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Ao deixar o prédio, Márcio achava que daria tempo de chegar ao restaurante antes do horário marcado, mas ao olhar as horas no visor do celular percebeu que a pé não conseguiria. Então pediu, pelo aplicativo um taxi que chegou em cinco minutos. Ao passar o endereço ao taxista pediu que seguisse por uma via sem muito tráfego, no que foi atendido. Chegou ao shopping center mais cedo o que imaginava.
Para não parecer afoito, resolveu entrar numa livraria que havia no primeiro andar, mais para passar o tempo do que realmente para comprar alguma coisa, porém, ao passar os olhos por alguns livros, escolheu um de crônicas, abrindo aleatoriamente numa página onde leu:
“Desisti dos diálogos. Não é possível falar com alguém sobre cinema norueguês quando todo mundo quer falar do mundo em chamas resultantes das práticas nefastas que o próprio homem conduziu durante muitos decênios. Não quero falar de filosofia, quando o ser humano está apenas concentrado em suas conquistas materiais. Eu não tenho nada de nada. Tenho a certeza de que nem mesmo o corpo me pertence. Sendo assim, por que trocar palavras com os humanos todos recheados de certezas construídas sempre a partir de um atroz achismo?”
Foi como amor à primeira vista. Dirigiu-se até o caixa pagou pelo livro e foi até o elevador para chegar no andar em que ficava o restaurante. Na rápida subida até o segundo andar, o repórter ficou pensando no trecho que havia lido e sentiu-se apreensivo para ler mais. “Assim que chegar em casa, começo por aquele texto”, pensou o jornalista, crendo que de alguma forma poderia usá-lo na matéria que desejava escrever sobre a vida atabalhoada de Amadeu. Lembrou-se da mensagem que recebeu antes de deixar o jornal. “Não posso esquecer. Ele disse que tem novidades”.
Deixou o elevador e se dirigiu à porta do restaurante. Ao chegar, o funcionário perguntou se ele tinha feito reservas. “ – Não fiz reserva alguma. Aliás eu nem sabia que precisava fazer isso. Eu sou convidado de dona Angélica Maria Augusta…”.
Antes mesmo de concluir o sobrenome, o garçom informou que ela ainda não havia chegado, mas que ele poderia esperá-la no American bar. “ – Se o senhor quiser beber alguma coisa, enquanto espera, fique à vontade, depois a conta será acrescida no valor final”.
– Obrigado, senhor!
Ao chegar no American Bar, Márcio sentou-se e pediu um uísque.
– O senhor prefere nacional ou importado?
– Pode ser importado.
– Escocês ou americano?
– Tem diferença?
– Para o pessoal que costuma frequentar nosso estabelecimento, tem. Então, o que o senhor vai querer?
– Pode ser americano mesmo. Vocês têm aí água de coco?
– Temos sim.
– Então um uísque e uma água de coco.
– Perfeitamente senhor!
Assim que o barman deixou o uísque e a água, Márcio misturou os dois líquidos, experimentou para sentir se estava a contento e, em seguida, abriu o livro na crônica que havia lido um trecho ainda na livraria. Mas não deu nem tempo de iniciar a leitura, pois escutou uma voz que lhe vinha pelas costas.
– O senhor é bem pontual, seu Márcio!
Ele virou de repente e viu Angélica de pé, vestida num macacão azul. Estava radiante. Márcio não pode deixar de notar. Tentou disfarçar a surpresa que a beleza da mulher lhe causara. Não sabe se conseguiu, já que Angélica foi logo o chamando para a mesa, onde poderiam conversar com mais privacidade.
Ela, toda altiva foi na frente, enquanto Márcio a seguia olhando todos os detalhes da sua companhia de almoço. Ela parecia ser mais alta que ele, mas atribuiu isso ao fato dela estar usando sapato de salto, semelhante ao que vira certa vez na vitrine duma loja. O objeto lhe chamou a atenção não pelo formato, mas pelo preço: R$ 1mil. A cifra lhe veio à mente naquele momento. “Se uma mulher é capaz de pagar um valor desses num simples par de sapato, é por que tem muito dinheiro. Não estou à altura dela. Melhor ficar com o meu apartamentozinho”, pensou o repórter.
Ao se sentarem à mesa, o garçom chegou com o copo de uísque que Márcio estava tomando mais a água de coco. “ – O que a senhora vai beber?”, perguntou-lhe o atendente.
– Ainda não sei, mas fique à vontade. Quando eu estiver decidida, eu lhe chamo, meu senhor.
– Perfeitamente, senhora.
Diante do que Angélica disse ao garçom, o seu acompanhante tentou justificar porque bebia uísque e só viu o sinal da arquiteta, como querendo dizer que não precisava justificar nada.