Sobras de um amor… parte II

16

 

Naquela noite, Márcio voltou a ser assombrado pelos sonhos em que uma mulher o enforcava com um lingerie, enquanto ele gritava por socorro, a pessoa enfiava sutiãs e calcinhas dentro de sua boca dizendo: “- Engula seu negro safado. Pensa que não sei que está querendo comer a galega. O que ela tem melhor do que eu? Então devore essa e mais essa”. Tudo o que vivenciava no pesadelo, parecia ser real, pois o jornalista começava a berrar, pedindo para ser acudido e sentido dores pelo corpo.

Ao abrir os olhos, se deparou com Angélica, de pé com a cara fechada. “- Posso saber o que o senhorito faz ai no chão?”. Ao ouvir a pergunta, o repórter respira fundo e fala: “- Tentando dormir, mas acabei de ter um pesadelo. Tinha uma mulher me enforcando e me asfixiando com um monte de calcinhas e sutiãs”.

A arquiteta dá uma gargalhada e, entre sorrisos, diz para o amigo: “- Isso é que dar ficar espiando as amigas por cima dos livros quando elas saem do chuveiro usando camisolas transparentes. Quando você vai entender que já viu mais do que deveria do meu corpo e que amigos não trepam. Agora vem para a cama. Ela é bem espaçosa e dá para nós dois, sem que você precise encostar seu pau na minha bunda”.

Márcio ficou sem saber o que falar. “- Meu irmão me disse que surpreendeu você dormindo de cuecas na minha cama e com o pau duro. É verdade? Achei que era viagem dele. Sabe como é, ele está com a cabeça toda revirada, então poderia ter sonhado ou coisa parecida, pois acredita que eu e você temos um interesse mútuo que excede o campo da amizade”.

– Não! Ele não mentiu e agora você sabe porque não vou dormir com você naquela cama. Daqui a pouco amanhecerá e pegaremos a estrada. Logo estaremos cada um na sua casa e eu no meu apartamento. Espero que esteja tudo arrumado. Estou com saudades da minha cama.

– Se tua ex-noiva não arrombou a porta e esteja dormindo lá. Está tudo do jeito que organizei. Espero que a seu contento. Só preciso te dizer que seu guarda-roupas está vazio. Eu tomei a liberdade de jogar tudo fora. Você fugiu só com a roupa do corpo, então pensei que não tinha sentido nenhuma daquelas coisas ficarem lá. Só preservei o seu computador.

– Eu não acredito que fez isso com os meus pertences!

– Tinha coisa lá cheirando a sepulcro. Odor de traça, aromas do século passado. Pensei: “Ele não vai voltar mesmo. Então para que deixar isso aqui. De repente eu alugo o apartamento com mobília e tudo”. Pronto. Já fiz e está feito. Não tem como voltar atrás.

Márcio fechou a cara e virou do lado para dormir, indicando que não queria mais conversar com a arquiteta. A irmã de Amadeu detesta quando lhe fazem isso. Então não pensou duas vezes: puxou a cama improvisada pelo repórter. “- vem dormir na cama e deixa de se retardado. Agora bronqueado comigo é que sua rola não sobe mesmo. Então, não atravessará o samba. Venha logo”.

Quando Márcio se levantou para acompanhá-la, tentou esconder a ereção que perdia potência, mas não sabe se conseguiu, pois Angélica se encaminhava para a cama. Assim que o repórter se ajeitou, quase na beirada, a arquiteta disse: “- Se o que eu vi for real, a mulher que se casar contigo, não vai passar mal. Belo instrumento amigo. Boa noite”.

O repórter foi o primeiro a acordar, aliás, voltar dos cochilos. Não conseguiu se desligar e virava de um lado para o outro e vinha à memória aquela manhã em que ambos acordaram e a arquiteta estava em seus braços. Então, tomou um banho, fitando da janela do quarto o dia amanhecer. Assim que o sol invadiu completamente o quarto, Angélica despertou e se surpreendeu com ele já de pé, tomado banho e vestido. Pronto para irem embora.

– Estava esperando você acordar para tomarmos café e voltarmos para a estrada. Quero entrar ainda hoje no meu apartamento.

