17
Márcio foi o primeiro a sair da cama, direto para o chuveiro, enquanto Angélica rolava de um lado a outro como se estivesse procurando algo. Claro que, se naquele momento, um mosquito sobrevoasse aquele quarto de hotel, saberia que a arquiteta queria encontrar o corpo do amigo que já não estava mais lá. Levantou-se tentando entrar no banheiro, mas o repórter, sabendo que ela poderia ter uma ação dessas, tratou de trancar a porta. Restando à amiga se sentar na cama, depois andar pelo quarto, abrir a janela e vislumbrar a noite naquela pequena cidade. “O que se tem para fazer a noite nesse cu de mundo”, pensou a hóspede.
Quando o jornalista saiu do banheiro, ela foi incisiva. “- Até que enfim o boneco saiu do chuveiro. Vai se casar? Espero que seja comigo! Por que trancou a porta? Estava com medo que o atacasse?”, o interpelou Angélica.
– Não é bem medo de você! Mas do que és capaz de fazer e aí não sei se conseguiria me segurar. Então na dúvida, o melhor foi ficar longe. Existem promessas que precisam ser cumpridas e eu quero manter a palavra dada. Principalmente para saber que bicho é esse que me consome por dentro quando estou contigo.
– Quanta verborragia só para dizer que estava com medo de que a cabeça de baixo governasse a de cima. Eita homens! Acho que é por isso que não consigo mais ficar longe de você. Escreve um livro para dizer que quer trepar comigo por amor e não apenas pelo tesão em si. Acho que vai vender e muito.
– Você quer que eu faça o quê? Primeiro eu reservo um quarto numa cidade, crendo estar sozinho e que passarei uma boa temporada nela. Depois de ser seguido por uma esmeraldina mandona que aparece, alterando meu registro sem a minha autorização, mas toma o cuidado de pedir um compartimento com duas camas de solteiro. Interessante. Em seguida, troca as roupas que comprei. Chega, se deita só de camisola na mesma cama que eu.
– O que você queria que eu fizesse? Te dei a minha calcinha de presente. Então tinha que dormir sem. Vem me dizer que não gostou?
– Depois que eu a expulsei do meu leito, ela arrasta a outra cama e cola na em que eu estava, se colando em mim. Se eu não trancasse a porta do banheiro, eu não duvido nada se essa dona esmeraldina não entrasse e partisse para o ataque.
– Nossa amor! Você faz um péssimo juízo de minha pessoa, mas fica perdidamente enluarado pelos meus olhos.
É a primeira vez, desde que se conheceram, que Angélica o chama de amor, não passando despercebido aos dois, contudo, optaram por não dizer nada um para o outro. Queriam saborear esse momento. Diante do silêncio, a arquiteta passou por Márcio, pegando o desprevenido deu lhe um beijo na boca, mordendo o lábio como forma de marcar, por ser o primeiro.
Quando o repórter protestou, ela disse: “- É para você se lembrar que de hoje em diante essa boca linda que tu tens é minha e de mais ninguém. Ah se eu descobrir que esses lábios andaram passeando por outros corpos que não o meu. Já sabe né, meu neguinho delicioso”.
Enquanto esperava Angélica sair do banho, Márcio voltou as camas em seus respectivos lugares. Em seguida, ficou fitando aleatoriamente a rua. Não demorou muito para sentir as mãos da arquiteta envolvendo-o pela cintura. Ao se voltar para ela, não teve tempo de pensar, pois a amiga já foi lhe beijando avidamente querendo encontrar a alma do repórter através de sua língua. Márcio bem que tentou se desvencilhar, mas foi impossível, acabando por se deixar conduzir pelos lábios e encantos daquela sereia de olhos esmeraldinos que tinha mais poder do que a figura mitológica que encantou Ulisses.
