República
Amanhã, 15 de novembro, a República brasileira comemora 132 anos e quero saber do meu amigo leitor se ele acredita que há alguma coisa para comemorar, mesmo sabendo que a pandemia ceifou a vida de mais de 600 cidadãos? Antes que ele possa dizer algo, adianto que, quiçá as mazelas e corrupções, avanços foram registrados, mas isso não significa que este feriado de segunda-feira é para se perder nas comemorações de uma data tão especial, contudo, o povo que se encontra no cerne de ser do regime, esteja longa de alcançar a cidadania e talvez por conta da forma como o novo regime foi instaurado: sem a participação efetiva da população. Hoje depois de muitas pesquisas de cientistas achincalhados por uma turba acostumada a viver da mão para boca, sabe-se que ocorreu a participação de algumas parcelas da sociedade oitocentista, mas é preciso reiterar que o país naquela época havia acabado de exterminar o escravismo de suas cercanias.
Histórico
Parece-me que os motivos que levaram a queda do trono todos sabem, todavia, creio que há uma certa dificuldade em compreender, por exemplo, porque a Monarquia, sepultada há mais de 130 anos, continua presente entre nós, através dos hábitos, para não deixar de relembrar o célebre escritor brasileiro Machado de Assis (1839-1908) que tem uma vasta fortuna crítica sobre aquele período. Seus textos, sejam em que formato literário o autor escolheu, dizem muito e, entre tantos, te recomendo meu caro leitor o penúltimo romance Esaú e Jacó. Escrevi uma dissertação de mestrado sobre o conteúdo dessa narrativa que, do ponto de vista ficcional, diz respeito aos momentos finais da monarquia e os primeiros anos da república.
Estrelas
Poderia aqui, inclusive fazer uns versos – será que consigo transpor meus pensamentos ou quase isso por intermédio das rimas? Creio que não – objetivando, não ufanar os feitos de uma jovem República, mas sim acreditar que as estrelas que fazem parte do pavilhão nacional bem que poderiam servir de faróis, lampiões e outras formas de iluminação para esclarecer a mente dos brasileiros, principalmente no que diz respeito, não apenas à forma de governo, mas sobretudo, na troca da categoria política que ocupa as dependências palacianas espalhadas pelo Brasil afora.
Aguardar os farelos
Se ainda há lampejos imperiais na República, pergunto-vos meus caros leitores, o que devemos fazer para que isso seja alterado nas próximas décadas? Educar o povo para ser de fato cidadão e não apenas aquela parcela que fica no sopé da montanha aguardando os farelos que os poderosos e donos do dinheiro lançam a turba faminta? Aguardar que joguem umas moedas para que a plebe adquira um quantum de ossos para fazer de jantar depois do estômago passar o dia todo reclamando a ausência de alimento saudável?
Tâmaras
Diz a lenda que a pessoa que plantar uma palmeira que produzirá tâmaras, jamais comerá dos seus frutos em virtude do tempo que a mesma levará para frutificar. Deixando esse lado do universo da botânica comestível, entendo que o trabalho de um educador comprometido com o seu ofício seja semelhante ao do agricultor que se ocupa em cultivar tais árvores, ou seja, de semear conhecimento que será compartilhado com a sociedade num futuro não muito longínquo. Claro que aqui fico com uma pergunta: será que o indivíduo terá a devida paciência para aguardar os resultados do seu pretérito educador? Pode ser que sim, mas também o contrário, entretanto, tudo passa, sobretudo pela consciência de que o devir do seu ofício lhe escapará da existência, mas ainda assim será dele a escolha em cultivar junto aos discentes o gosto pelo conhecimento, os ajudando a transformar informação em conhecimento.
Cidadania
Sendo assim, penso que o trabalho iniciado pelos patriarcas da República está apenas começando. Se levarmos em conta que o homem muda de geração aos 25 anos, estamos entre o término da quinta e início da sexta geração de sujeitos que chegaram ao Brasil depois da queda da Monarquia. Portanto, estamos nos relacionando com os resquícios imperiais que ainda são mantidos vivos no novo regime por conta dos hábitos e, mudar isso, não é uma questão apenas de alteração das leis, mas sobretudo, eliminar práticas pretéritas que permanecem impregnadas nas paredes dos palácios e castelos governamentais.
Sapatos
“Andar sem sapato em qualquer lugar, no inverso, era garantia de ser preso e voltar para a divisão até ser condenado por vadiagem. Lei interessante essa da vadiagem, quer dizer, ficar parado na rua ou andando sem finalidade clara para qualquer lugar. Levar um livro ajudaria, mas estar descalço seria contraditório com ‘finalidade clara’, e ficar parado podia provocar uma reclamação de ‘vadiagem’. Mais do que todos, ele sabia que não precisava estar na rua para alegarem perturbação legal ou ilegal”. Esse é a fala de um narrador presente no romance Voltar para casa, de autoria da escritora estadunidense Toni Morrison (1931-2019). A narrativa me reporta a um pretérito brasileiro que todos tentam negar, mas está presente no hábito do ser do presente como uma herança senzaleira que a República não sepultou.
Violência
Em outro trecho da enunciação, o leitor que pretender viajar nas páginas desse significativo romance, deparar-se-á com o seguinte olhar: “Você podia estar dentro de casa, morando na sua casa há anos e mesmo assim homens com ou sem distintivos, mas sempre com armas, podiam forçar você, sua família, seus vizinhos a fazer as malas e mudar – com ou sem sapatos” [Toni Morrison. Voltar para casa. Trad. José Rubens Siqueira. São Paulo: Companhia das Letras, 2016, p. 13]. Interessante notar que no presente, mais especificamente no Brasil, esse tipo de violência esteja ocorrendo justamente nas comunidades quilombolas e indígenas e outras diversas agressões às minorias e habitantes das comunidades edificadas nas encostas dos morros. Resta saber onde vamos parar, já que o passado deixou de ser pretérito para se tornar uma assombração no presente.
Trabalho
Deixando a comparação entre EUA e Brasil, e adentrando na República forjada a partir dos golpes de espadas e das baionetas, é preciso que o meu leitor tenha bem claro que embora seja o desejo de todos, conforme expressado na Constituição Federal, a República que sonhamos ainda está longe de ser concretizada, contudo, é trabalho de cada um de nós realizar o desejo estampado nos lemas: Igualdade, Liberdade, Fraternidade. gilcriticapontual@gmail.com, d.gilberto20@yahoo.com, www.criticapontual.com.br