Sobras de um amor…

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“Ta… do quê? Ah! Deixa pra lá! Não vai adiantar ficar quebrando a cabeça! O jeito é torcer para ele se lembrar do nome inteiro”, pensou o repórter ainda com o bilhete nas mãos. “Parece que terei que juntar as peças que estão soltas: primeiro a mensagem no e-mail sem que eu conseguisse enviar um comentário ao remetente e agora esse bilhete. Tem alguma coisa aí, mas não consigo descobrir o que é! Droga!”, exclamou Márcio em pensamento que já começava a emitir sinais de cansaço com aquela matéria.

Mas como um cão farejador, disse a si mesmo como uma contraordem, “não vou desistir. No final deve haver algo de precioso nesse assunto”. Ainda sentado à mesa, deu espiada no relógio, viu que era cedo para pedir, “mas que mal havia em tomar uma cerveja? Talvez a bebida o ajudasse a montar aquele quebra-cabeça que parecia sem pé nem cabeça, com peças soltas para todos os lados”, pensou o empedernindo repórter.

– Por favor, uma cerveja.

Ao ouvir o pedido, Rodolfo, que segurava uma vassoura antes de olhar para o jornalista, passou a vista pelo relógio. “Esse cara vai começar a beber logo cedo! Daqui a pouco estará dando vexame aqui! Por mim, tudo bem, desde que pague a conta!”, confabulou consigo mesmo, se dirigindo à geladeira, retirando de lá uma cerveja com a marca que Márcio sempre tomava.

– Está aqui o seu pedido! E a propósito o nome dela é Tarsila. Nunca a tinha visto aqui no bar e nem nas redondezas.

Enquanto enchia o copo com a bebida espumosa, Márcio fez aquela cara de atônito com a informação recebida. – O que mais tem a me dizer? Como é ela? Como estava vestida? Fale-me mais sobre esta pessoa.

Rodolfo olhou para o jornalista e disse rispidamente. – Sou apenas um garçom e nada mais! Não sou pago pra ficar reparando nas pessoas que entram ou saem daqui. Se são bonitas, feias, brancas, pretas, homens, mulher, bichas, sapatas. Isso não é problema meu!

– Calma, amigo! Não precisa ser grosseiro deste jeito. Só lhe fiz uma pergunta, então era só responder: “não reparei nela!”.

– Ela era o que se pode chamar de falsa-magra, daquelas que de longe parece um palito, mas quando chega perto, você percebe que é de fato um mulherão. Usava cabelo descolorido e jeans e camiseta surrada e um tênis todo fodido, se é que o senhor me entende.

– De qualquer forma, obrigado!

Márcio devorou o resto da cerveja que estava no copo, enchendo-o novamente quando se assustou com um envelope que foi jogado em sua direção. Olhou de onde vinha e viu Amadeu dando risadas com um semblante indicando que já havia ingerido bebida alcóolica aquela manhã e mais uma dose já estaria embriagado.

– Porra Amadeu! Você me assustou! Quer me matar do coração? O que faz aqui tão cedo e…

– Ora doutor! Todo curioso tem que estar atento ao que aconteceu ao seu redor. Então achei que o senhor estaria ligado a tudo o que acontece nesse boteco que serve comida e cachaça aos seus fregueses?

Márcio olhou para Amadeu com aquele ar de incrédulo, meneando a cabeça, lhe perguntou: “-O que é isso que jogou em mim?”

– Ora meu caro amigo, é uma carta que mandaram te entregar, mas o remetente pediu para eu te avisar que não é para abri-la na minha frente e sim quando estiver em sua casa, bêbado ou não, ressacado, cagado, mijado, vomitado. Não importa a sua condição física e etílica.

Ao término do recado, Amadeu sentou-se à mesa junto com o jornalista e já pediu a sua garrafa, no que foi prontamente atendido pelo garçom que fez aquela careta indicativa de que aquela manhã seria de lascar. “Um repórter a caminho do alcoolismo – se não estiver lá – e um doido que parece jamais ter ficado um dia sequer sóbrio”, pensou Rodolfo.

– Quem mandou você me entregar isso, Amadeu?

– Uma dona que encontrei ali na esquina. Ela estava toda agitada, nervosa, com cara de quem havia comido alguma estragada e estava prestes a ter uma cólica intestinal e sem banheiro para se aliviar. Coisa de gente doida mesmo!

– Como era ela?

– Porra! Eu lá vou saber, só fiz um favor a ela e a você! Quer saber mais, procure-a na lista telefônica ou coloque um rastreador eletrônico na bunda dela ou em qualquer outro lugar que ela deixar e o senhor quiser!

Antes de dizer alguma coisa, Márcio olhou bem dentro dos olhos de Amadeu e percebeu que ele não estava em seu juízo normal. Portanto, melhor era acabar aquela cerveja e ir embora, para não se aborrecer e nem brigar com a única fonte de sua história.

O repórter sorveu de uma vez só o líquido do copo e quando ia se levantar para deixar o local, Amadeu colocou a mão em seu braço, dizendo-lhe:

– Doutor, espere, tenho uma coisa para lhe segredar, mas só conto se o moço prometer não dizer uma só palavra a ninguém e nem escrever nada naquele seu jornaleco mequetrefe que só serve para forrar gaiola de papagaio que passará dias a fio a repetir o que está estampado naquelas páginas abjetas.

– Prometo! Pode dizer.

– Então pegue outra garrafa, essa é por minha conta! Não consigo conversar sem que o meu ouvinte este bebendo comigo.

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