Ao perceber que poderia perder o controle, o repórter foi se afastando, perguntando à arquiteta sobre a promessa feita no começo da tarde. “- Continua de pé. Eu não vou transar contigo, mas como vou ter certeza se é amor, se eu não experimentar esses seus divinos lábios?”. Ao dizer isso, voltou ao ataque, beijando novamente o jornalista que se deixou enlevar pelos braços da arquiteta, deslizando suas mãos até a bunda dela, sentindo que ela usava uma calcinha semelhante a que lhe presenteara. Ao sentir as mãos de Márcio em sua roupa intima, a arquiteta lhe perguntou: “-Aí meu neguinho! Gostou?”
“- Adorei! Não vejo a hora de tirá-la com os dentes”, responder Márcio entre os beijos e as mordiscadas que dava nos lábios de Angélica.
– Ainda é cedo! Vamos por partes, sem pular etapas!
Como não tinha pressa, o repórter afastou o corpo dele, perguntou à amiga o que gostaria de fazer naquela noite.
– Por mim, ficaria te beijando a noite inteira. Te sentindo, te amando ou apenas te olhando. Admirando-lhe a alma.
Depois de dizer isso, caiu na gargalhada e Márcio se sentou na poltrona que havia ali próximo a janela. Angélica se aconchegou em seu colo. O repórter tentou segurar a ereção, mas foi impossível, provocando em Angélica uma reação e ao mesmo tempo uma perturbação.
“- Meu deus do céu! Que potência tu tens aí no meio dessas pernas”, disse isso e se levantando logo em seguida, ficando com o olhar longe. Márcio entendeu que se tratava duma reação a algo de sua infância, pré-adolescência não superado. Para não ser indiscreto, ele só disse: “- Quando quiser falar sobre isso, é só me dizer. Vamos procurar um lugar para jantar e tomar uns goles”.
Angélica fitou Márcio pedindo a ele para ter paciência. Propõe que não assumam nada. Nem fiquem juntos, esperem ela resolver as coisas com Rosângela, deixando tudo definido e depois conversem sobre o futuro dos dois juntos. Houve a correspondente aquiescência no olhar e repórter dizendo: “Arrume-se, vamos sair e ficará tudo bem”.
Por ser uma noite agradável e de céu estrelado, o casal resolveu andar pelas ruas nas imediações do prédio onde estavam instalados. Durante o percurso, feito de mãos dadas, dialogavam descontraidamente, claro que não seria possível não chamar a atenção daquela pequena cidade: uma branca de mãos dadas com um negro, dificilmente passaria incólume, entretanto, tanto a arquiteta quanto o repórter estavam ocupados demais consigo mesmos que não havia espaço para se preocuparem com os olhares ao redor.
Foi Márcio quem puxou o assunto da condição dos dois e Angélica respondeu de forma direta, para encerrar a questão: “- Estou com você por coisas que considero mais importantes: princípios éticos, morais e pelo seu caráter. Isso é tudo. O que o restante da humanidade pensa não mudará uma vírgula o que sinto por ti, exceto se você pisar na bola comigo, por exemplo, ficar olhando outras sem mexer um músculo se quer do rosto. Quero eles focados apenas num ponto: em mim”, sentenciou a arquiteta.
– Ah! Você me tem gosto porque falo amém para todas as doidices.
– Vem me dizer que tu não gostas de me atender prontamente?
– Bem!
– Ih! Demorou. Ganhei e posso berrar ao quatro cantos do mundo que estou em companhia de homem singular. Não é perfeito e nem quero que seja, pois não teria graça nenhuma. Ele é todo atrapalhado, medroso, cagão, gago, charmoso e gosta de se vestir como um homem do século passado, usando sempre sapatos que estão pedindo ‘pelo amor de deus, me engraxem’”.
– Nossa! Não sobrou nenhum estoque para eu a divinizar, então falarei daquilo que não gosto em ti. Acho que é melhor assim: mandona, mimada, medrosa e não é dada muito ao diálogo e parte sempre para a briga. Eu sei por conta das porradas já levei e estou me preparando para outras tantas, entretanto, a melhor parte dela fica para o meu coração responder. É ele quem deve dizer como essa galega me tira do sério, me deixa em paz, faz a caixa cardíaca viver em serenidade como se habitasse sempre as estrelas e as nuvens. Ela é capaz de juntar o Sol e a Lua em um único lugar. Não sei como faz isso, mas quando estou com ele, noite e dia são as mesmas coisas. Sei que vem tormentas por aí, mas estaremos juntos debaixo da chuva e depois que o vendaval passar, eu vou cuidar dela com todo o carinho do meu coração e sei que serei amparado pelo se amor.