Ao terminar de dizer isso, Márcio voltou às costas para a cama e continuou fitando a rua. Enquanto Angélica deixava o leito, mas o repórter não resistiu e rapidamente olhou para a bunda da arquiteta, notando o tamanho da calcinha que ela usava: uma no estilo fio dental da mesma cor da camisola.

Passados vinte minutos que Angélica havia entrado no banheiro para se higienizar, saiu toda produzida e perguntando de bate-pronto para o amigo: “-E ai, minha calcinha foi aprovada pelo seu ligeiro fitar?”. O repórter não respondeu nada. Optou pelo silêncio. Sabia que aquela viagem de retorno seria complicada, pois a irmã de Amadeu zombaria dele o trajeto todo. Sendo assim, o quanto menos falasse, melhor.

Ao terminarem o café, voltaram ao quarto para pegar a pequena bagagem e fazer a higiene bucal. Depois passariam na agência para devolver o automóvel, decidindo se voltariam de avião ou não. Já dentro do veículo, a motorista afirmou. “-Retornaremos de carro. Assim vamos conversando ou não? Mas poderemos falar sobre as cartas de Amadeu e a viagem à Alemanha. O que acha Márcio?”

– A patroa é quem sabe.

– Pegue essa patroa enfia no rabo. Que cara chato você é, hein! Quando quer sabe encher o saco.

Ambos ficaram de cara fechada. Chegaram na agência, a arquiteta escolheu um veículo mais confortável. A estrada era longa. Em mens de meia hora estavam na principal rodovia do Estado. O casal seguia em silêncio. Angélica prestando a atenção na estrada e Márcio com o corpo dentro do carro, mas a cabeça em outro lugar e o coração nas estrelas. Também não sabia como era possível isso acontecer.

– Querido, ache uma estação para nós.

Sem falar absolutamente nada, o repórter sintonizou a primeira que achou, justamente no trecho em que o interprete repetia “… te adoro em tudo, tudo, tudo/quero mais que tudo, tudo, tudo/te amar sem limites/viver uma grande história”. Ambos se fitaram, pois já tinham ouvido a mesma música em outro momento. Em seguida, cada um voltou para o seu universo. Angélica pegou pesado com o repórter ao chamá-lo de chato.

Enquanto a música seguia no aparelho de som do automóvel, Márcio pensava. “Porra! Se sou chato, por que essa doida atravessa o estado para me achar? Por que não me deixou lá no meu canto? Confesso que não entendo as pessoas: sempre quis ficar no meu espaço, no meu mundo, sem incomodar ninguém. Primeiro Márcia me usa para agredir os pais e em seguida me humilhando daquela maneira. Agora fica me procurando. Essa aqui faz loucuras para me localizar e depois me chama de chato! Estou farto”.

Pensando todas essas coisas, acabou adormecendo e não sabe por quando tempo. Quando despertou, sentiu alguém lhe segurando a mão. Ao olhar para o lado viu Angélica que havia parado o automóvel no acostamento e o fitava.

“- O que foi?”, perguntou à motorista.

– Márcio, me desculpe. Não quis te ofender.

– Acho que não tenho mais saco para aguentar as suas grosserias, e depois pede desculpas como se a ofensa não fosse nada. Na próxima cidade, você entra e me deixa lá, por favor. Preciso me valorizar. Já aceitei de mais seus caprichos, suas ameaças, gracejos, me provocando e depois dizendo que é casada, querendo que eu durma na mesma cama, como se eu não te notasse, te desejasse. Acho que para tudo tem um limite. Então, antes que eu reaja, prefiro agir, ficando por aqui. Sei que saberá lidar com o seu irmão da melhor maneira possível. Leve-o para a Alemanha e deixe que ele e Tarsila escolham o que fazer. Se precisarem de dinheiro, ajude-os. Seja madrinha do amor deles.

– E eu, como fico?

– Você ficará bem com Rosângela. Sei que ela possa ter um caráter duvidoso, mas foi a pessoa com quem você conviveu nos últimos cinco anos.

– E você, como ficará?

