeu monopolizou Márcio, deixando as duas: mãe e filha com suas conversas e um dos assuntos era o novo guarda-roupa de Angélica, inclusive envolvendo roupas íntimas e como ela deveria se vestir. “- A senhora me ajuda mãe? Eu sempre queria agradar Rosângela. E agora eu não sei como me posicionar”.

– Filha! Se realmente Márcio tornar-se seu companheiro, primeiro, tenho certeza de que não desejará uma mulher submissa e nenhuma mandona. Penso que a quererá feliz, se vestindo sem exageros, transparências e decotes excessivos. Mas antes de tudo isso, se ocupe em resolver a sua situação com a professora. Outra coisa, lembre-se Márcio não é mulher. Não o arraste para um relacionamento em que ambos sofrerão tentando ser o que não são.

– Eu sei mãe e isso me deixa mais confusa ainda. Ele não me disputará com ninguém. Não vai entrar em briga para ficarmos juntos. Márcio tem horror a briga, confusão. Carrega dentro dele uma noite que nunca tem fim por conta disso. Então, não sei como me posicionar. Temo que tudo isso seja apenas fogo de palha e efêmero encantamento.

– Então vá devagar! Controle seu ciúme. Comece por deixá-lo passar um tempo sozinho. Amadeu vai comigo. Aproveite a noite para conversarem sobre vocês. Fale francamente. Explique-lhe esse seu lado que faz com que aprecie mulheres também. Tente entender o que faltou entre vocês duas para que ele surgisse e cuide para que se realmente assumi-lo, essa lacuna não apareça novamente. Esse seu bloqueio em relação ao sexo e a sexualidade. Ele pode te aguardar e te amar, mas não será uma eterna espera. Amanhã cedo, o leve ao apartamento dele. Distantes um do outro, poderão pensar, sentir e compreender tudo isso. Tenho certeza de que ele não vai fugir.

– Obrigado mãe por estar comigo nesse momento importante de minha vida. Sei que preciso amadurecer como mulher, mas sobretudo como pessoa. Hoje eu conversei com uma amiga dele. Precisa ver as coisas que ela me falou dele. No começo eu quis provocá-la, tentando dizer-lhe para não ficar próxima do Márcio. Fernanda me passou muita coisa sobre ele e sobre a vida. Quero muito que dê certo com ele, mas não posso sufocá-lo com o que ainda penso ser amor.

– Filha depois que seu pai faleceu, parecia que o mundo tinha acabado e de fato, tenho que me reiniciar, procurar um espaço para mim nesse mundo. Não levo jeito para tocar os negócios da família. Por isso deixo isso contigo. Seu irmão, nem pensar. Ele é um artista e tem que viver do que gosta e nós darmos, principalmente o respaldo emocional que precisa. Se você se ajustar com Márcio, sei que o Amadeu ficará mais tranquilo e, se Tarsila aceitar me perdoar, acho que tudo pode ter um recomeço. Então nesses dias, fiquei lendo e tem um livro em que o autor diz que “quem quiser conservar um enxame de abelhas no curso desejável se dará melhor cuidando das flores no campo, não adestrando abelhas”*. Então, não tente fazer o Márcio se adaptar a você e nem você se esforçar para se adaptar a ele. Acho que o melhor a fazer é cultivar esse amor que sentes por ele e com certeza, ele jamais te deixará.

Angélica assentiu com a cabeça.

– Conheci pouco a sua esposa, mas desconfio que o que ela sente por você não chega aos pés do que esse rapaz nutre por ti. E por falar nela, chegaram a conversar? Ela não te deu notícia alguma?

– Eu desconfio que deva estar vivendo com outra pessoa. Os seguranças me informaram que a perderam de vista depois que entrou num shopping em Berlim acompanhada de outra mulher. Tempos depois, recebi uma mensagem em forma de texto, dizendo que precisamos conversar e, quando eu marcasse o voo para a Alemanha, avisá-la. Mas eu fiquei tão cega pela fuga do Márcio que não me atentei direito a isso.