– Nossa! Longevo, porém, belo.
– Está vendo! Estragou tudo com o seu longevo. Da próxima vez falarei tudo para as estrelas ou deixarei o silêncio dizer por mim ou conversarei através do olhar com a primeira dama que me der atenção.
“- Isso se o meu neguinho aqui estiver vivo né. Por que jamais isso vai acontecer. Tu és meu e de ninguém mais”. Ao término da frase Angélica não resistiu e deu um novo beijo em Márcio que correspondeu sem cerimonias.
– Márcio! Obrigado por ter me entendido naquele momento em que sentei em seu colo!.
– Acalme-se, dona Keka! Aquilo só indicou que ainda não estamos totalmente prontos um para o outro. Contudo, dispostos a romper as barreiras para que tudo fique sereno no seu correto devir. Tentarei não ficar nessa onda de cor de pele, estão olhando porque estou com uma estonteante loura. Vamos construindo tudo juntinho e sorvendo lentamente cada gotícula do que sentimos um pelo outro. Não foi você mesma que me pediu para te ajudar a descobrir o amor que me sentes. Pois então, penso que teremos a eternidade para isso. Também quero descobrir mais sobre essa mandona que me ameaça só porque as mulheres passam diante dos meus olhos. Bom, mas aí não tem como eu não as vê-las.
– Cachorro! Tu és bom de retórica. Guarde-as para seus textos. Comigo quero tudo às claras e nada de metáfora. Eu só tenho uma: olhe para outras e sentirá a força dela.
Ambos caíram na gargalhada e andaram mais um quarteirão e encontraram uma pequena pizzaria. Se entreolharam porque o estabelecimento vendia pizza por quilo, sendo assim o cliente podia montar os próprios pedaços e depois de pesado era levado ao forno. Ali apareceu outra diferença entre os dois que, se não fosse cuidada, poderia virar divergência. Márcio gostava de sabores picantes e Angélica coisas mais leves e como ela quer cuidar do seu amor, quis direcionar os recheios das pizzas do repórter.
– Será que a senhorita deixa eu escolher os meus sabores?
– Claro meu amor, mas não pode ser nada que venha ao longo de sua vida afetar a sua saúde, então, se já comeu carne vermelha hoje no almoço, no jantar nada que lembre proteína de origem animal. Então coloque coisas que não tenha a ver com esses derivados, tipo presunto, bacon e outras coisas mais. Deixe-me montar para você.
– Nem pensar! Eu já estava desejoso para colocar salame, bacon, umas iscas de carne, pimenta, ovo e bastante cebola.
– Sente-se lá e espere! Eu vou montar a minha e depois monto a sua e estamos resolvidos. Não quero ninguém tendo pesadelos a noite. E pega leve na bebida. Quando tu andavas com meu irmão, bebeu tudo o que tinha direito e agora essa licença etílica foi cassada pelo meu amor. Nada de exageros.
Márcio olhou para Angélica e respirou fundo se dirigindo para uma mesa de canto que dava para ver as duas vias em que a pizzaria estava instalada: o cruzamento de uma rua e avenida. Fitando o meio fio ficou pensando: “Essa mulher é doida. Se eu deixar mandará na minha vida. Isso não pode acontecer. Preciso ter atitude. Olha a roupa que estou vestido. Ela trocou as peças que escolhi. Estou parecendo um boneco. Detesto ficar e me sentir assim”.
Enquanto estava com a atenção nas manias e determinismos da arquiteta, passou pela calçada duas moças. Márcio levantou os olhos para vê-las e justamente nesse momento, Angélica chegava com as pizzas. “- Pegue! Leve para as duas. Olha sua cara. De boca aberta por conta daquelas bundas. Elas são melhores que a minha? Espere! Vou chamá-las e pedir para cear conosco. O que acha?”
