O devir do ser na política

Gilberto Barbosa dos Santos

 

Por que o ser humano, ou melhor, o brasileiro médio tem ojeriza da política nacional? Seria talvez por que não compreende coerentemente que esse universo não diz respeito aos cotidianos palacianos e das esferas governamentais, mas a tudo o que diz respeito à vivência em sociedade, conforme Aristóteles nos diz lá de sua Grécia antiga, o berço da filosofia ocidental. Segundo ele, o ser humano é um animal político, não sendo possível, portanto, se interagir em lugar algum sem as devidas mediações fonéticas. Não adianta dizer que sozinho, no meio da floresta, o homem não precisará da política, pois isso não condiz com a realidade, já que é preciso fazer mediações com a natureza para que ela possa garantir a sobrevivência do ser que se quer humano. Tendo como premissa essa pequena introdução sobre a esfera da política, objetivo tentar entender por que o brasileiro nega o mundo da política, mas, no entanto, muda governo, sigla, verborragias, contudo a corrupção continua grassando na unidade federativa.

Para começar um diálogo com os meus leitores – espero que ainda os tenha – recorro ao livro de Alexis de Tocqueville (1805-1859) O Antigo Regime e a Revolução. O autor procura analisar a Revolução Francesa (1789) sob as perspectivas das Filosofias do século XVIII. Segundo ele, na época “todas as opiniões novas ou renovadas que se referem à condição das sociedades e aos princípios das leis civis e políticas, tais como, por exemplo, a igualdade natural dos homens, a abolição de todos os privilégios de castas, de classes, de profissões, que é uma consequência dela, a soberania do povo, a onipotência do poder social, a uniformidade das regras etc. Todas essas doutrinas não são apenas as causas da Revolução Francesa: formam, por assim dizer, sua substância; são o que suas obras têm de mais fundamental, de mais duradouro, de mais autêntico com relação à época” [Folha de S. Paulo, 2015, p. 19-20]. Interessante esse pequeno excerto justamente porque nos insta a refletir sobre qual sociedade queremos e estaríamos impelidos a construir no devir de nossas sociabilidades.

Se isso é fato, vos pergunto, meus caros leitores, quem não gostaria de viver numa sociedade livre, isto é, que os princípios de liberdades dessem a tônica das relações humanas. Claro que de imediato todos afirmam que gostariam de ser livres, entretanto, como seria construída essa visão utopia? Se recorrermos as observações feitas pelo sociólogo francês Emile Durkheim (1858-1917), é possível compreendermos que, provavelmente, esse desejo não acontecerá se o ser em si recorrer às instituições, pois segundo o autor de As regras do método sociológico [São Paulo: Martin Claret, 2011], as instituições são externas aos sujeitos sociais, agindo coercitivamente sobre eles, pois quando chegaram ao orbe elas já existiam, portanto, não facultando ao homem as escolhas que devem ser feitas, a não ser que o indivíduo seja educado para isso, de acordo com a acepção do pensador genebrino Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) para quem o homem nasce bom e a sociedade o corrompe, contudo para retornar ao seu estado de natureza, precisa ser educado. Sendo assim, fico aqui com a seguinte interpelação: a educação ofertada aos brasileiros, desde os processos de socialização primária e secundária, prima pela autonomia da criança no seu devir?

Como podem ver meus caros leitores, o primeiro lema da Revolução Francesa, ou seja, a ideia de liberdade é complexa e, para se atingi-lo, o ser que se pensa humano precisa fazer uma reflexão, não a partir do seu externo, mas do seu interior, seguindo o seguinte olhar socrático: “conheça-te a ti mesmo”. Desta forma, é possível seguir na jornada tendo Jean-Paul Sartre (1095-1990) como parceiro, pois ele não estava preocupado com o que a sociedade fazia do indivíduo, mas sim o que este homem realizava a partir do que a sociedade fazia dele. Em seu romance A idade da razão [Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011] essas questões são tratadas com muita acuidade. Se ainda o ideário da liberdade precisa ser descortinado para além das instituições que já estão prontas e acabadas quando o homem começa a ter noção de sua sociabilidade e em seguida de suas subjetividades, não é possível conquistá-lo sem uma participação política na vida ativa da polis e isso só se torna possível quando as pessoas forem munidas de princípios éticos e morais pautados através dos preceitos operacionalizados por Immanuel Kant (1724-1804) na obra Fundamentação para a metafísica dos costumes [São Paulo: Martin Claret, 2011], na qual diz que uma ação individual tem que levar em conta o fato de que ela seja universalizada através do que o pensador denomina como imperativos categóricos.

