Gilberto Barbosa dos Santos
É fácil escrever? Essa pergunta deveria ser direcionada aos estudantes secundaristas, principalmente aqueles assombrados pelos vestibulares e pelo ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio). Eles é que poderão dizer o quão árduo é o ofício de dizer alguma coisa por meio da escrita, todavia, no outro lado da peleja missivista, dizer, falar é fácil, basta achar-se de posse da verdade e sair por ai discursando, fazendo uso de verborragias ocas, ainda mais tendo uma plateia avida por pão e circo, ou pelas migalhas que caem do alto do trono, como consequência da política do beija-mão instalada aqui desde D. Pedro II e nunca mais deixou o país, quiçá a queda do Império e o advento da República – se foram as joias da coroa e ficaram os louros do poder, eis o Brasil de antanho que se personifica no presente.
Mas ao colocar todas as observações no papel, como se diz no jargão popular, o que vem primeiro, os fatos ou o que se pensa deles? Se começar pelos acontecimentos, contra os quais, não se tem argumentos – pois as ocorrências dizem por si só – corre-se o risco de desagradar quem vivenciou tais episódios, ainda mais se estes lesaram a comunidade, mesmo que o dano seja uma “merreca” – como disse certa vez um líder político com forte viés populista! Entretanto, aquele que se propõe a tarefa de escrever deve se manter fiel ao seu propósito, independentemente se as enunciações desagradarão quem quer que seja, isto é, poderosos ou ninguém em específico, mas uns alguéns de fato, já que o escopo das sucessivas narrativas é auxiliar o cidadão, com ou sem cidadania, a se tornar mais consciente do seu papel na sociedade abandonando a fatídica ideia de que a culpa não é dele, mas de todos os outros, entretanto, quando se abstêm de participar da vida ativa na vida política da polis, não quer saber de política, afirma que esse é um campo pantanoso, portanto, não deve ser debatido, está concordando com as pequenas “merrecas” que vão direto para o bolso dos representantes do povo – em Brasília está cheio de cidadãos que desviam o dinheiro do cafezinho para as suas contas bancárias que são recheadas diariamente com a grana do café e outras merendas.
Deixando o universo político e de sua materialidade, ou seja, a de que político bom é aquele que dá pão e circo para o eleitor, ou as migalhas apontadas por Machado de Assis em seu clássico Memorias póstumas de Brás Cubas – a propósito, alguém já leu esse romance sem que a leitura fosse “obrigatória” nas escolas? – como o estudante pode externar de maneira tranquila os fatos e, posteriormente, esmiuçar o que compreende dos acontecimentos? Claro que ai entra o papel da educação, da escola que é o transformar informação em conhecimento e essa tarefa é desafiante, principalmente quando o docente deve deixar lá fora dos muros institucionais, suas ideologias e seus idólatras. Fazer isso significa ajudar o discente a caminhar por um vale, ou melhor, por uma estrada lodosa em que tudo o que parece ser, pode não ser, já que a aparência esconde uma essência totalmente diferente, conforme Karl Marx (1818-1883) apresenta em seu clássico A ideologia alemã e, muito antes, o filósofo grego Platão externava em seu livro A República (http://www.eniopadilha.com.br/documentos/Platao_A_Republica.pdf).
