Sobras de um amor…

22

 

Enquanto Amadeu se dirigia para a porta do estabelecimento, Márcio tomou outro copo de conhaque, mas desta vez esse foi mais amargo do que os anteriores e tudo porque a personagem de sua matéria havia lhe feito uma observação para lá de sútil, contudo, com alguma dose de realidade.

“Não sou e não estou amargo! Esse pinguço da porra quer transferir para mim as suas loucuras e isso eu não vou permitir! Acabo de publicar o material e o deixo em qualquer ponta de esquina caído na calçada com suas memórias encharcadas de ressentimentos e de muito álcool”, pensou o jornalista enquanto se levantava para ir embora.

Comprou outro litro de conhaque, pedindo para Rodolfo acomodá-lo numa sacola de modo que ninguém na rua visse que carregava uma garrafa de bebida alcóolica. O garçom atendeu a solicitação feita pela cliente, estranhando, mas como estava recebendo, o comprador tem sempre razão.

Pegou o caminho de sempre, mas ao atravessar a rua notou que do outro lado, um casal conversava. A mulher estava bastante agitada, gesticulando as mãos sem parar, ora tentava pegar o homem pelo braço, fazendo menção de querê-lo conduzi-lo à algum lugar, porém, este não movia um milímetro os pés onde estavam fincados como prego em madeira.

Aquele gesto não lhe passou despercebido, porém, para não ser visto pelo casal, deu mais uma olhada de soslaio, seguindo em frente, contudo algo na dupla lhe chamou a atenção. Por conta disso, Márcio parou. Observou mais nitidamente, mesmo a escuridão não deixando claro quem eram os dois, o repórter desconfiou que o casal lhe era familiar, mas não conseguia atinar de onde. “Agora não vou me lembrar. Acho que o conhaque atacou a minha memória. Quem sabe amanhã eu me lembrarei!”

Firmou o olhar na mulher, mas não conseguia encontrar nada na memória que pudesse lhe dizer algo de concreto. Passou os olhos para o homem e a roupa dele lhe chamou a atenção, mas não conseguia compreender porque as vestimentas do sujeito lhe despertaram a curiosidade. Deu-se as desculpas pela quantidade de bebida que tinha ingerido e se colocou a caminho, mas deu tempo de escutar quando o homem gritou com a mulher. O som saiu meio preso entre os dentes, identificando forte irritação dele com a sua interlocutora.

– Não vou voltar com você! Não quero! Será que pode me deixar em paz? Posso ir para minha casa? Estou farto de suas cobranças e perseguições. Quando vai largar do meu pé? Eu gosto desta vida que levo e ninguém tem nada a ver com isso!

Márcio parou um instante e ouviu quando a mulher disse:

– Sou eu quem pago suas contas, tudo o que você veste, come e bebe sou eu quem pago! Então acho que tenho o direito de me intrometer sim em sua vida! Vai vamos lá pra casa!

– Já disse que não vou e pronto! Se as minhas contas estão pesando pra você e para o seu mundinho de fantasia e dourado de ferrugem, é só parar de ficar pagando as minhas contas e deixa que eu me viro. Amanhã mesmo sairei do local que você me deu. Mandarei alguém levar a chave pra você! Satisfeita?

O sujeito disse isso e saiu correndo pela rua feito um desesperado. Márcio segui enfrente com a cabeça cheia de álcool e de curiosidades para saber quem era o casal que brigava ali. “Coisa de gente doida”, pensou ele.

O caminho lhe pareceu enorme, as pernas estavam pesadas, cabeça rodando, tinha a sensação de que o mundo girava em sentindo anti-horário. Finalmente entrou em seu apartamento, colocou a garrafa em cima da primeira mesa que viu à frente e se jogou no sofá.

De imediato o vômito chegou, não dando tempo de Márcio se quer se levantar de onde estava. Depois do jato ter se espalhado pelo chão, tapete e pela mesa onde tinha colocado a outra garrafa de conhaque, o repórter só conseguiu dizer: “merda!”. Olhou novamente para a possa regurgitada, completando o pensamento: “amanhã cedo, se der coragem, eu limpo!” Virou para o outro lado e dormiu, sem ao menos descalçar os sapatos.

Enquanto Márcio começava a dormir, do outro lado da cidade, Amadeu entrava nervoso, muito irado dentro do seu apartamento. Falando sozinho dizia: “quem ela pensa que é? Minha mãe, para ficar me dando ordens? Não voltou e não volto!”

Colocou a garrafa em cima da primeira mesa que viu. Sentou-se na poltrona e continuou a resmungar sozinho. Gesticulava, olhava para a parede como se estivesse vendo alguma coisa ou alguém. Levantou-se fazendo gestos para um inseto que tinha pousado na parede.

– Até você quer eu me mude, que volte para a casa dela e de seu pessoal. Aquele povo imundo que só falam em dinheiro, posição social, de fulano, que sicrano fez isso e que eu preciso me arrumar na vida. Mas não dá! Enquanto eu não a encontrar novamente não consigo caminhar.

Voltou para o sofá, abriu a garrafa e sorveu um grande gole no próprio gargalo do vasilhame e se encostou no sofá e começou a pensar. De imediato os olhos ficaram anuviados porque seu cérebro registrava a chegada de outro par de olhos que sempre o encantaram desde que a conheceu. Logo em seguida, Amadeu berrou: “desapareça da minha memória e do meu coração! Não aguento mais sofrer pelo seu sumiço!”

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