Sobras de um amor…

21

 

– Então! Eu trago comigo um pedaço de papel que tem um texto igual a esse que você deixou cair no chão. Achei que o meu era único, mas como o senhor tem uns escritos iguais ao meu, acho que algum copista o fez para pregar uma peça nas pessoas, afirmou Amadeu.

– Você sabe por que o nome da pessoa que escreveu o texto está apagado?

– Nome apagado? No seu, eu não vi nada suprimido! O meu sim! Estranho o senhor saber que o nome do autor ou autora foi rasurado.

– Desculpe-me Amadeu. Eu apenas deduzi a partir da minha cópia que o nome poderia ter sido eliminado. Eu nem sabia que você tinha um idêntico ao meu. Deixe-me ver e comparar a letra?

-Não está aqui comigo! Ficou na outra calça que eu tenho lá em casa.

– Achei que você estivesse com a mesma calça.

– Não! Eu tenho várias peças e todas são iguais, mesmo modelo e cor e as camisas também! Os dias são diferentes, mas detesto coisas dissemelhantes, por isso, pelo menos as roupas que uso têm que ser iguais.

Márcio ficou espantado com aquela informação. Desconfiava que Amadeu era meio esquisito, mas agora tinha certeza de suas paranoias. Roupas todas iguais. Coisa de gente doida. “Mas quando ele começou com essas esquisitices, para não dizer maluquices?”, perguntou-se o repórter.

Não quis tocar no assunto e voltou suas atenções para o bilhete. Queria saber mais sobre aquele texto. Claro que tinha um significado para ele. Portanto, a história que achou aquele pedaço de papel com aqueles escritos era justamente para desviar a sua atenção.

– Amadeu, o que você pensa do que está escrito nesse papel? Acha que a pessoa estava apaixonada pelo destinatário ou só escreveu para deixar ao leu para quem o encontrasse e pensasse diferente do que vinha sentindo?

– Olha!!! Eu não faço a menor ideia de quem seja! Outro dia, mostrei o papel para uma pessoa que me é muito próxima e querida e, ela me diz que é uma escrita antiga e que pode ser duma tal de Tarsila para um cara meio estranho com nome e pinta de estrangeiro. Deixe-me ver o nome… sim, um cara chamado Oswald. Acho que era isso! Mas para que você quer saber disso? Não tem nada a ver com o senhor!

– Por nada! Só curiosidade! Achei as declarações de amor interessantes e saber quem foi o autor ou autora seria bom. Só isso! Se você descobrir, pode me dizer?

Amadeu confirmou que sim, levantando-se para pegar outra garrafa de uísque porque aquela já tinha se esvaziado. Ao voltar a mesa, fez expressão de alguém que se lembra de alguma coisa e disse de chofre.

– A pessoa me disse que a autora não era fumante. Lembro-me disso porque o texto que achei estava queimado com cigarro.

Márcio ficou atento ao que ele disse, mas não fez entender que era algo sem importância. Porém, sabia que Amadeu não lhe dizia a verdade e que estava escapando com a história real, enganando-o. Mesmo assim, resolveu deixar a narrativa para outro momento, quando tivesse um jeito diferente de abordá-la sem que Amadeu se esquivasse.

A garrafa de conhaque do jornalista terminou e este se levantando foi ao balcão pegar outra, no momento em que passou um bilhete para o garçom, pedindo para ele sondar o nome Tarsila. Rodolfo olhou e deu risadas, dizendo ao repórter: “essa mulher não existe! Aliás ela existiu e foi a musa da Semana de Arte Moderna! Deixa de ser doido e volte a estudar História do Brasil!”

Márcio ficou que não sabia onde colocar a cara. Queria ser um tamanduá e enfiá-la dentro do formigueiro. Pediu desculpas, guardou o papel no bolso e voltou para a mesa com a sua garrafa de bebida. Entre a vergonha e a indignação, o repórter ficou pensativo: “esse Amadeu sabe muito mais do que eu pensava e para me despistar, tirou do fundo do baú essa mulher e eu fui tonto o suficiente para acreditar nela!”, ponderou.

Assim que chegou à mesa, Amadeu foi logo se despedindo do entrevistador, lhe dizendo: “Até amanhã doutor, quem sabe podemos conversar mais sobre a Tarsila e a sua musa! Sim, porque todo homem que se presa tem uma musa inspiradora, que deixa ele de cabeça para baixo, enlouquecido e eu sei que todo jornalista quer esconder a sua e ficar bisbilhotando a vida alheia para a comparar as preferidas dos entrevistados com a sua”.

– Até amanhã Amadeu! Isso se você sobreviver!

– Eu com certeza estarei vivo, agora já o senhor, eu não sei, porque a cada copo de conhaque que engole parece que está ingerindo a amargura de toda uma vida!

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