Ainda as poéticas

Gilberto de Assis Barbosa dos Santos

 

Há certo tempo o pensador alemão Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831) afirmou que a arte nasce do espírito e existe pelo e para este espírito. Levando em conta que para o filósofo “espírito” é a ideia, a exemplo do que significa para Platão (428/427 a.C./348/347 a.C.) a alma, ou seja, aquilo que anima, portanto, quando se elabora uma obra voltada ao universo estético que, em linhas gerais, quer dizer sensação, sentimento, significam que as poéticas podem dizer alguma coisa para quem faz uso delas para se manifestar nesse mundo doente, caquético e desejoso de voltar as entranhas medievais. Por que estaria tratando desse tema quando estamos em pleno interregno entre o primeiro e o segundo turno das eleições presidenciais no Brasil, deve estar-se perguntando o meu leitor. A resposta é bem óbvia, pois quando o sujeito que tem algo a dizer e se coloca a essa tarefa, leva sempre em conta o que lhe vai no espírito, para usar algo dos dizeres hegelianos. Sendo assim, o que este que vos escreve imagina nesse presente em que a truculência, a ignorância toma conta da mente dos incautos?

Poderia ficar aqui indicando uma série de situações, mas como disse certa vez, o ato da escrita nem sempre tem como o escopo quem lê, se constituindo então numa ferramenta que aquele que se predispõe a dizer alguma coisa, possa dizer, mesmo sabendo que a sua fala é um canto solitário como o gorjear do Uirapuru que tem toda o capão como plateia para ouvir a sua melodia. Uns podem dizer que as árvores e o meio ambiente não respondem ao que escutam, todavia, essa mesma floresta, para pensar na Amazônia e na Mata Atlântica, vem sendo destruída por pensamentos primitivos, mas aí já não é comigo, pois a exemplo daquele beija-flor que responde aos demais animais da densa mata que está fazendo a sua parte, eu cá, através das minhas enunciações tento alcançar algumas consciências. Se estou conseguindo, já não sei vos dizer, meus caros leitores, todavia, só posso vos afiançar que continuarei nesse mister de tentar fazer com que os sujeitos que me leem, se eu ainda os tiver em algum ponto dessa enunciação, abram suas consciências e tentem entender qual mundo estão produzindo para as gerações futuras.

Tendo essa premissa como ideia é que afirmei certa vez para uma cronista, isto é, uma escritora-contista que a poesia – quiçá a violência dos homens praticada por pura ignorância e aí o nível de agressão nem sempre se expressa na matéria, no corpo concreto do ser, mas pode existir no âmbito do simbólico e daí as mulheres, os negros [pretos/afro-brasileiros], nordestinos e indígenas podem dizer o que tal açoites significam para as suas existências e suas ancestralidades – ser a voz, o oxigênio para os dias mais difíceis que a democracia enfrentará.

“Mas para que pensar no ancestral, quando o que mais importa é apresentar-se viril no presente”, pergunta-me um leitor mais afeito ao que reluz no presente, a exemplo de Narciso que se afogou na fonte que refletia a própria imagem. Eu cá, com o meu singelo olhar, tento ensaiar uma resposta, mesmo sabendo que aquele que me interrogou está com os ouvidos fechados, principalmente para ouvir o canto do Uirapuru que tenta nos dizer que a floresta escuta e muito bem e grita de pavor diante das agressões de um homem que só pensa em si, numa sinergia egoística que se compraz com o seu semelhante e quando a coisa fica complicada, esconde-se na massa, conforme Sigmund Freud (1856-1939) nos apresenta em seu trabalho Psicologia das massas e análises do eu e outros textos (São Paulo: Companhia das Letras, 2011 – vol. 15).

Mas deixemos o psicologismo para outra circunstância, pois o meu escopo hoje é tão somente o de analisar a necessidade das poéticas na atualidade. Vejam bem, meus caros amigos, a arte sempre foi e será importante para a humanidade que pode, através dela, expressar aquilo que lhe vai n’alma, de modo que o ficcionista utilizará sempre as matérias que o meio lhe oferece para confeccionar suas visões de mundo e os seus sentires. Desta forma, muitas vezes é possível encontrar em determinadas expressividades artísticas verdadeiras catarses que os autores realizam em seus íntimos negociando com os seus fantasmas, amores pretéritos e medos futuros. Neste sentido, creio que quando um escritor trabalha numa enunciação um amor que se sabe nunca se concretizará, usa a ficção para dar asas à imaginação e levar o coração até o ente amado, mesmo que no mundo real, tal realização é tida como impossível. Desta forma, me parece que um narrador que se apresenta na primeira pessoa, pode muito bem esconder um outro eu que é real, mas que se manifesta por detrás das cortinas do palco da vida tentando entender o cenário concreto do seu existir.

Enfim, creio que muitos dos seres humanos desejam encontrar a felicidade, todavia, esse sentimento, antes de o sê-lo, é observação que pode ser traduzida como vontade, potência, enfim, sensações sempre do ponto de vista externo e nunca interno. Diante dessa prática, como é possível compreender as enunciações platônicas presentes no livro O banquete ou o conteúdo do livro Ética a Nicômacos, de Aristóteles? Sendo assim, o poeta, diante da impossibilidade de comunicar o seu ser sentindo algo por alguém, resolve dizer tudo por meio de enredos nos quais as pessoas gramaticais se intercambiam numa tentativa clara de diálogos entre os múltiplos sujeitos que existem a partir da primeira pessoa que se coloca a escrever, a dizer o que lhe vai n’alma, quando esta é incompreendida pelo ente amado. Creio que, antes de desejar ser compreendido pelo outro, o sujeito deve, primeiramente se entender, não se deixar levar pelo “espírito” de manada, se escondendo atrás da massa, como nos diz Elias Canetti (1905-1994) no seu livro Massa e poder (São Paulo: Companhia das Letras, 2019). Bom, meus caros leitores, acho que é isso. Tentei, nas linhas acima, tratar do universo poético e da necessidade que há de sentirmos o aroma das flores ao invés de arrancá-las com discursos truculentos e cruéis. Portanto, prefiro a democracia da floresta e o canto do Uirapuru do que o roncar dos motores de tratores e de motosserras sempre conduzidas por pessoas que acham que o “cidadão de bem” deve andar armado que, sob a desculpa de progresso, destroem o futuro pensando através de uma janela pretérita.

 

Gilberto de Barbosa dos Santos, licenciado, bacharel e mestre em Ciências Sociais, editor do site www.criticapontual.com.br, autor do livro O sentido da República em Esaú e Jacó, de Machado de Assis; professor no ensino médio em Penápolis; pesquisador do Grupo de Pensamento Conservador – UNESP – Araraquara e membro do Conselho Editorial e Científico da revista LEVS (Laboratório de Estudos da Violência e Segurança) – UNESP – Marília; escreve às quintas-feiras neste espaço: e-mail:   gilcriticapontual@gmail.com, d.gilberto20@yahoo.com. www.criticapontual.com.br..

 

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