O repórter olhou assustado para a amiga, quase namorada, quando ia dizer alguma coisa, ela meteu um pedaço de pizza na boca dele. “- E não me venha com gagueira e desculpas esfarrapadas. Eu vi seus olhos comendo aquelas duas bundas. Cachorro! Não tem vergonha nessa cara lavada e barba por fazer. Tem a minha a disposição e fica cobiçando as dos vizinhos. Homem é tudo igual mesmo. Só muda de feições, cores, nomes, mas o instinto é o mesmo”, desabafou Angélica.
Assim que terminou de engolir o pedaço de pizza que Angélica lhe enfiou na boca, Márcio foi enfático: “- Caralho! Eu não estava olhando para bunda nenhuma. Estava pensando em como você é mandona, controladora e, se eu deixar, você vira a minha vida do avesso. Quando levantei os olhos, elas passaram. Não vou dizer que tenho olhos só para você porque eles costumam ser atraídos por outras belezas”, explicou o jornalista dando risadas cujos sons foram abafados por beijos da arquiteta que dizia: “- Deixe-me ver se essa pizza de brócolis fica deliciosa com o sabor de seus lábios”.
Quando pararam de se beijar, a garçonete estava em estava instalada pé, ao lado esperando para trazer as bebidas. Márcio pediu um chope com pouco colarinho e Angélica um refrigerante. Antes de sair, a funcionária fitou Márcio disfarçadamente. Assim que virou as costas, a arquiteta falou direto ao jornalista, mas direcionando o conteúdo para a atendente: “- Se ela te olhar assim novamente, vai engolir a seco todas essas pizzas e levar um banho de chope com refrigerante. Ela que se atreve para ver o que lhe acontece”.
Márcio ficou rindo e acabou levando um bico na canela. “- Isso inclui o senhorito também que fica jogando charme para elas com esse olhar de quem olha não está olhando. Isso é encantador e desarma qualquer defesa. Então. Estou de olhos bem abertos contigo, neguinho”.
Ao terminarem a refeição, Márcio fez menção de se levantar para pagar a conta, mas foi contido pela arquiteta. “- Pode ficar aqui esperando. Pensa que eu não sei que queres jogar um charmezinho para a garçonete. Nem pensar, amor. Eu vou lá e pago”.
Quando chegou ao caixa, olhou para a atendente, entregando-lhe o cartão e já foi dizendo: “- Lindo ele não! Um espetáculo de homem. O que você acha querida?”
– De quem a senhora está falando?
– Ora! Do meu marido ali! Ou você acha que eu não vi quando você conferia a mercadoria inteira. Fique longe.
A garçonete ficou vermelha e tentou se voltar para a direção em que Márcio estava sentado, mas achou melhor não. “Capaz dessa doida querer me espancar aqui. Deixa para lá, mas vai ter sorte assim no inferno. O negão dela é tudo de bom”, pensou a garçonete enquanto entregava o cartão à Angélica.
Assim que se levantou, Márcio fez menção de cumprimentá-la com a cabeça, mas levou um beliscão desferido por Angélica que lhe disse entre os dentes: “- Faça graça novamente para ela e eu lhe quebro o pescoço e depois a cara dela. Está avisado!”
– Cruzes! Que ciumeira danada. Vou perguntar a Rosângela se você tem ciúmes dela desse jeito. Assim não vou poder nem andar na rua e, se conversar com uma mulher, uma fonte e você aparecer, a coisa vai ficar complicada.
– E quem disse que você voltará a trabalhar naquele jornal e conversar com fontes. A sua única fonte de amor sou eu!
Aquela fala de Angélica deixou Márcio preocupado que voltava para o hotel de mãos dadas com a arquiteta, mas já sabendo o que viria pela frente. O devir do relacionamento seria traumático se ele não colocasse regras e limites. Nem assumiram nada e Angélica já estava comando tudo. Ficou em silêncio durante uma boa parte do trajeto, deixando a arquiteta encucada.
– O que foi querido? Algum problema?
– Todos! O que foi aquilo na pizzaria?
