O ocaso do Brasil

Gilberto Barbosa dos Santos

 

O Brasil vive um caos pandêmico! Isso não é novidade para ninguém! Entretanto, fica-me a seguinte interpelação: pode-se dizer que há um derretimento do país, principalmente no campo das relações sociais e afetivas? Entendo que para responder, ou pelo menos equacionar, a questão que levanto, o caminho é longo, daí referenciar as linhas que se seguem a partir de uma obra clássica das ciências sociais no Brasil: O ocaso do Império, escrito pelo sociólogo Francisco José de Oliveira Viana (1883-1951) e está disponível gratuitamente no site da Academia Brasileira de Letras (https://www.academia.org.br/). No livro, o autor procura analisar a queda da Monarquia e o surgimento, de suas entranhas, da República, cujas consequências é a que temos hoje. Embora esse processo tenha ocorrido há mais de um século, analisá-lo é extremamente importante para que se compreenda se há subsídios que sustentem uma tese, segundo a qual, há no presente um derretimento do país por conta de situações que não foram solucionadas quando da queda de um regime e a ascensão de outro. Desta forma, se a Nação está em frangalhos e de joelho por conta da propagação de um vírus que não dá trégua, o que advirá dela quando a pandemia iniciar o seu arrefecimento, perdendo suas forças e os brasileiros começarem a colocar suas vidas nos eixos novamente?

Feitas as devidas ressalvas interpelativas, entendo que para afirmar ou negar haver no presente um ocaso brasileiro, se faz necessário buscarmos no pretérito nacional subsídios para se entender o presente e, talvez indicar uma postura diferente objetivando o processo de reconstrução deste país e que seja pela via democrática, nunca pela autocracia e ditadura – já houveram outras e o Brasil continua nadando na lama produzida pelo próprio ego da maioria dos moradores: então nada de totalitarismos teologais e sebastianistas de qualquer estirpe. Se isso é fato, conforme já avento aqui há algum tempo em minha narrativas, dialogando com aqueles que se aventuram em acompanhar um quantum do meu raciocínio sobre a lógica perversa que domina essa país a partir de uma ordem estamental que se reorienta objetivando alcançar espaço dentro da ordem global de mercadorias, é preciso que haja uma correta, ou pelo menos, coerente interpretação desta Nação que emerge da Monarquia e se, de fato, tudo o que diz respeito ao antigo regime foi eliminado conforme a República ia se fortalecendo durante o século XX. Interessante notar que, logo em seus primórdios, o novo regime foi conduzido com mãos de ferro pelo Marechal Floriano Peixoto (1839-1891). Sobre ele e seu governo tem várias obras, entre elas Os radicas da República, da historiadora Suely Robles Reis de Queiroz. Há ainda o romance de Afonso Henriques Lima Barreto (1881-1922): Triste fim de Policarpo Quaresma. Enfim, quem deseja saber os por quês de hoje, deve mergulhar na consciência pretérita desta Nação e entender porque nem a República e nem a Constituição de 1988 foram capazes de eliminar o passado, deixando cadáveres insepultos que assombram o presente ameaçando apagar o futuro brasileiro.

Creio que o ocaso da atualidade não tem somente respaldo na pandemia. Lógico que o vírus agravou e muito a condição econômica e sanitária do país. Todavia, quiçá as dores daqueles que perderam seus entes queridos para o covid-19 e outros que amargam severas sequelas, é preciso entender porque temos um governante que atropela todas as medidas que vem sendo adotada desde o início dessa problemática toda, isto é, desde março do ano passado. Todas as provas, todos os cientistas e protocolos do mundo dizem o que é necessário fazer, e este chantageia os governadores, apresenta dados manipulados para passar uma suposta veracidade a algo que os próprios chefes dos Executivos Estaduais contestaram veemente. Há algo de muito podre nesse reino brasileiro que almeja ser republicano, como diz o adágio popular. Se não bastasse um Executivo Federal trôpego, há um Legislativo – instalado na capital do país – que tenta empurrar goela abaixo aberrantes alterações na Constituição Federal para proteger seus membros da legislação e do STF (Supremo Tribunal Federal). É importante acrescentar nesse meu raciocínio que, tanto no Senado Federal quando na Câmara – inclusive o próprio presidente tem uns processos tramitando na Corte Suprema – há integrantes investigados pelo Supremo. Acresce-se a isso o fato de que o impeachment de um membro do Judiciário, em sua instância superior, só pode ser solicitado e aprovado pela Câmara Alta, ou seja, o Senado.