Desta forma, para que o pantanoso ofício da escrita possa se transformar em algo não tão complexo assim é preciso alguma prudência, principalmente se o texto foi publicado em jornais – como este em que publico algumas coisas e observações –, na rede mundial de computadores, revistas científicas ou não, ou páginas de relacionamento na internet. Muitas vezes, a vontade é de escrever tudo o que se pensa e um pouco mais, entretanto, nem sempre o que se diz se prova, então, fica apenas no discurso e entre “amigos”, quando estes existirem. Então, a escrita deve se deter aos fatos e em suas consequências e, em seguida, emitir uma opinião sensata baseada nas ocorrências e em evidencias que podem ser comprovadas, principalmente no campo da Justiça. Sendo assim, o que disse certa vez Voltaire – [François-Marie Arouet – 1694-1778], filósofo francês enciclopedista e autor de diversas obras, entre elas, “Tratado sobre a tolerância” –, tem fundamento. Segundo ele, o sujeito não precisa concordar com o que o seu interlocutor está dizendo ou escrevendo, mas deve defender eternamente o direito de o outro se expressar. Seguindo esse preambulo europeu do século setecentista e iluminista, como dizer o que se pensa ou escrever o que se acha sobre determinada coisa, se a verdade é distorcida, ou melhor, o que é informado ao leitor é apenas o que os poderosos querem que a mídia publique?
Retomando Karl Marx e sua obra Liberdade de imprensa (2007), que trabalhou muito bem o universo da ideologia, segundo a qual, há uma inversão das ideias e ações na sociedade. O pensador alemão elenca várias situações em que as institucionais coercitivas – para lembrar Émile Durkheim [1858-191917] – propalam comportamentos, ossificando-os, quando a essência das coisas – não os fatos sociais durkheiminianos – é totalmente outra. Outro pensador alemão, Friedrich Nietzsche (1844-1900) tem várias abordagens filosóficas que podem auxiliar o ser que se pretende escrever algo a escudar suas enunciações. Na obra Origem da tragédia: helenismo ou pessimismo, o autor diz que na Grécia Antiga, o indivíduo tinha certeza da morte, mas como superá-la? Através da arte e do pensamento. Para o grego antigo, era preciso, de alguma forma, continuar existindo mesmo que o corpo físico jazesse em alguma sepultura. É possível usar esse pequeno apontamento na análise da categoria política presente? Fazendo as devidas mediações, sim! E isso pode ser feito através das observações dos discursos das autoridades a partir dos momentos significativos para a turba na polis, para o Estado e para o país.
Usando os recursos apresentados por Nietzsche, como é possível compreender que a passagem da Monarquia à República nada mais foi do que um sopro que mudou a nomenclatura dum governo e seu regime? Há diversas ferramentas para isso, mas vou me deter apenas no romance Esaú e Jacó, que Machado de Assis (1839-1908) publicou em 1904, portanto, 16 anos depois que o trono foi banido das cercanias brasileiras, deixando, no entanto, suas pegadas para as gerações futuras – dai a burocracia aristocratizada aliada à plutocracia que não me deixa equivocar na análise. No romance em evidência, o enunciador, um diplomata aposentado conta a história dos gêmeos Pedro e Paulo, sendo que o primeiro – médico formado pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro – monarquista e o segundo, advogado com passagens pela Faculdade de Direito de São Paulo – Largo São Francisco ou a SanFran como os antigos alunos a chamam. O interessante é que as duas personagens desta narrativa são encontradas no Novo Testamento e na história ficcional machadiana, ambos são filhos de Natividade e do banqueiro Agostinho Santos – tornado barão do Império por determinação de D. Pedro II. Se um romance pode dizer muito ao brasileiro do presente sobre o passado de seu país, o que se esperar duma consulta aos autos de diversos processos que tramitam na Justiça nacional? Simplesmente que o que se diz em palanque, não se confirma nos bastidores do poder brasileiro. Sendo assim, a escrita pode ser incômoda para alguns ou muitos.
Gilberto Barbosa dos Santos, Sociólogo político, editor do site www.criticapontual.com.br, autor do livro O sentido da República em Esaú e Jacó, de Machado de Assis; professor do ensino superior e médio em Penápolis; pesquisador do Grupo de Pensamento Conservador – UNESP – Araraquara e membro do Conselho Editorial e Científico da revista LEVS (Laboratório de Estudos da Violência e Segurança) – UNESP – Marília; escreve às quintas-feiras neste espaço: e-mail:gildassociais@bol.com.br; gilcriticapontual@gmail.com. www.criticapontual.com.br.