– Cuidados de quem começa a descobrir que ama um homem diferenciado e não vai aceitar perdê-lo para ninguém. Nem mesmo se tua ex-noiva aparecer pintada de ouro, levará você de mim.
– Angélica. Combinamos de não assumirmos nada até você resolver a sua situação com Rosângela e saber ao certo o que está acontecendo conosco. E bastou a moça olhar para mim para você fuzilá-la.
– Eu sou assim mesmo Márcio. Se acha que estou asfixiando, pode desistir agora. Não precisamos continuar nada. Até porque não começamos porra nenhuma. Sinta-se livre para correr para os braços daquela puta que te traiu na véspera do casamento e vai saber lá por quanto tempo. Do jeito que você é trouxa, é capaz dela ter vindo transar com você depois de dar para o amante dela. Com ele fazia tudo e com você regulava até mesmo um simples boquete.
Ao dizer isso, Angélica largou a mão de Márcio e saiu andando na frene em prantos. O repórter ficou parado não acreditando no que tinha ouvido e visto o que a arquiteta tinha feito. Respirou fundo e apertou a passada, não queria chamar a atenção de ninguém, mas as condições em que ela estava até mesmo um vaga-lume que sobrevoasse a 200 metros de distância sabia que a mulher se encontrava em prantos.
Conseguiu alcançar a amiga sem muito alarde, abraçando-a por trás, trazendo-a para perto do seu corpo. Sem falar nada virou-a defronte para ele e ficou ali em silêncio.
– Eu sei que você não tem mais estoque para aceitar as minhas desculpas, mas estou alarmada comigo mesma. Estou casada com Rosângela faz cinco anos e estamos juntas a sete e eu nunca tive ciúmes. Estou me desconhecendo. Apavorada e com muito medo de perder você e de algo que eu ainda não sei o que é direito. Tenha paciência comigo querido. Me ajude!
– Tudo bem, amor. O sentimento mais nobre que um ser humano pode ter por outro está te pegando desprevenida. Vamos cuidar disso também. É claro se a senhorita deixar. Não vou entrar no mérito do seu relacionamento com aquela professora. Se fizer isso serei leviano ou querendo prometer coisas para um devir que creio que devemos vivenciar. O que eu vi hoje já dá provas do que teremos pela frente. A única coisa que posso te garantir aqui e agora é que estarei 100% contigo e aguardarei o cessar dessa tempestade que está dentro de ti. Suas coisas são mais complexas do que as minhas e, se desejar mesmo, procure uma terapeuta para lhe ajudar a lidar com tudo isso e as novidades. Agora vamos voltar para o hotel.
– Você me desculpa por aquele vexame na pizzaria?
– Não! Meu estoque acabou, mas o meu coração estará sempre repleto para ti. E se um dia acabar, tenha certeza que as estrelas sempre reporão, portanto, sempre terá um lencinho para enxugar as lágrimas que caem desses olhos esmeraldinos.
Voltaram lentamente andando de mãos dadas até o hotel e de tempos em tempos fitavam as estrelas, enquanto trocavam silenciosamente olhares indicando o devir dos seus corações que aguardavam ansiosos para os vendavais passassem. Mas uma coisa ficou claro para Márcio, controlar os ciúmes dela seria uma das coisas mais complicadas que terá pela frente.
Chegaram ao hotel e quando estavam já dentro do quarto, Márcio despencou na poltrona e Angélica olhou rindo e dizendo: “meu deus do céu amor. É capaz de amanhã cedo você estar com essa poltrona fincada na bunda. Levanta. Vai se arrumar para dormirmos. Quero sair cedinho. Prometi a minha mãe que chegaremos no final da tarde, mas se tivermos sorte podemos almoçar só nós dois naquele restaurante em que estivemos pela primeira vez e, para variar, brigamos. Dona Eleanora vai preparar o jantar para nós. Quero contar a ela as novidades aqui com o meu neguinho lindo”.
– Eu não vou jantar com a sua mãe em hipótese alguma. Ainda não estou pronto para isso. Deixe para outro momento. Assim que chegarmos quero ir direto para o meu apartamento. Estou com saudades de minhas coisas. Quer dizer daquilo que me era pertencido, até uma arquiteta despachar tudo.
