Olhar Crítico

1.

Depois de um pequeno interregno, eis-me aqui novamente com os meus olhares quase que críticos e dominicais. Aqueles que me conhecem, vamos assim dizer, de antanho, podem ter ficado encabulados porque não me manifestei, durante o processo eleitoral, sobre o que vai pelo Brasil afora. Não fiz por uma razão muito simples: não sou dado a conflitos movidos pelo viés emocionais e a sociedade brasileira, lamentavelmente, se dividiu de forma violenta. Como não confabulo com qualquer forma de agressão, seja ela física, ideológica, simbólica ou religiosa, optei pela abstenção na discussão, sem, no entanto, abrir mão dos meus princípios éticos, morais e democráticos. De modo que apresento, nos aforismas que se seguem, os motivos que me levam sempre a optar pela democracia.

 

2.

Tenho um enorme apreço pelo universo linguístico e literário, bem como pelas ciências sociais – Sociologia, Antropologia e Ciência Política -, e Filosofia e é neste sentido que penso que o verbo democratizar será sempre de singela conjugação, quiçá aqueles que ainda estão com suas mentes aprisionadas nos tempos coloniais, para não dizer senzaleiros e estamentais. Sendo assim, não me é possível comprazer com sujeitos que se colocam do lado de torturadores sob qualquer justificativa que seja. Portanto, meus caros leitores, se eu ainda os tiver, serei sempre favorável à vida e nunca defenderei o direito de eliminar o outro ou ser portador de objetos letais sob a justificativa de ser “cidadão de bem”. Mas isso sou eu e como sempre primo pelo verbo democratizar, creio que cada um pode pensar e defender a bandeira que se deseja, desde que o fulcro não seja a eliminação do oponente, sepultar a democracia, questionar as leis vigentes porque sabe-se derrotado no jogo democrático.

3.

Mas vá lá, meu caro leitor que se pensa cidadão de fato e de direito, imaginemos, eu e você defendendo uma Nação em que a meritocracia reina e todos são iguais, conforme prevê os preceitos constitucionais. Como é que isso seja possível numa sociedade tão excludente quanto a nossa? Um país que ainda tem a sua mente voltada para o período em que o elemento africano era explorado, aviltado em sua dignidade humana e quando se recusava a trabalhar de graça, era açoitado, humilhado, recendo cusparadas em suas faces, enquanto as mulheres eram violentadas em suas intimidades. Tu, meu interlocutor, poderá me dizer que isso foi lá no passado, mas no presente a coisa é diferente, portanto, tudo não passa de conversa e aleivosias. Se me permite uma réplica, tendo a discordar de ti, pois a realidade é difere daquela que os seus olhos fingem em ver.

 

4.

Outra questão a ser ressaltada nessa altura do campeonato, como se diz no jargão popular, é saber se de fato a República que surgiu do ocaso da Monarquia naquela madrugada de 15 de novembro de 1889, realmente eliminou os vícios e toscas nobiliarquias da nobreza luso-brasileira que imperava na época. Um olhar mais apurado sobre aqueles tempos indicará que tudo não passou de mudança de nomenclatura, conforme o escritor Machado de Assis (1839-1908) nos apresentou através do célebre diálogo entre o Conselheiro Aires e o confeiteiro Custódio. O episódio narrado no romance Esaú e Jacó é conhecido como a questão da tabuleta e um dos interlocutores diz que tinta nova em madeira velha não garante a qualidade do trabalho. Traduzindo para o presente, não é possível se crer que ditadores e suas autocracias disfarçadas de democracia, resolverão o problema brasileiro que é de fundamento, conforme nos indica Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982) em sua obra Raízes do Brasil. Soma-se a essa percepção do ethos formativo desta Nação, a observação feita pelo escritor carioca – já citado nesse aforisma – no conto Teoria do Medalhão. Segundo a narração, não adianta mudar as leis se os hábitos não forem alterados.  

 

5.

Desta forma não enxergo nada no futuro numa sociedade em que boa parte de seus habitantes ainda deseja que os coturnos continuem reinando, quem sabe, para garantir um quinhãozinho para aqueles que fecharem os olhos para torturas, agressões, estupros e outras sevicias praticadas contra aqueles que pensam diferente e desejam a democracia para expressarem suas opiniões. Conforme podem ver, meus caros leitores, o verbo democratizar, bem como os de votar, escolher, indicar ainda são mais importantes do que a presença daqueles líderes que garantam pão e segurança, mas para isso se alia a determinadas designações religiosas que prometem o paraíso, contudo precisam que os fiéis fiquem nadando no inferno e na ignorância, enquanto eles lhe acenam com o paraíso. Uns dizem que a democracia tem dessas coisas e por isso que sempre a priorizarei, mesmo que tardia, levando em conta um dos verbetes da famosa Enciclopédia Iluminista, segundo o qual, o cidadão pode até não concordar com o que seu interlocutor está dizendo, mas defenderá eternamente o direito deste se expressar e se esse ato ferir a intimidade de alguém, que o ofensor seja punido conforme as leis vigentes.

