Olhar Crítico

Vida

Começo meus olhares dominicais, o último de julho, fazendo uma pergunta que há muito tempo a reproduzo, às vezes creio ter chegado a uma resposta, mas na maioria das vezes, fica-me um vácuo, principalmente quando fatos ou crimes são praticados em nossa sociedade. Recordo-me aqui uma notícia, seguida dum artigo que fiz publicar aqui nessas páginas sobre o valor de uma vida humana. Naquela ocasião uma meia dúzia de pessoas havia matado um idoso para roubar-lhe um porco que seria devorado depois pelos matadores. Na época fiquei pasmo, pois o ser humano perdeu o seu valor para o suíno. Pois bem, lógico que em tempos pandêmicos, muitas tragédias estão se abatendo sobre as famílias, sem que nada possa ser feito, fazendo com que se repensem ética e moralmente.

 

Violência

Se o vírus, invisível, nos deixa estarrecidos, prostrados, meio que indefesos, agindo mais na prevenção, enquanto os outrora vilipendiados cientistas trabalham diariamente na busca por uma vacina, há ainda outras ações mortíferas que fazem com que interpelemos novamente o valor de uma vida humana. Deixando de lado o famigerado “e daí?” [pronunciado pelo presidente da República e aceito por boa parte de seus eleitores no que diz respeito às consequências letais da pandemia], fico aqui tentando entender o latrocínio praticado contra o comerciante João Origuela Filho no início da semana que terminou ontem. Tiraram-lhe a vida para lhe surrupiar o carro que foi encontrado no dia seguinte todo carbonizado! Assassina-se a pessoa que estava entre o criminoso e o bem e, em seguida, incinera o bem visado!

 

Banalização

Lógico que a questão é mais complexa, pois a vida deve vir sempre em primeiro lugar e quando a mesma é tirada por alguém, a lei deve agir e a Justiça sentenciar o autor do assassinato. Agora quando se mata por conta de um bem material, a dosimetria é mais severa ainda. Contudo, eu fico cá, indignado com tamanha violência e requinte de crueldade quando o marginal já tem a vítima sob sua mira, surrupia-lhe o bem mais valioso que tem: a própria vida! E logo depois destrói o que foi tirado mediante assassinato! Como dizia a filósofa Hannah Arendt (1906-1975) estamos diante da banalização do mal. No qual, as pessoas não estão mais significando nada para as outras. O mais importante é existir, mesmo que o semelhante precise ser eliminado de maneira aviltante.

 

Distorções

Diante dum quadro dantesco como este em que o mal parece vencer em todas as esferas, a pergunta que fica é: o que está acontecendo com a humanidade? Claro que é possível obter várias respostas, entretanto, creio que as distorções não se encontram na ausência da tal da religião, como muitos gostam de vociferar, mas sim num contexto mais amplo envolvendo a falência de vários pontos da vida humana que pareciam até então enraizados, todavia, eram atados com laços frouxos que não resistiram ao primeiro vendaval, como naquela alegoria dos três porquinhos. Neste sentido, volto ao começo desses aforismas: quanto vale uma vida? Quais são as ferramentas que o ser humano pode utilizar para precificar o semelhante?

 

Imperialismo do momento

Como nos externa em seu livro Vida Líquida, o sociólogo polonês Zygmtun Bauman (1925-2017) diz que o homem vive sob o julgo do imperialismo do momento, ou seja, tudo agora ao mesmo tempo. E, aliando-se a esse fenômeno social, encontra-se os seres humanos portadores da síndrome do pequeno poder no qual cada indivíduo crê-se o ser supremo, e recusa-se a ser questionado por quem quer que seja, gerando homens sem limites algum. Existem várias representações em nossa sociedade, nas quais é possível detectar o problema que é indicado pela necessidade de ser, chocar, causar e ganhar curtidas aqui e ali, nem que para isso seja necessário danificar a existência do seu semelhante. Lógico que a questão é mais complexa do que parece, portanto, não pode ser tratada de maneira tão apressada em alguns aforismas, entretanto, nós cientista sociais temos que estudar, analisar esses fenômenos, sem a demagogia político-partidária e outros toscos ideologismos de qualquer natureza, inclusive o teológico – em sua vertente da prosperidade – e o teocrático.

 

Medo

O medo é o que campeia a mente e o existir de muitos dos seres humanos que estão acossados pelo vírus, vendo seus empregos e finanças se derreterem como uma pedra de gelo retirada do refrigerador. Todavia, é preciso compreender que essa situação não é nova e nem foi provocada pela chegada da pandemia. Ela já vinha de outros “carnavais”, como se diz no jargão popular e foi acentuada depois da crise econômica de 2008 e de medidas adotadas por um governo que, até aquele momento, contava com altos índices de aprovação, pois era possível afastar o medo do dia seguinte, ou no melhor estilo kantiano, a nadificação presente no vir a ser da existência presente, se intoxicando de consumismo, de acordo com os alertas feitos pelo teatrólogo José Alves Antunes Filho (1929-2019) lá no não muito longínquos anos 90 do século passado.

 

Derretimento

Soma-se a esse fenômeno da liquefação do sujeito social que, acuado diante da possibilidade de se tornar um ente necrosado socialmente, se apavora, a aparição dessa pandemia que, ao que tudo indica, já é devastadora, forçando o indivíduo a se isolar socialmente, sem poder existir no outro a partir de seus penduricalhos e outras efêmeras e fugazes mercadorias. Recordo-me aqui de uma advogada que deixou nessas redes sociais uma problemática surgida a partir do confinamento. Ela não sabia o que faria com os 500 pares de sapatos que tinha em casa. Situações iguais a dela, é possível encontrar aos montes em diversas paragens brasileiras. E o que fazer se não é possível exibir-se na balada; se não se pode ser visto dentro do carro novo, inclusive com os bancos embalados em plásticos? Como podem analisar, meus caros leitores, a questão é emblemática.

 

Pandemia

Mas deixando essa questão para outro momento, voltarei minhas atenções para a pandemia, cujos casos estão crescendo assustadoramente em nossa comarca com o número de mortes crescendo. Momento para eu recordar aqui a fala de um internauta que dizia ser possível abrir a economia, o comércio penapolense, por conta do número reduzido de mortos. Por determinação governamental, o isolamento social vai até o fim do mês. E se a coisa continuar da maneira como está, entraremos em agosto sem atingir os índices necessários para que o retorno de algumas atividades seja possível, como a volta às aulas. A pergunta que eu vos deixo aqui, meus caros leitores é: a culpa é de quem? Do governador? Dos professores? Ou das próprias pessoas que não creem na problemática ou não estão nem aí, já que não morreu ninguém da família vítima dessa pandemia? E-mail: gilcriticapontual@gmail.com. www.criticapontual.com.br.

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