Gilberto Barbosa dos Santos
Antes que eu me esqueça, meus caros leitores, desejo fazer uma perguntinha apenas: para que serve o Estado? Para enriquecer uns poucos e empobrecer milhares de cidadãos? Sabe-se que existem aqueles que estufam a região torácica para dizer que deseja um Estado liberal, em que a sua presença seja mínima na sociedade, desde que o pêndulo incline sempre para os seus negócios. É possível registrar outros interesses como o de grupos que almejam um Leviatã – parafraseando o clássico da filosofia política do mesmo nome escrito pelo pensador inglês Thomas Hobbes [1588-1679] – com inclinações socialistas, entretanto, desde que seus apaniguados estejam no comando, definindo o que entendem por políticas públicas, numa espécie de hermenêutica diferenciada do famoso adágio “aos amigos tudo, aos adversários, os rigores da lei”. É possível ainda localizar na fauna política nacional aqueles que apregoam, mesmo que sozinhos no deserto ideológico brasileiro, o desejo de haver um Estado promotor de uma justiça social ampla. Qual seria o seu escolhido, meu caro leitor?
Eu cá do meu lado, sempre fico tentado a entender coisas significativas, por exemplo, como ocorre a manutenção de um Estado. Creio que aqui todos somos cônscios de que só é possível a permanência desse elemento invisível que só existe através das estruturas burocráticas e instituições governamentais, como indicou o barão de Montesquieu [1689-1755] através de seu livro O espírito das leis, isto é, Legislativo, Judiciário e Executivo. Posto isso, me parece que uma inquirição aqui seja significativa, principalmente no que diz respeito à arrecadação para a sua existência. Qual dessas três esferas do poder consegue recursos próprios para a sua manutenção? Claro que um olhar, mesmo que rápido, indica que o Executivo arrecada por meio dos tributos, taxas e outros impostos e posteriormente repassa parte dos valores ao Legislativo e ao Judiciário. Corrijam-me meus caros leitores, caso essa análise esteja equivocada e se isso acontecer, o restante do texto não terá validade alguma. Todavia, pressupomos que há uma dose significativa de veracidade em minha abordagem, então seguimos em frente com o relato, objetivando tentar encontrar uma ideia ou coisa similar que possa escudar a nossa visão de Estado – aqui me coloco na condição de pluralidade, isto é, a primeira pessoa do singular se aliando a outras expressividades gramaticais para nos transportarmos à primeira pessoal do plural, isto é, um nós que depois posse voltar diferente à sua condição natural de indivíduo individualizado, ou seja, uno, indivisível como um átomo social.
Diante do elaborado até aqui, conforme venho aventando há tempos nessas linhas e outros espaços de escrita, não é possível pensar num Estado liberal quando a tentativa de sua construção tem como fulcro o Brasil. Como é do conhecimento de todos e aí, não adianta os candidatos a autocratas e seus asseclas, quererem mudar ou reescrever a história, pois os fatos dizem por si só e de tempos em tempos, os fornos crematórios usados em regimes ditatoriais para sufocar a liberdade de expressão, principalmente daqueles que pensam diferente, devolvem cadáveres insepultos. Parece-me que aqui cabe um adendo interpelativo, meus caros leitores: como alguém pode se adjetivar como cristão, mas locupletar com sujeitos que torturaram, mataram, provocaram abortos para amedrontar e até mesmo silenciar vozes que ousavam não se calar? Feitas as ressalvas questionadoras, voltemos, eu e tu, meu caro leitor, ao escopo da reflexão de hoje: qual Estado almejamos e como atuar para que ele seja, quem sabe, um dia erigido dentro das cercanias de um país que se estruturou à base da tortura contra o elemento africano, deixando marcas indeléveis até o presente nos descendentes de pretos que foram trasladados para cá como mercadorias que deveriam ser exploradas até a exaustão física.