 

6.

Lógico que em tempos tecnológicos, muitos gostam de ofender, propalar mentiras usando as máquinas e os chamados robôs. No meu singelo entendimento, isso não é liberdade de expressão, conforme consta na Constituição Federal. Entendo que cada um dos brasileiros pode dizer o que pensa sobre qualquer assunto, sem sofrer as consequências que não sejam as previstas em lei. Neste sentido, por que então se esconder atrás dos famigerados Fake News? Para quem deseja saber um pouco mais sobre isso, recomendo a leitura do livro da jornalista Patrícia Campos Mello: A máquina do ódio: notas de uma repórter sobre Fake News e violência digital [São Paulo: Companhia das Letras, 2020]. Ainda assim, se o meu interlocutor afirmar que não tem tempo para ler, conforme já escutei várias vezes, eu pergunto: mas onde arranja tempo para ficar horas e horas nas redes sociais disseminando mentiras?

 

7.

Claro que não ficarei aqui me enveredando pelas miríades de respostas que ele poderia me dar diante de tal interpelação, então sigo em frente tentando indicar neste espaço, por intermédio dos meus olhares, o meu apreço pela democracia e, portanto, pelo consenso e nunca pela violência conforme é o desejo de muitos, como se estivessem torcendo para um time e quisesse profundamente a vitória da agremiação, nem que precisasse usar todas as artimanhas e ardis, como inclusive se questionar os processos utilizados para se escolher os postulantes aos cargos eletivos. É interessante notar que os mesmos grupos que vivem berrando desconfiança nos expedientes tecnológicos para se eleger o chefe do Executivo Federal, são os que fazem uso da tecnologia para divulgar inverdades, conforme os veículos de comunicação do Brasil indicam. Portanto, não é mero achismo deste que vos escreve, meus caros leitores.  

 8.

Outra razão me que leva a dedicar a esses aforismas críticos dominicais é tentar entender por que o escritor russo Fiódor Dostoievski (1821-1881) afirmou, lá do século XIX, que “o homem social é incapaz de tolerar a liberdade e está disposto a trocá-la pelo líder que lhe garanta pão e segurança”. Para tentar encontrar o fio da meada, como se diz no jargão popular e pensando em Teseu quando destruiu o Minotauro e saiu do labirinto, fico cá pensando numa outra interpelação que caminha comigo já faz um certo tempinho: por que o homem tem tanto medo do amanhã, a ponto de se apegar a um passado medieval? Parece-me que a questão da liberdade diz respeito a essa querela e ainda mais no âmbito do indivíduo ser  livre, pois não basta ter a tão sonhada liberdade, é preciso desejar sempre ser livre. E aí é aquela situação da maioridade crítica apontada por Immanuel Kant (1724-1804) lá de sua Alemanha setecentista. Mas deixemos o kantianismo para uma outra ocasião.

 

9.

Indiquei no aforisma anterior que deixaria os pensamentos do iluminista alemão para outro momento, mas creio que o depois chegou agora neste item. Desta forma, vamos lá. Num livrinho básico intitulado Fundamentação para a metafísica dos costumes, o autor indica que o sujeito que age deve fazê-lo de tal forma que seu comportamento seja universalizado, isto é, sirva para todos. Então quando esse indivíduo diz que político é tudo corrupto, precisa antes de mais nada, prestar atenção na própria atitude e seu comportamento no cotidiano. A pessoa pede igualdade, se diz fraterno e deseja a liberdade, entretanto, paga salários irrisórios para seus funcionários, sonega impostos e tributos, usa e abusa da hermenêutica jurídica para não ser sentenciado e ainda diz que “se o filho lhe pedir filé-mignon, ele fará de tudo para que o rebento coma essa iguaria”. Neste sentido, fico aqui tentado a entender que é fácil atirar pedras na janela alheia, mas quando se vira vidraça é aquela ladainha toda como temos assistido nos últimos tempos, para não dizer 48 meses.

 

10.

