Sociedade do pleno desemprego

O título do texto desta quinta-feira bem que poderia ser outro, talvez, sociedade do pleno emprego, quem sabe!? No entanto, a dinâmica na economia brasileira nesse começo de ano é totalmente outra, o que me faz reportar alguns momentos significativos na minha formação enquanto cientista social, entre eles, a primeira aula que tive de Análise Econômica lá em 1990, quando o docente responsável pela disciplina lançou-nos dois desafios e, caso conseguíssemos responder com maestria os enigmas, teríamos presença pelo ano todo e a nota máxima. Interessantes questões foram apresentadas, como a que o “capitalista recebe de volta tudo o que gasta e o trabalhador gasta tudo o que ganha”! Por que ocorre isso? Perguntou o professor. A segunda interpelação dizia respeito ao equilíbrio entre oferta de produtos e o consumo por parte dos cidadãos e o setor produtivo. Por que as duas principais dinâmicas do mundo capitalista não estarão no mesmo patamar?

Antes de tentar ajudar os meus leitores a encontrarem um denominador comum para as duas interrogações, buscarei num passado não muito distante aqui mesmo nas páginas do INTERIOR em que já havia feito comentários sobre a questão da economia brasileira, inclusive apontando como a problemática forçava as portas do Estado para atendimento à população. Por exemplo, com as demissões que vêm ocorrendo, com lojas encerrando suas atividades, afetando diretamente o setor produtivo, o consumidor não conseguirá manter em dia alguns serviços particulares, que também são oferecidos pelos governos por meio das políticas públicas. Desta forma, amplia-se a demanda por essas modalidades, todavia, a qualidade que já era sofrível tende a reduzir ainda mais por conta da queda na arrecadação de tributos como consequência da redução de pessoas trabalhando e obviamente consumindo bens e serviços de primeiras necessidades, vamos assim dizer.

Mas essa realidade é pretérita, todavia, ainda temos governantes que a usam para justificar seus fiascos políticos e administrativos, pois seus desejos estão escoimados nos anseios de se manterem por mais quatro anos à frente dos governos, mesmo que para isso se utilizem de rosários e outros mantras que a sociedade e os sujeitos politizados estão cansados de ouvir e saber. No entanto, essa é outra temática que posso voltar a ela num outro momento, já para o presente texto, o meu escopo é justamente o de tentar entender qual é a sociedade capitalista brasileira que surgiu do entrevero político na base do governo federal? Sim, muitos dos correligionários da atual mandatária emitem juízos de valores segundo o quais o Brasil está no lamaçal econômico por conta da oposição. Mas que oposição? Eis a pergunta, portanto, antes de tentar culpar o outro, como é próprio daqueles que foram surpreendidos com suas digitais nos cofres públicos, deve-se observar a dinâmica da própria governança enlameada até o pescoço com atos corruptíveis.

Feitas essas ressalvais iniciais, penso que posso iniciar as linhas sequenciais objetivando compreender as perguntas feitas naquela aula inaugural de 1990. É claro que, calouros que erámos do curso de Ciências Sociais faltavam-nos bagagem e conhecimento teórico para atingir a meta proposta pelo docente. O conhecimento seria adquirido naquele próprio ano com o caminhar da disciplina e o que ficou possibilitou-me, no transcorrer do curso, entender o exato funcionamento da sociedade capitalista, sem, no entanto, dizer se é certo ou errado, pois fui fazer ciências sociais e não ideologia partidária e rezar dogmas e apregoar posições totalitárias e outras escaramuças apologéticas. Posto isto, é importante entender que a crise pela qual o Brasil passa, está longe de ser econômica, portanto, estruturada mais no âmbito político do que no setor produtivo, cujos empresários deixam de investir por falta de confiança no futuro e na credibilidade dos agentes políticos que a nação possui. Muitos podem tentar apontar o contrário, principalmente aqueles seres dependentes do protecionismo político-partidário e da máquina administrativa montada por esses governantes para manter uma massa alienante, porém, crente de seus altos níveis de politização, empregados na esfera pública.

Se, por um lado, o setor público está asfixiado pelo compadrio e práticas demagógicas que deveriam ter sido sepultadas quando da promulgação da Constituição Federal de 1988 e duma tentativa de se reformar a administração pública – muitos objetivam, outros esbravejam durante as campanhas eleitorais que o farão, mas a coisa continua do mesmo jeito ou até mais inflada pelos cabos-eleitorais e seus apaniguados -, por outro, a área produtiva e privada está no seu limite, já que os tributos, sem retorno adequado à população, estão cada vez mais altos e agora estão tentando emplacar mais um sob o slogan que é para salvar a combalida saúde brasileira. No entanto, não se vislumbra o retorno das fortunas desviadas dos cofres públicos por quadrilhas compostas por políticos e corruptos funcionários de estatais e outras autarquias públicas. Soma-se a esse caos, a famigerada Copa do Mundo de 2014 que todos afirmaram ser desnecessária a sua realização aqui no Brasil, como a Olímpiadas deste ano no Rio de Janeiro. Dois eventos que se perdem diante do quadro social que o país vive, entretanto, realiza-se o circo e dá-se pão a plebe amorfa, despolitizada e sem cidadania.

O setor privado produtivo, para manter-se vivo, inova constantemente suas tecnologias, objetivando redução de custos e ofertando produtos mais baratos para os consumidores. Mas isso é possível em um país que investe pouco e de forma caótica em sua educação? A ferramentaria se modifica, as máquinas potentes e mais dinâmicas requerem funcionários gabaritados para seus funcionamentos. Desta forma, aquele velho ferramenteiro que, no final do dia, tem sua roupa repleta de fuligem resultante da sua labuta no chão da fábrica, se não está fora do mundo do trabalho, encontra-se com os seus dias contatos, a exemplo do que aconteceu com o boia-fria que ganhava o seu sustento manuseando diariamente um facão que o desferia em miríades de moitas de canas nos canaviais espalhados pelos recônditos nacionais. Para onde foram esses sujeitos econômicos? Para além do consumo e do mundo dos penduricalhos, porém, alguns são assistidos pelas políticas públicas governamentais que funcionam em épocas eleitorais como moeda de troca entre o governante e seu grupo que querem ficar e o eleitor desejoso de continuar recebendo o benefício, enquanto aguarda a fábrica lhe abrir as portas. Todavia, é preciso ter claro que se hoje temos 7% da mão de obra desempregada, esta quando o mercado de trabalho retomar suas contratações objetivando alavancar o mundo produtivo, não encontrará colocação, pois a dinâmica do sistema, conforme o professor nos apresentou naqueles longínquos anos 90, avançou de tal forma que aqueles 7% tornaram-se obsoleto para o mundo do trabalho que se globaliza na medida em que o avanço tecnológico se multiplica em todas as esferas do planeta, de acordo com que nos dizia o saudoso sociólogo Octávio Ianni nas aulas de Teorias da Globalização no IFCH da UNICAMP.

 

Gilberto Barbosa dos Santos, sociólogo, professor em Penápolis. Pesquisador do Grupo Pensamento Conservador – UNESP e membro do Conselho Editorial e Científico da revista LEVS-UNESP. Escreve às quintas-feiras neste espaço: www.criticapontual.com.br. E-mail: gilbertobarsantos@bol.com.br, gilcriticapontual@gmail.com, e gilberto_jinterior@hotmail.com

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