– Deixe isso comigo. Eu vou me virando. E não precisa depositar mais nenhum valor em minha conta. Com a morte de seu pai, você é quem administra as finanças de sua família. Poupe-a de mais essa despesa. Esquece o Roberto. Entregue a ele esse telefone. Melhor assim.

Com os olhos repletos de lágrimas, Angélica ligou o carro. Trafegou mais uns 70 quilômetros e viu uma bifurcação indicando a entrada para uma cidade. Márcio pediu para ela parar. Precisava descer. “- Quero começar do zero. Chega de ser humilhado. Cansei. Preciso cuidar de mim. Tchau”.

O repórter apeou e seguiu pela estrada, enquanto a arquiteta o viu sumir pela vicinal, seguiu em frente. Não conseguiu prosseguir mais do que 20 quilômetros. Ligou em prantos para a mãe e contou tudo o ocorrido. “- Estou no meio do caminho. Não sei o que fazer. Forcei de mais a barra com ele. Acho que todos têm o seu limite e eu atravessei o dele”.

– Keka não sei o que dizer, mas a única coisa que posso fazer aqui de longe é te perguntar: se fosse eu na sua condição, como diria para eu agir?

– Eu falaria para a senhora contar a verdade e pedir um tempo para arrumar tudo, pois quando ficasse com ele, queria estar inteira, sem divisão alguma.

– Então é isso que deve fazer. Volte, procure-o e diga a verdade. Fale da confusão que está dentro de ti e que precisa dele para te ajudar a equacionar esses sentimentos todos. Não adianta você voltar para cá, deixando o coração pelo caminho. Retorne com isso resolvido. Com Márcio ou sem ele. Não repita os erros do seu pai e o meu. Se ele sente a mesma coisa por você e eu acredito que sim, te entenderá e te ajudará. Mas deixe tudo bem explicado.

– E se ele se recusar? Senti-o muito magoado comigo. Triste. Depois de tudo o que me disse, me coloquei no lugar dele e observei que me aturou muito.

– Bom. Você só vai saber se falar com ele. Do contrário, ficará sempre na dúvida.

– Mãe e ainda tem a sua ex-noiva que está rondando o apartamento dele.

– Querida. Se ela quiser achá-lo, vai encontrá-lo. Então quando isso acontecer, que ele já esteja com você, mas lembre-se: a decisão será sempre dele e de você e de mais ninguém. Eu quis teu pai. Ele me deu tudo, mas não foi capaz de me doar o coração. Eu entendi e aceitei. Poderia ter ido embora, mas compreendi que ele precisava de alguém que soubesse dos seus fantasmas. Agora vá atrás do Márcio, equacione tudo e depois chegue na Alemanha para colocar um ponto final em tudo com a Rosângela.

– Obrigado mãe por me devolver a sobriedade. Vou procurá-lo e resolver tudo. Do contrário, não conseguirei seguir em frente. Beijos. Te amo!

Desligou o telefone. Ligou o carro, trafegando mais uns 10 quilômetros até encontrar uma rotatória e voltar para aquele ponto de onde Márcio partiu como um ser sem eira nem beira em busca do incerto, quando o certo estava com ele dentro do carro, mas por imaturidade, insegurança dela, o jornalista foi embora, sem precisar fugir, mas para não ter a necessidade de reagir.

A arquiteta estava nervosa e se perdeu do local onde o repórter tinha descido. Foi e voltou duas vezes, até que recordou do ponto certo. Enveredou-se pela estrada olhando por todos os lados e nada de avistar o jornalista. Entrou na cidade, procurou por agências bancárias, pois Márcio deveria ter ido a uma de bandeira do seu banco. Achou o local, estacionou e ficou esperando. Do nada, se lembrou de quando localizou o irmão deitado no banco da praça. Se ficasse procurando Amadeu de carro nunca o encontraria.

Desceu do carro e começou a andar pelas ruas centrais daquela pequena cidade. “Onde pode ter se metido aquele filho da puta?”, perguntou para si mesma. Ao descer uma rua, viu quando o repórter comprava um jornal numa banca de revistas, conversando com o proprietário. Observou quando o homem lhe apontou com o dedo um prédio. Angélica olhou, vendo que era um hotel. Ficou sem saber como agir. Não podia correr, mas teria que ficar atenta às ações dele.

