Sobras de um amor…

27

 

         Assim que Rodolfo colocou outra garrafa sobre a mesa, Amadeu começou a falar sem parar e coisas que não havia conexão nenhuma. Olha de um lado para o outro, enquanto dissertava sobre um tema qualquer, como daquela personagem que atravessou o canal da Mancha a nado.

– O senhor acredita mesmo que um velhote teria físico e disposição para aquela travessia? Eu não acredito! Como não estava lá e não vi, então tudo me parece matéria e história para vender jornais e enganar o cidadão que gosta de viajar nessas reportagens!

– Do que você está falando, Amadeu? Não estou entendendo nada!

– Faz o seguinte, esquece o que eu disse inicialmente e tome mais um trago. Quem sabe seu juízo acabe se casando com o seu cerebelo que anda enferrujado precisando duma pereca para te fazer homem!

– Amadeu, se for para você ficar me ofendendo ou dizendo coisas com duplo sentido, vou me retirar desta mesa!

– Nossa o doutorzinho ficou nervoso! Esse não é o jeito correto de tratar a sua única fonte, justamente no momento em que ela está para lhe revelar toda a verdade! Se é que há verdade a ser dita ou descoberta, mas de qualquer forma, sua mente obtusa de jornalista acredita que eu possa ser detentor de sua glória futura. Esquece! Vou embora! Não quero mais conversar com gente autoritária que não sabe dialogar e entender uma piadinha à toa.

– Fiquei aí! Desculpe-me pela minha intransigência, mas é que estou querendo saber muito sobre essa sua história, mas você fica dando voltas e enchendo a cara sem que eu possa compreender alguma coisa.

Enchendo o copo de seu interlocutor, Amadeu olhou-o bem no fundo dos seus olhos e soltou uma verdade em tom de pergunta: “-Você já foi apaixonado alguma vez na vida, meu caro repórter?”

– Já! Respondeu Márcio.

Amadeu levou o seu copo de uma vez à boca, sorvendo todo o líquido e soltando uma enorme gargalhada, daquelas que faz eco até no banheiro do boteco. Assim que passou o acesso de risos, pegou no braço do jornalista e disse.

– Daquelas paixões que faz você ficar sentado no banco da praça esperando ela passar só para sentir o aroma que o vento traz do corpo dela, imaginando como a sua calcinha lhe cabe bem naquele par de bunda dos deuses, de fazer Odisseu arrebentar as amarras e se atirar no oceano em busca daquela, cujo canto o encanta tanto, fazendo-o duvidar das súplicas lançadas pelos deuses?

– Do que você está falando Amadeu?

– Logo se vê que o moço nunca se apaixonou. Pode ter brincado de amar, mas sem nunca realmente ter vivenciado o verdadeiro sentimento. Pode até ter comido umas mulheres ou transado com homens, mas nunca ter trocados os fluidos que emanam d’alma. Por isso que acho que as informações que você busca, ainda não estão ao seu alcance. Talvez por isso que os seus porres são cheios de ressaca no dia seguinte. Bebe-se muito, ama-se pouco e quando for tentar se masturbar, até o seu pau pede divórcio da sua mão.

Fazendo cara de espanto diante da cusparada que levou de sua fonte, daquele que supostamente tinha uma história escondida e que deveria ser revelada em uma reportagem jornalística, o repórter ficou atônico feito mosquito quando é aprisionado pelas teias de aranha e espera ser devorado por ela. “Que história é essa de pau pedir divórcio para as mãos?”, pensou o jornalista diante da constatação feita pelo seu interlocutor sem ele lhe ter dito nada.

– E olha só: quando a mão não quer mais saber do pinto ou vice-versa, só resta mesmo a boca da garrafa. Diz ai quem foi o seu último amor? Qual mulher ou homem te deixou pelado no meio da praça central da cidade e mandou você comer o cu com o próprio pau?

“Ah não! Isso não!”, pensou Márcio e quando ia abrir a boca para dizer poucas e boas ao Amadeu, este completou a porrada na boca do estômago.

– Se tu tivesses uma mulher, ou uma amada para chamar de sua, não ficaria dia e noite me procurando, querendo saber mais da minha vida e da minha história, pois teria a sua própria para contar. Todo mundo que vive bisbilhotando a vida alheia é porque não tem uma existência para chamar de sua. E acho, meu velho, que é esta sua porcaria de vida que faz você ficar me enchouriçando aqui e ali, recebendo cartinhas. Portanto, meu chapa, bebe logo e chapa, fique bebaço e vamos falar de coisas mais interessantes: as mulheres por exemplo, elas são maravilhosas, mas nós homens estamos perdendo elas para outras delas. Não é louco a coisa?

Descrente diante do que ouviu, o jornalista não teve outra alternativa a não ser a de olhar para o copo em cima da mesma, levá-lo até a boca e beber de um gole só todo o conteúdo. Batendo o copo na mesa, o encheu novamente e agora com mais calma, bebia com serenidade como se cada gota que preenchia o vazio do copo fosse as palavras que Amadeu escarrara em sua cara.

Ao término da garrafa, absorto em seus pensamentos, Márcio só levantou a mão para Rodolfo pedindo outra e quando se lembrou que tinha a companhia de Amadeu, levou os olhos para onde ele estaria, mas não viu mais nada. A sua fonte tinha desaparecido, o deixando com aquele gosto amargo de carqueja na boca.

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