Silêncio, barulho e outros ruídos

Gilberto de Assis Barbosa dos Santos

Outro dia, meu caro leitor, me peguei cantarolando uma música, cujo refrão dizia mais ou menos que “a vida é trem-bala, parceiro”. Fiquei atento ao que minha alma desejava me expor enquanto eu repetia feito um ventríloquo a tal melodia. E não é que encontrei algumas respostas ao silenciar o meu existir, cessando todo e qualquer ruido ao meu redor, bem como do meu interior. E o que surgiu daí? De imediato apareceu com todas as cores um texto machadiano intitulo “Só”, cujo enredo enfocava uma aposta feita entre dois amigos objetivando verificar quanto tempo uma pessoa consegue viver isolada de tudo e de todos, tendo apenas como parceira a própria consciência.

Pensei em repetir o feito daquelas personagens, mas quem disse que sou possuidor de tal envergadura? Se consegui não sei, porém a tentativa foi profícua e um dos resultados é o que se segue no que tu irás ler, caso seja esse o seu desejo, entretanto, se for, está valendo, até porque, penso que um narrador que resolve usar as tintas, os signos e outros significados para dizer alguma coisa o faz sem ter a certeza de que seu pranto será escutado em algum momento da breve eternidade em que consiste o seu viver. Deixemos de delongas e adentrando na enunciação propriamente dita que começa na minha tentativa de entender os últimos segundos do meu viver, repleto de cenas do pretérito. Quem não as tem, não teve vida, portanto, vegetará num futuro não muito distante.

Sentando-me num dos variados bancos duma determinada praça central de certa cidade para onde fui tentando me encontrar, me deparei com um desses seres que largam tudo para viver ao ar livre e desimpedido de todas as peias sociais, sentimentais, carnais, materiais e outras coisas concretas que o homem produz para dar sentido aos seus passos amanhã, cujos caminhares poderão levá-lo para longe do presente desafortunado. Seguiu-me uma das múltiplas manias que tenho e quem não as possui, com certeza não é desse planeta. Estava portando um velho jornal no qual tinha sido grafado um texto desses escritores iniciantes ou aprendiz de, no qual o enunciador procurava respostas, feito um ansioso filósofo que deseja saber o que leva milhares de pessoas a largarem tudo e viverem como errantes aqui e acolá. E não é que justamente no mento em que o missivista começa a me apresentar suas admoestações, se senta ao meu lado um esmoleiro e lá se foi o texto, até porque estava diante de uma pessoa que poderia me ofertar as respostas ou não, na medida em que o meu interlocutor seria mais um provocador, à moda daquele pensador antigo que foi condenado a beber cicuta sob a acusação de corromper a juventude ateniense.

Permitam-me, amigos leitores, abrir parênteses aqui, só para não perder o raciocínio. Não estamos na Grécia socrática, mas num mundo quase apocalíptico, já que estão tentando, numa espécie de teocracia às avessas, silenciar o docente que tem como objetivo ajudar o alunato a despertar sua consciência para algo maior do que a própria existência egóica. No ontem da vida humana ativa na polis fizeram calar um homem que apenas interpelava querendo saber algumas coisas sobre o que não existia, mas movimentava o desejo de muitos daqueles. Sepultaram o entrevistador, mas não a dor e a dúvida que os seres humanos são portadores até o momento e, foi justamente essa curiosidade que me impulsionou a perguntar àquele morador das ruas, praças e outros logradouros de muitas cidades globais.

“- O que pode ter levado uma pessoa a deixar tudo para traz e viver em andrajos como o senhor”, perguntei ao meu ouvinte, obtendo, de chofre, a seguinte admoestação: “- Acho que essa interpelação deveria ser direcionada ao grande poeta dos escravos, um certo Castro Alves que dizia lá do século dezenove e no pleno vigor de sua juventude: ‘a praça é do povo, assim como o céu é do condor’. Sendo assim, não larguei nada, apenas resolvi aproveitar o que a vida tem de belo e para isso, precisei me despir das roupagens fétidas que as instituições diziam ser necessárias usá-las. Só não sei ainda para quê”.

Antes mesmo deu dizer algo, o meu ouvinte foi logo sacramento: “- Volte pro seu jornal, pois ao contrário dele, eu não tenho nada de importante para te dizer, exceto que escolhi o que creio ser o lado certo de uma vida que tem tudo para ser significativa, mas as pessoas transformam tudo num cavalo de batalhas ao complicar o simples”.