Creio que não preciso dizer mais nada sobre os meus silêncios nos últimos meses. O ambiente, para não dizer oxigênio, estava poluído e com odores putrefatos advindo de cadáveres insepultos que não foram eliminados pela Constituição de 1988, mas tudo bem também, pois estamos numa democracia e já que o mote é o verbo democratizar, opinar, dialogar, conversar – olhem meus caros que as terminações estão na primeira designação ar, ou seja, respirar -, então que todos nós possamos oxigenar nossas mentes não a partir de opiniões escudadas no senso comum, no ouvir dizer, em mentiras espalhadas pelas redes sociais. Vamos ser todos prudentes e buscar a origem de tais informações e observar se as mesmas procedem. Democracia e democratizar as relações sociais é isso, e não pregar a violência, a eliminação do oponente de forma raivosa e mecanismo de sobrevivência política para dar o tal sonhado filé-mignon à prole, mesmo que a corte, a patuleia faleça de fome ou durante essa pandemia que ainda não nos deixa em paz.

 

11.

Pretendia ser breve nesses meus olhares dominicais, mas sem querer exagerar, acho que existem muitas coisas a serem enfocadas no hoje e nos dias vindouros, principalmente no que diz respeito à sociedade que desejamos ter e viver. Na que eu imagino e construo cotidianamente, não existe esse tal de conflito que tanto almejam implantar para impor a sua ideia a força, mesmo que precise subverter a ordem e as instituições construídas para dar solidez ao regime democrático. Todo aquele que deseja se tornar um autocrata do alto de sua arrogância, para não dizer ignorância, descrê dos princípios democráticos, sendo favorável a eles somente quando lhe convêm, mas quando a derrota parece ser eminente, esperneia-se, vocifera, berra, e caso seja portador de uma arma de fogo, é capaz até de sacá-la para fazer cumprir seus desejos de pessoa que não sabe perder uma disputa justa e leal, já que só conhece a deslealdade, a mentira, enfatizando o lado pernóstico e violento da existência social. Enfim, neste 11.º aforisma entendo que seja necessário apenas externar que sempre serei adepto do verbo democratizar e suas mais diversas formas conjugais, principalmente estando no tempo imperativo em que o vencedor assuma o cargo que conquistou dentro das regras do jogo.

 

12.

Neste fragmento intitulado pelo 12 e olha que é o número que diz respeito à quantidade de apóstolos de Jesus, o Cristo – não que ele não tivesse outros tantos, mas é que esses entraram para a história por estarem com ele o tempo todo -, busco tão somente o encerramento dessas minhas reflexões – se é que se pode chamar assim – cujo escopo é o de analisar, explicar aos meus leitores por quais razões não me engalfinhei com quem quer que seja para expor como entendo o jogo político do presente e porque fiz as minhas escolhas, levando sempre em conta o meu desejo de viver numa sociedade democrática, livre e sem violência e que não seja governada pelos mais diversos tipos de fobias e pensamentos medievais. Como dizia um amigo: é para frente que o carro anda! Sendo assim, entendo que o motor desse automóvel se chama democracia e o combustível é o voto direito e a chave que se coloca na ignição é a urna eletrônica, simplesmente simples assim.

 

13.

Por fim, deixo aqui com os meus leitores para as devidas reflexões um pequeno excerto do escritor francês Victor-Marie Hugo (1802-1885). O trecho faz parte do prefácio do já clássico – comentado aqui por meio dos meus olhares críticosOs miseráveis. “Enquanto, por efeito de leis e costumes, houver proscrição social, forçando a existência, em plena civilização, de verdadeiros infernos, e desvirtuando, por humana fatalidade, um destino por natureza divino, enquanto os três problemas do século – a degradação do homem pelo proletariado, a prostituição da mulher pela fome, e a atrofia da criança pela ignorância – não forem resolvidos; enquanto houver lugares onde seja possível a asfixia social; em outras palavras, e de um ponto de vista mais amplo ainda, enquanto sobre a terra houver ignorância e miséria, livros como este não serão inúteis” [Victor Hugo. Os miseráveis. Trad. Regina Célia de Oliveira.  São Paulo: Martin Claret, 2014, p. 37]. Só para completar: imaginem, meus caros leitores, que Dante Alighieri (1265-1321) ao escrever A divina comédia dividiu a obra em três partes: Inferno, Purgatório e Paraíso, estivesse pensando num mecanismo para a humanidade chegar ao tão sonhado paraíso. Qual seria ele? Creio que não seria através da violência e o uso de armas, sejam elas quais forem, inclusive a de fogo. E-mail: gilcriticapontual@gmail.com, d.gilberto20@yahoo.com,   www.criticapontual.com.br.

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