Viu Márcio entrando no prédio. Ficou um tempo e depois saiu. Seguiu-o de longe, mas ligada nas ações dele. O jornalista adentrou numa loja de roupas. Não ficou muito tempo, porém o suficiente para sair com dois embrulhos. A arquiteta presumiu que seriam roupas. Ele havia deixado as suas no hotel da outra cidade. Começou a se aproximar um pouco mais rápido, vendo quando o repórter ingressou numa espécie de bar que servia refeições.

Assim que ele se sentou, foi atendido. Angélica entrou e ocupou o assento do lado do amigo, dizendo ao garçom. “- Eu quero o mesmo que ele vai comer e me traga duas cervejas alemãs daquela ali do cartaz”. O repórter fez menção de se levantar, mas foi seguro por ela e o atendente se afastou. “- Não vá embora, por favor, preciso falar com você.”

– Pensei que tivesse lhe dito tudo no carro. Não tenho mais estoque de paciência para aceitar seus pedidos de desculpas. Por favor. Assim que terminar a sua refeição, volte pelo mesmo caminho que chegou aqui. Preciso colocar a minha vida em ordem, mas com você me perseguindo, eu não consigo se quer respirar.

Angélica pensou, pensou e quando ia dizer algo, o garçom chegou com as cervejas que havia pedido, informando que a comida já seria servida aos dois. “- Obrigado, meu caro”, disse-lhe o repórter.

– Minha cara. Acho que não temos mais nada para conversar. Assim que terminar o seu almoço, siga o seu caminho. Você é bela, linda, tem dinheiro e pode ter o mundo, o homem e a mulher que desejar. Mas eu não estou nessa lista. Não estou disponível. Sou e quero continuar sendo anônimo. Olha só! Gostei desta cidade aqui e estou pensando em ficar por aqui um tempo. Vou procurar trabalho e me misturar a essa gente simples e sem neuroses.

– Márcio! Não torne as coisas mais difíceis para mim.

– Difícil por quê? Você tem dinheiro e todos à sua disposição. Faz e desfaz, ofende, brinca com todo mundo e depois joga fora como um brinquedo usado, sem vida. Não nasci para ser brinquedo de dondoca histérica. Talvez a Rosângela possa ser ou ter espírito para isso, porque é uma carreirista e quer chegar ao topo da pirâmide social. Eu não! Quero continuar usando minhas roupas do século passado, meus sapatos que pedem graxa. Ninguém vai me olhar mesmo. Então, fico bem assim. Sem os holofotes.

– Caralho Márcio! Olhe para mim, por favor!

Quando Angélica disse isso, o pessoal que estava nas mesas próximas, fitou o casal. Como o repórter detesta ser o centro das atenções, sem voltar a face para a arquiteta, lhe disse apenas: “- Assim que terminarmos o almoço, conversaremos em outro lugar. Aqui não quero falar contigo. Está cheio de gente e já estão nos espiando”.

Assim que terminou de falar, o garçom chegou com os pratos. Comeram em silêncio. Márcio pediu uma dose de uísque sem gelo e Angélica quis outra cerveja. Terminaram e quando o repórter foi pagar, a sua acompanhante passou o cartão para o atendente. O jornalista fechou a cara e não falou mais nada. Deixaram o estabelecimento completamente mudos, caminhando para a rua onde a arquiteta deixou o carro estacionado.

Ela sugeriu tomarem um sorvete. Márcio apenas anuiu com a cabeça e entraram numa sorveteria que parecia ser a melhor da cidade, em seus diversos aspectos. Quando já estavam sentados, a funcionária veio rapidinho com um cardápio. Angélica olhou para a moça e perguntou onde tinha um banheiro. A atendente indicou e a arquiteta cochichou com ela e ambas foram perto do balcão e arquiteta recebeu um pequeno saquinho plástico. Entrou no compartimento, ficando lá um certo tempo.

Quando retornou, Márcio olhou para ela e perguntou: “- Pronto?”. Angélica tomou o assento do seu lado, lhe passado o saquinho plástico, dizendo bem baixinho no ouvido dele: “- A calcinha que eu usei por baixo daquela camisola da cor dos meus olhos está aí dentro desse pequeno pacote para você. É o meu presente e um pedindo sincero de perdão. Será que você pode me deixar falar. Preciso dizer agora. Depois você pode me mandar para o meio do inferno, se quiser”.