É interessante, nesse momento, compartilhar com vocês que me leem semanalmente um olhar do tenor afro-brasileiro, Jean William, apresentado à jornalista Mônica Bergamo e publicado na edição do último domingo, ressalte-se “Domingo de Páscoa”, 17 de abril, do jornal Folha de S. Paulo. Em determinado momento da entrevista, o tenor crava: “a gente sofre racismo mesmo. É muito descarado. O que eu carrego, e que eu tenho certeza que muitos carregam, é uma memória de dor. De você não entender por que a cor da sua pele ainda é um problema nesse país depois de tudo o que nós já sofremos”. Para o tenor e eu tendo a concordar com ele, “a escravidão foi uma vergonha. Tudo o que serve à escravidão ainda hoje é uma vergonha”. Creio que diante dessa colocação, assevera-me acrescentar outro olhar do entrevistado: “A meritocracia no Brasil envolve questões muito mais complexas. Não é assim ‘é só você se esforçar que você consegue’. Não dá. Se o indivíduo trabalha das sete da manhã às sete horas da noite, que esforço vai conseguir fazer”? Diante da pergunta, Jean William acrescenta: “Antes da meritocracia, tem que existir boas oportunidades. Que foi o que eu tive”. Parece-me, meus caros leitores, que a matéria é assaz importante para quem pretende pensar qual Estado brasileiro se busca erigir, levando em conta o nosso pesado passado escravagista. Diante disso, vos pergunto: como é possível pensar, mas sobretudo, construir um Estado com Justiça Social? Claro que a resposta não está no futuro, mas no passado que precisa ser encarado de frente e não através de uma tentativa de se apagar, seja o ontem longínquo ou o pretérito mais próximo, no qual, vozes foram silenciadas por intermédio de atos e ações truculentas que, lamentavelmente, ainda recebem aplausos de muitos que se dizem “cidadãos de bem”.
Deixando essas querelas para outro momento, pois meu escopo aqui é caminhar, juntamente com o meu leitor, por uma estrada sem revanchismo, ódio, ressentimento, mas sobretudo, uma estrada que possa fazer com que as gerações futuras vivam numa sociedade em que todos são realmente iguais, conforme prescreve a nossa Constituição Federal, que muitos querem mutilá-la para caber em seus interesses escusos, sejam totalitários, teocráticos ou até mesmo autocráticos. Compreendo que a jornada em direção a uma Nação com plena Justiça Social passa pela democracia e instituições solidificadas e não por verborragias palanqueiras e submundos criadores de ódio, cujo escopo é disseminar inverdades objetivando ludibriar aqueles que desconhecem corretamente o que vem a ser a democracia, isto é, um governo em que todos tenham vozes e podem se manifestar livremente. Creio, e aí novamente, solicito do meu leitor que faça a devida correção caso eu esteja equivocado, as redes sociais têm sido utilizadas equivocadamente por sujeitos inescrupulosos que desejam apenas disseminar confusão, brigas, dissidências onde não deveria haver, pois cada indivíduo tem o direito de pensar por si só, respeitando quem tem uma visão de mundo diferente. Lamentavelmente muita mentira vem sendo disseminada em grupos, sem que as pessoas saibam direito do que se trata. Eu cá do meu lado, sempre primei pela educação, área responsável por ajudar o sujeito social a transformar informação em conhecimento. Desta forma, vos digo, meus caros leitores, se ainda me acompanharam até essas linhas finais: não há caminho para um Estado em que a Justiça Social seja plena que não o ofertado pela democracia e o debate aberto de ideias e não apenas achismos disso e daquilo. Talvez por isso que setores da sociedade brasileira, interessados em manter a massa amorfa e alienada, tentam a todo custo desmoralizar as universidades públicas como espaços do livre pensamento.
Gilberto Barbosa dos Santos, Sociólogo político, editor do site www.criticapontual.com.br, autor do livro O sentido da República em Esaú e Jacó, de Machado de Assis; professor no ensino médio em Penápolis; pesquisador do Grupo de Pensamento Conservador – UNESP – Araraquara e membro do Conselho Editorial e Científico da revista LEVS (Laboratório de Estudos da Violência e Segurança) – UNESP – Marília; escreve às quintas-feiras neste espaço: e-mail: gilcriticapontual@gmail.com, d.gilberto20@yahoo.com, www.criticapontual.com.br.