Posto isso, creio que posso vos afiançar, meus caros leitores, que no devir do ser que existe no presente deve constar um quantum significativo de liberdade, mas não somente a do indivíduo individualizado, mas sobretudo aquela que atinge o maior número possível de pessoas, isto é, o coletivo. Ettiénne de La Boétie (1530-1563) tem um livro chamada Discurso da servidão voluntária [São Paulo: Edipro, 2017] que permite a construção de um olhar mais elucidativo sobre a busca profunda de cada um de nós pela liberdade. Mas se esse desejo está contido em cada ser que compõe o esqueleto social, como é possível ela ser localizada ou vivenciada minimamente? Creio que só é possível por meio de dispositivos ordenados em assembleia e aprovado pela maioria como é numa democracia. Portanto, somente através da ação política e sendo assim, não é possível ter ojeriza deste universo, pois é ele quem garantirá ao ser em si um quantum mínimo de liberdade. Todavia, como isso é possível se, segundo o escritor russo Fiódor Dostoiésvki (1821-1881) afirmou certa vez que o “ser social é incapaz de tolerar a liberdade e está disposto a trocá-la pelo líder que lhe garanta pão e segurança”. Sendo assim, me parece que num país que viveu por mais de 300 anos escravizando seu semelhante, o ideal de liberdade pode estar invertido e talvez o capítulo O vergalho que consta no romance Memórias póstumas de Brás Cubas [São Paulo: Ática, 1996), de Machado de Assis (1839-1908) pode auxiliar a entender essa inversão do real, conforme Karl Marx (1818-1883) apresenta em seu livro A ideologia alemã [São Paulo: Hucitec, 1983].

O segundo elemento fundamental da Revolução Francesa que deve nortear uma ação política, daí a necessidade de o brasileiro não advogar em prol de uma democracia delegativa, mas sim participativa. De acordo com a Constituição Federal, todos nós somos iguais, todavia, quem acompanha as linhas que estampo semanalmente aqui e no meu site www.criticapontual.com.br., sabe que é outra utopia que consta somente na letra fria da lei, pois a prática social, econômica e política contradiz o que a Carta Magna e as leis que regem as ações do brasileiro em sociedade indicam em seus artigos, parágrafos e demais incisos. Mas por que será que nas terras de Castro Alves (1847-1871), a legislação diz uma coisa e a prática é completamente outra? Quando então o homem concretizará o princípio norteador dos ideários que levaram em 1789, os revolucionários franceses a derrubar a monarquia, ou seja, a igualdade entre todos? Talvez a obra A origem das desigualdades entre os homens [Porto Alegre: LP&M, 2017], de Rousseau pode ser um significativo livro instrutivo sobre essas questões. A temática é alvissareira, portanto, deixarei para um outro momento a questão da fraternidade que também é uma ação política visando um fim.

 

Gilberto Barbosa dos Santos, Sociólogo político, editor do site www.criticapontual.com.br, autor do livro O sentido da República em Esaú e Jacó, de Machado de Assis; professor no ensino médio em Penápolis; pesquisador do Grupo de Pensamento Conservador – UNESP – Araraquara e membro do Conselho Editorial e Científico da revista LEVS (Laboratório de Estudos da Violência e Segurança) – UNESP – Marília; escreve às quintas-feiras neste espaço: e-mail:   gilcriticapontual@gmail.com. www.criticapontual.com.br.

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