– Se ela é sua esposa há cinco anos e está na Europa em trabalho acadêmico, mas te manda mensagem dizendo que precisam conversar e você está aqui no Brasil correndo atrás de outra pessoa, que por sinal é homem, o que acha que está acontecendo? É obvio que o casamento já não existe mais e não se espante se ela já não saiu do Brasil de caso pensado.

– Está certo mãe. Vamos dar uma andada pelo shopping. Assim aproveitamos para a senhora me ajudar a ir pensando num guarda-roupa diferente e liberamos o restaurante para a clientela. Afinal de contas, ele nos pertence e não podemos desperdiçar dinheiro.

Os quatro deixaram o estabelecimento pelo elevador privativo e ficaram andando a esmo pelo prédio. Márcio estava com a sensação de que estavam sendo seguidos. Quando chegaram perto de uma livraria, o repórter propôs entrarem. Ele queria comprar uns livros e assim todos fizeram. Enquanto Márcio passava o olho por uma obra e outra, fitou uma imagem que viu se escondendo atrás de uma marquise. Pediu licença para a arquiteta, dizendo que voltava já, pedindo para ela segurar um livro.

Saiu da livraria sem fazer alvoroço, mas quando estava chegando perto de onde a pessoa estava escondida, ela notou que Márcio se dirigia para onde se encontrava. A mulher saiu apressadamente e o jornalista viu que era a sua ex-noiva. “Filha da puta. Quando estava comigo, me fez passar por corno, frouxo, me humilhou e me ofendeu. Mas não terá chance de se aproximar”, pensou o repórter ao fazer menção de voltar para junto da família de Amadeu, percebeu que Márcia entrou num carro conduzido por um homem.

“- O que foi amor?”, perguntou Angélica, entregando lhe a sacola com o livro dele e um outro embrulhado para presente.

– O que é isso? Não era para comprar o livro. Se bem que estava doido para lê-lp. E esse outro embrulhado?

– Só abre em casa. Vamos embora. Amadeu começou a ficar impaciente. Disse que tem umas ideias para colocar nas cartas e mamãe quer descansar.

– Está certo! Vamos.

Pegados na mão um do outro, foram em direção onde estavam Eleanora e Amadeu. A cena do casal não passou despercebida pelo outro casal que estava no automóvel. Lá dentro, o homem disse a Márcia: “-Já vimos o suficiente. Vamos acabar com tudo isso e ainda embolsarmos uma boa grana. Esse preto receberá o que merece. Me diga uma coisa: o que você viu nele? Um nada, que não quer nada. Um jornalista de quinta. Realmente eu me pergunto o que viram nele? Pois eu me garanto!”

Márcia lhe respondeu: “- É um homem singular. Só não me serve. Eu quero ganhar o mundo e ele escrever umas porcariazinhas num monte de papel que não servirá nem para limpar a bunda. Foi-me útil enquanto eu precisava e será por mais um pouco. Depois quero que ele se foda com toda a sua carolice”.

Assim que Márcia concluiu seu raciocínio, o carro entrou em movimento, indo em direção ao lado contrário que ia a família de Amadeu. Dentro do automóvel, Angélica segurava a mão de Márcio e no banco de trás, o irmão deitado no colo da mãe enquanto ela lhe fazia cafuné e, por ação, o poeta já começava a dormir. A arquiteta cutucou o repórter para mostrar a cena. Eleanora estava com os olhos fechado, fazendo carinho no filho.

– Amor! Obrigado. Nunca imaginei que um dia veria uma cena dessas. Minha mãe e meu irmão numa sinergia maravilhosa. E isso tudo porque fez o que nenhum de nós conseguiu: ser amigo do meu irmão!

*Zygmunt Bauman. A cultura no mundo líquido moderno. Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2013, p. 55.

 

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