“- Como assim”, perguntei.

– É muito simples: sua pergunta tem muito a ver com os seus temores de se tornar um idoso solitário, sem saber que já és uma pessoa que flerta muito com a solidão, pois necessita do outro para tudo, inclusive para parar de girar em círculos, enquanto crias sentimentos dos quais não sabe explicar absolutamente nada.

“- Confesso-te que não entendi nada”.

– Claro que não! Sua mente obtusa deseja separar sonoridade de ruídos, mas não sabe de ontem emana as duas coisas: da alma ou da matéria? Por exemplo, o que leva uma pessoa a desejar outra? Será que não pode apensar querer ter um outro ser de jornada existencial? É preciso escravizá-la com promessas de amor eterno?

“- O senhor me parece bastante amargo nesta manhã de sol radioso”, afirmei ao meu interlocutor.

– Não! Não sou nenhuma coisa e nem outro, pois o amargo tem o seu contraditório do que me parece ser doce e o sabor da vida não tem nada a ver com ter ou não ter, mas apenas ser e isso não pode ser apropriado por ninguém, exceto pelo próprio homem que deseja ser ao invés de ter.

“Ainda não entendi”, afirmei ao meu entrevistador do banco de praça.

– Meu jovem, pare de se perguntar tanto. Viva. Apenas isso. Viva e deixe viver, pois ao contrário disso é o existir e as pessoas procuram sentido para isso e sempre colocam nas costas dos outros as responsabilidades pela sua felicidade.

Fiquei pensando enquanto passava os olhos pelo pedaço de jornal que tinha em mãos e quando me voltei para o meu interlocutor, ele já não estava mais ali. Será que foi alucinação ou o meu eu imaterial que veio do passado para me dizer que não deveria ficar procurando amor onde ele já não existe mais? Nisso um quero-quero cantou a poucos passos diante do meu corpo perguntador.

O refrão daquela canção voltou numa velocidade que me permitiu ficar ali naquele banco um tempo precioso que não sei precisar e nem o quantificar, contudo, sei apenas que foi o espaço na fenda das horas necessário para eu entender que deveria silenciar minhas inquietações, nem que preciso fosse permanecer como os eremitas, ou quase isso, falando apenas o suficiente e neste sentido, muitas das interpelações que carrego silenciosamente seriam respondidas com o fluxo do viver e do existir. Mas ainda assim, te pergunto meu caro leitor, pode uma pessoa desejar silenciosamente outro ser, mantendo essa querência na sua quietude, mesmo que o verbo o traia, já que de tempos em tempos, esse sujeito gramatical aparece, fugindo das rígidas regras impostas pelo consciente do ser que acalenta o outro, mesmo sem saber ao certo por que e para quê?

Deixemos, eu e tu, as respostas com aqueles que as buscarem, seja no plano externo da vida ou na intimidade de seus corpos que podem ser mentais, astrais ou até mesmo físico. Enquanto a nós dois, já não posso afiançar nada a partir de suas tentativas, entretanto, quanto às minhas respostas, tenho as buscado constantemente nesse jornada e o amigo de prosa do banco da praça num dia incerto dum eterno tão inconclusivo quanto a esse texto, creio que possa ser a minha irrequieta mente querendo ter respostas para tudo, como numa espécie de vida com bula indicando tudo o que tem que ser feito para que tudo dê certo daqui para a frente, pois o passado já não nos pertence mais, mas apenas ao universo da memória que, conforme o tempo passa, se torna mais seletiva e todos nós queremos apenas recordar aquilo que foi bom, como uma xícara de chocolate numa noite fria de inverno, enquanto os pensamentos nos visitam como uma sina maldita que não quer nos abandonar. Então, que pelo menos em silêncio, possamos amar ou quase isso, mesmo que tal sentimento se pareça mais com o famoso “amor platônico”, mas por quem? Eis a nova interrogação. Tudo dependerá da idade do ser desejante, quanto ao outro, aquele que se aspira, cabe uma reflexão.

Gilberto de Assis Barbosa dos Santos, licenciado, bacharel e mestre em Ciências Sociais, editor do site www.criticapontual.com.br, autor do livro O sentido da República em Esaú e Jacó, de Machado de Assis. Professor no ensino médio em Penápolis. e-mail:   gilcriticapontual@gmail.comd.gilberto20@yahoo.comwww.criticapontual.com.br.

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