Antes que pudesse dizer alguma coisa, a garçonete perguntou se já tinham escolhido os sorvetes. O repórter quis chocolate com conhaque, brigadeiro e um pouco de morango e Angélica seguiu Márcio em seu pedido. A atendente se afastou e a arquiteta desembuchou.

– Querido! Não sei o que está acontecendo comigo. Não consigo ficar longe de você. Como diz naquela música, você é meu Sol, minha Lua, minhas estrelas. Fica comigo na chuva, no gelo, na tempestade, na cabana, no castelo. Estou com medo que isso seja amor. Eu nunca me apaixonei por um homem antes. Acho que essa é a primeira vez e por isso que te provoco, brigo contigo. Eu não sei como fazer essas coisas, não sei dizer o que me vai n’alma como meu irmão consegue escrever e desejar viver com a Tarsila entre as nuvens. Só sei dizer que fico perturbada quanto estou em sua companhia. Sabe! Você é a minha paz. Me ajude a ter você comigo para sempre. É possível? Se não for, fique aqui nesta cidade e com a minha calcinha.

– Você é casada e ainda por cima com uma mulher. Tua família é racista para caralho. Eu apenas quero viver no anonimato. Sempre foi assim. Não sei ser diferente. Mas se disser que não estou bagunçado aqui dentro, estaria mentido. Também não sei como resolver essa confusão toda. Foi por isso que desapareci. Mas você me achou. E a tormenta continua, sem eu saber como dar vasão a isso. Achei que longe poderia pensar melhor, mas tem umas esmeraldinas me perseguindo o tempo todo.

– Eu sei disso tudo querido. Sei a confusão que provoco dentro de ti, como você faz comigo. Quando estou longe, é como se estivesse em completa trovoada e cheia de raios que se espalham para todos os lados. O dia que descrevi para a minha mãe o jeito que me olhou naquela noite em seu apartamento, me deixando completamente nua, pude perceber o quanto você é especial. Eu falei para ela que a mulher que se casar contigo será muito feliz, mas no meu intimo eu desejava ser essa mulher. Se brigo contigo é por não saber lidar com esse vulcão que está aqui dentro prestes a entrar em erupção. Eu tento não o deixar descer para onde quero que você toque. Mas está muito difícil.

– Foi por isso que você voltou? Para me dizer tudo isso, mas que vai continuar casada com Rosângela? Então pode pegar o caminho de volta. Se quiser, te devolvo a sua calcinha.

– Deixa de ser bobo. A calcinha é sua. Retornei porque não quero te perder, mas também para te pedir um tempo até eu resolver tudo isso. Preciso de sua ajuda. Nunca fui apaixonada por um homem. Creio que tenho travas por conta da forma como se deu minha iniciação sexual. Procurarei uma psicóloga, mas sozinha, ou melhor, sem você, não vou conseguir. Só não me cobre nada. Me deixe curtir essa coisa que está aqui dentro do coração. Não me deixe ter medo de descobrir que te amo. Não quero ficar contigo, não quero ir para a cama até ter certeza absoluta que o que sentido não é apenas uma impressão que estou tendo. Será que é te pedir muito? Se for, eu vou embora e te deixo em paz. Mas preciso que me diga agora.

– Dona dos esmeraldinos olhos tentadores, você me tira a cueca sem abaixar minhas calças. Eu sei que se não aceitar desta forma, vou me arrepender amanhã e o futuro todo. Mas também sei que se aceitar, terei que ter paciência e não deixar que queira mandar em minha vida. Mas creio que podemos chegar a um meio termo: eu volto para o meu apartamento. Não passarei mais uma noite em sua casa. E você não ficará com nenhuma chave do meu mocó.

– Ah não! Isso nem pensar.