– Nada disso! O jantar já foi marcado. Cearemos com ela e depois decidimos o que fazer. Não vou deixar você sozinho aquele apartamento sem que eu tenha uma chave.
– Santo Deus Angélica. Já vi você é capaz de implantar um chip em mim.
Ao dizer isso, Márcio passava ao lado da arquiteta para se higienizar. Ela deu um tapa na bunda dele, falando: “Vou colocar um sintonizador nessa bunda deliciosa, pelo menos saberei por onde ela anda”. Os dois caíram na risada. Enquanto Márcio se banhava, a arquiteta deixou-se ficar jogada ali na cama pensando na cena da pizzaria com ela peitando a garçonete e chamando Márcio de seu marido. Deu gargalhadas por conta de suas loucuras. Nunca tinha sido assim com ninguém, mas bastou o repórter, todo atrapalhado, aparecer para o mundo dela virar de cabeça para baixo.
Ao sair do banho, o jornalista surpreendeu Angélica em outro mundo e a deixou ficar assim pelo tempo que quisesse. Ele permaneceu lá parado, só fitando a arquiteta por pelos menos uns 10 minutos quando fez barulho mexendo com o pé. O som a trouxe de volta ao quarto do hotel. Olhando para ele, a moça perguntou: “- Faz tempo que você está ai parado?”
– O suficiente para ver a beleza da alma que teu corpo deixa transparecer. Onde você estava esse tempo todo?
“- Na cena da pizzaria. Márcio do céu! Que vergonha”. Ao dizer isso, a arquiteta chegou perto do repórter rindo e sentindo o cheiro do banho. “- Mas que negão mais cheiroso. Terei que ficar assim para dormir do lado dele”.
– Quem disse que você dormirá so meu lado? Temos duas camas. Você fica numa e noutra.
– Mas tu és mesmo um empata foda, meu caro. Tinha que quebrar o cristal. Desmancha prazer do inferno.
Ao dizer isso, Angélica entra no banheiro para se higienizar. Quando volta já é outra. Determinada e a mandona de sempre. “- Vamos lá encostar as duas camas.”
– Se fizermos isso, eu durmo naquela poltrona lá.
– Tudo bem. Eu jogo ela e você pela janela aí tu dormes na rua e amanhã responderá judicialmente por danos à propriedade alheia. Você quem sabe.
Quando terminaram de encostar as camas, não deu nem tempo de Márcio respirar. Ela o empurrou e se jogou em cima dele. Ficando assim por alguns segundos, como se faz na luta grega. “- Vá agora para aquela poltrona?”
– Está bem dona esmeraldina. Eu me rendo! Fico aqui com a senhora. Até porque eu sei que não vai me dar sossego aquela poltrona.
– Eu não ouvi. Repete!
– Está bem amor esmeraldino. Eu me rendo!
O casal caiu na risada com o jornalista a abraçando firme, colocando-a de lado na cama. “- Não vou a lugar algum em que você não esteja, minha adorável arquiteta”. Depois do beijo, deixou-se ficar ali pensando em tudo e em nada ao mesmo tempo e Angélica deitada no seu peito escutando as batidas do coração.
“- Obrigado por acalmar meu coração”, disse Márcio a Angélica que agradeceu com um olhar esverdeado que deixou o repórter mais encantado ainda.
– Querido! Hoje eu vi o quanto tu és importante para a minha pessoa e cada vez mais entendo que o meu relacionamento com Rosângela foi um erro!
– Não foi erro algum. Você se casou com ela porque naquele momento achou que era o correto para ti, seu coração e o dela. Creio que pensava da mesma forma, mas a vida seguiu e o destino vai trazendo novas pessoas para o nosso convívio. Só isso. Não fique pensando que foi erro. Se for assim, quererá eliminar todos os momentos felizes que viveu com ela.
Assim que o repórter terminou de falar, Angélica deu um beijo, desta vez, de puro carinho e afeto e os dois ficaram ali em silêncio, enquanto suas almas passeavam pelas estrelas e os corpos iam dormindo lentamente.