O silêncio que se silencia

Gilberto de Assis Barbosa dos Santos

 

Meu caro leitor, que me confia mais um tempinho em sua existência ao ler as linhas que se seguem e, talvez, completamente recheadas de afazeres filosóficos. Sim, atividades dessa envergadura sempre são empreendidas quando se deseja viver e aí é que as coisas começam a fazer sentido, principalmente quando as interpelações são inteligentes e na maioria das vezes, o são. Mas deixemos essas milongas para um futuro não muito distante e nos concentremos, tu e eu, no presente. Sendo assim, lhe tasco a primeira querela desta pequena enunciação: “quando é que podemos silenciar o silêncio”.

Um arguto aluno me responderia: “- Quando eu transformo ruídos em significativas sonoridades”. Se eu fosse professor, mas no caso aqui, já que pretendo apenas lhe encantar os poucos minutos que desperdiçará entre o início e o fim desta narrativa, devolveria a afirmativa do discente com outra interpelação: “- E quando é ruído e quando é som”. Depois dessa interrogação, ambos, nós, nessa trindade de questionadores, nos coloquemos, a exemplo dos dois enxadristas diante do trebelhar do adversário, à maneira contemplativa, tentando achar uma saída do labirinto proposto pela pergunta-charada.

Aqui me parece oportuno pensar em Dédalo e seu filho Ícaro que, fugindo das masmorras labirínticas que ajudaram a edificar, tentam uma saída de mestre com aquelas asas de cera, levando em conta que o rapazote não deu a menor importância às rogativas do pai. Isso foi lá na antiga Grécia, mas retornando aqui para o presente quantos filhos não fizeram isso pelo menos uma vez na vida e deram com a cara na porta, ou com os burros n’água, como diziam os velhos adágios? Pois bem, meu caro leitor, talvez o silenciar-se através do silêncio seja essa atitude dos pais que, diante da descrença da prole, se resguardam em silêncio, esperando as consequências dos arroubos dos filhos normalmente na fase da adolescência ou da juventude, tempo em que os seres humanos se creem semideuses, para não dizer deuses.

Deixei a sala de aula virtual e fiquei cá, enquanto o coador filtrava o café, pensando na questão do silêncio silenciado pela ignorância dos filhos diante dos apontamentos de advertências feitas pelos responsáveis durante a jornada da vida. Verdadeiros pais continuam o sendo até mesmo quando os rebentos caminham para a famigerada, ou nem tanto assim, chamada Terceira Idade. É comum, diante do inesperado, os filhos recorrerem aos progenitores quando vão dar um passo adiante e não têm certeza. Agora quando esses faltam porque o corpo físico, biológico parou de funcionar, o que se faz nesses momentos? Recorrem aos ancestrais sepultados em covas complexas, coletivas, singulares ou luxuosas, contudo, vivos em suas existências subjetivas.

Pois bem, meus caros leitores, digo isso no plural por acreditar que já tenho mais de um leitor o que me deixa, de certo modo, lisonjeado, entretanto, se não tiver mais do um, me dou por satisfeito, até porque o ato da escrita é solitário, bem como a da leitura, se tornando algo coletivo quando o consumidor, dessas e outras linhas, compartilhá-la com os seus pares que, na maioria das vezes, andam apressados querendo comprar o mundo sonhando em ser o Midas, da mitologia grega que tendo o poder de transformar tudo em ouro, acreditou adquirir pessoas, porém, ao tocá-las estas também se transformam no vil metal lustroso, porém frio e sem valor algum, caso não seja compartilhado, ou melhor, utilizado como elemento distintivo como disse certa vez um filósofo francês.

Depois de ingerir o saboroso café, fiquei pensando sobre algo relativo aos caixas-eletrônicos e o barulho que fazem quando estão separando as notas para o cliente levar embora e se orgulhar de as tê-la, recheando a carteira. Recordei um dia que, sentado num banco da praça central da cidade enquanto me divertia com a enunciação de um romance infanto-juvenil, uma distinta senhora quis saber por que eu lia tanto, já que me via constantemente ocupando o mesmo assento fazendo a mesma coisa: lendo.

“- Para que a senhora pudesse me fazer essa pergunta”, respondi todo educado a interpelação feita pela minha interlocutora que ficou pensativa. Aí emendei a sentença de alguém apelidado de “o chato da praça”: “- O que é mais rápido: o cérebro ou a língua”. A resposta foi imediata: “- O cérebro”.

– Engana-se, minha senhora. Se de fato os neurônios fossem mais velozes, o ser humano não diria tanta besteira, não ofendia tanto e não magoava aqueles que vive dizendo amar. Por isso, creio que o silêncio é tão importante quanto o som. Mas veja bem, estou dizendo som e não ruído. A senhora me entendeu?

Diante da afirmativa de minha interlocutora, perguntei se podia voltar para as minhas páginas na qual o som das palavras me ajudava a transformar ruído em singelas sonoridades que, em sinergia com o meu coração, acalmavam meus processos de fala, me ajudando a dizer somente aquilo que é útil para quem escuta, mas caso não tenha ninguém para me ouvir, em algum lugar do futuro, o Universo me devolverá a sonoridade e o sentido dela elevada a enésima potência. A senhora interpelativa se colocou a caminho do seu destino e eu voltei para a minha segunda xícara de café, antes de voltar para as aulas virtuais, acreditando que os alunos de fato estariam do outro lado da linha ou da tela do celular. Se não houver ao menos um ruido do lado de lá, com certeza, as temáticas que abordo não dizem respeito aos discentes do chamado universo pós-moderno, no qual não se tem passado, portanto, o futuro não tem a menor importância, já que o presente é endeusado através do mundo das mercadorias em que todos viram objetos de compra e venda.

 

Gilberto de Assis Barbosa dos Santos, licenciado, bacharel e mestre em Ciências Sociais, editor do site www.criticapontual.com.br, autor do livro O sentido da República em Esaú e Jacó, de Machado de Assis; professor no ensino médio em Penápolis; pesquisador do Grupo de Pensamento Conservador – UNESP – Araraquara e membro do Conselho Editorial e Científico da revista LEVS (Laboratório de Estudos da Violência e Segurança) – UNESP – Marília; escreve às quintas-feiras neste espaço: e-mail:   gilcriticapontual@gmail.comd.gilberto20@yahoo.comwww.criticapontual.com.br.

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