Enquanto terminavam de tomar seus respectivos sorvetes, Márcio olhou para a amiga e quem sabe futura esposa, percebendo que seria uma longa jornada até que tudo terminasse. Angélica já propunha algo, mas deveria ser sempre do jeito dela. Para não ficarem discutindo sobre coisas que estavam por vir, no devir do casal, o repórter resolveu contornar a problemática. “- Façamos o seguinte: decidiremos assim que encerramos essa viagem!”

– Isso significa que não vai me deixar e aguardará as coisas se encaixarem direito aqui dentro da minha cabeça e coração?

– Sim, dona Keka!

– Se eu te pegar olhando para outras como me despiu naquela noite em seu apartamento, se prepare: o pau vai quebrar e você ficará sem o seu delicioso brinquedo que eu ainda não cheguei a provar.

Terminaram o sorvete. Márcio pegou os pacotes e já ia se despedindo de Angélica, dizendo que ficaria mais uns dois dias na cidade e depois seguira viagem. “- Nem pensar. Não deixo você aqui sozinho nem que o bispo me obrigue. Depois do jeito que eu vi essas mulheres olhando para você. Se tu ficas, eu também. E quero passar os olhos nessas roupas que comprou. Como não experimentou, dá tempo de trocá-las se eu não gostar.

O repórter respirou fundo, mas fazer o quê, aqueles olhos esverdeados lhe tiravam o chão, o ar, o céu, o sol e reconstruía tudo com cores nunca observadas no plano material. “- Bom. Eu me hospedei num hotel, pensando em dormir a tarde toda. Fiquei a noite passada em claro”, explicou Márcio à arquiteta.

– Eu sei! Eu vi quando entrou no prédio, aliás, te segui desde que comprou o jornal na banca, conversou com o proprietário e ele mostrou o hotel onde fez as reservas.

– Como reservas. Eu fiz só para mim.

– Assim que você saiu eu entrei lá e alterei a reserva, mas pode ficar tranquilo. Eu pedi duas camas de solteiro. Não saio daqui sem você de jeito nenhum. Agora vamos. Quero ver essas roupas e se precisar vou trocá-las.

Márcio olhou para Angélica. Lembrou que ela estava sem calcinha e isso provocou um certo riso a partir de sua alma. “- Vamos Márcio, preciso voltar para o hotel”, disse a arquiteta chegando perto do seu ouvido e falando baixinho. “- Não aguento ficar muito tempo sem calcinha e vestida com essa calça”.

Ao deixarem a sorveteria, o casal estava abraçado como se fossem esposos, mesmo não o sendo, mas o coração de Angélica começava a ficar em paz. Assim que chegasse ao hotel, ligaria para a mãe informando que seguiriam viagem no dia seguinte devendo estar em casa no final da tarde e queria que ela preparasse o jantar para os três.

Quando chegaram no hotel, foram para o quarto e, e fato, haviam duas camas de solteiro. Márcio tomaria um banho para experimentar as roupas e depois dormir. A arquiteta não deixou. “- Primeiro quero ver essas roupas”. Dizendo isso já foi abrindo os embrulhos e dizendo: “- feia, horrível. Essa aqui a cor não combina com você e nem com as cores dos meus olhos. Todas são horríveis. E essas duas calças? Coisa de quem parou no tempo. Espere aqui que eu já volto”.

Enquanto a arquiteta saiu para trocar as peças, Márcio tomou banho, pegou uma cueca limpa dentro da bolsa. Vestiu-se e se deitou. Desligou-se completamente. Quando acordou, percebeu que o espaço na cama está curto. Olhou e viu Angélica agarrada a ele. “- Escuta aqui. Não pegamos duas camas para que cada um ficasse numa. O que está fazendo aqui na minha?”.

– Não gostou? Tudo bem! Eu vou para a outra cama.

Angélica se levantou e o jornalista percebeu que ela estava vestida apenas com a camisola da noite anterior. Virou do lado ao começar a dormir, escutou barulho de móveis sendo arrastados. Era a arquiteta empurrando a cama para ficar colada na dele. Márcio viu e deu risadas, dizendo para si mesmo: “Melhor deixar para lá”. Só sentiu o corpo quente dela encostando no seu. Os dois dormiram a tarde toda. Acordando perto das 19h e do mesmo jeito da primeira noite em que Márcio dormiu na cama com ela no apartamento.

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