Posto isto, fico com o seguinte questionamento: por que o flagelo brasileiro está nessa proporção? Primeiro, de acordo com os organismos internacionais do setor de saúde, enquanto a contaminação no mundo cai, aqui ela aumenta. Qual é a problemática, isto é, por que isso está acontecendo? Há um ano que se fala das medidas de prevenção, uso de máscaras, álcool gel, distanciamento social, no entanto, a coisa não funciona. Essa situação me faz vos perguntar, meus caros leitores, qual é a emoção que um sujeito, que se pretende social e almeja viver de forma congregada com o seu semelhante, tem ao não respeitar as regras definidas cientificamente objetivando a manutenção da vida em próprio núcleo social? Qual seria o papel do medo? Será que, ao não aceitar os condicionamentos impostas pelas autoridades sanitárias, essas pessoas estariam invertendo a dinâmica do medo? O pensador dinamarquês Søren Kierkegaard (1813-1855) afirma em um de seus significativos escritos, de linhagem existencialista, que o homem tem medo de ter medo. Penso essa questão de forma provocativa, como é próprio da Filosofia, induzir o sujeito a reflexão e não a certezas e dogmas. Talvez a problemática esteja justamente nessa questão: tentar fazer com que dogmas teologais prevaleçam sobre o universo científico, como acontecia na Idade Média.

Como adentrei no campo da perspectiva filosófica, entendo ser necessário, meus caros leitores, que não se vislumbre o universo futuro a partir do senso comum, isto é, do ouvir dizer, ou através de mensagens e demais conteúdos não checados, mas espalhadas aos borbotões pelas redes sociais. Desta forma, creio que há vários escritores que dão conta de explicar, mesmo usando o campo ficcional, fornecendo aos cidadãos elementos que os permitam vislumbrar um amanhã levando em conta os fenômenos sociais pretéritos. Por exemplo, gosto muito do olhar machadiano segundo o qual, muitas coisas foram alteradas no Brasil oitocentista, principalmente no que diz respeito à troca de regime, entretanto, os hábitos se mantiveram. Se Machado de Assis (1839-1908) está fazendo alusão à mudança da Monarquia para um novo sistema no século XIX, o que escreveria ao ver que as mesmas práticas propaladas e usadas em campanhas eleitorais como marketing político continuam presentes na atualidade. Há vários fatos: 1989 Collor de Mello foi eleito como o Caçador de Marajás; em 2018 o atual governante chegou ao principal assento do Palácio do Planalto vendendo a mesma mercadoria enferrujada ofertada aos eleitores no final da década de 80 só que com outra roupagem: combate à corrupção e ser político antissistema. Não se pode esquecer do tríplex e agora a mansão. Confesso-te meu caro leitor que não vejo como acontecerem coisas diferentes, se o eleitorado continua votando do mesmo jeito e acreditando nas mesmas pífias promessas de outrora.

Em linhas gerais, o pensamento de Oliveira Vianna pode levar o leitor atento a entender uma das facetas da queda monárquica e a acomodação da elite imperial em torno do novo regime. E, uma leitura feita com a devida acuidade sobre a história recente deste país, pode indicar as razões do ocaso brasileiro neste início de terceira década do século XXI. Assim como em 1921, o famoso episódio das “Cartas Falsas” colocou o Brasil em pé de guerra, num conflito entre os militares que compuseram o movimento tenentista e posteriormente a Coluna Prestes e o governo de Artur Bernardes (1875-1955), hoje o cidadão prefere acreditar no senso comum e em notícias falsas do que realmente no que diz a ciência. E a pandemia vai grassando, de corpo em corpo, enquanto o sujeito social não adotar as medidas restritivas para evitar um contágio maior e ampliar a propagação do vírus.

 

Gilberto Barbosa dos Santos, Sociólogo político, editor do site www.criticapontual.com.br, autor do livro O sentido da República em Esaú e Jacó, de Machado de Assis; professor no ensino médio em Penápolis; pesquisador do Grupo de Pensamento Conservador – UNESP – Araraquara e membro do Conselho Editorial e Científico da revista LEVS (Laboratório de Estudos da Violência e Segurança) – UNESP – Marília; escreve às quintas-feiras neste espaço: e-mail:   gilcriticapontual@gmail.com, d.gilberto20@yahoo.com,   www.criticapontual.com.br.

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