21.
Márcio e Angélica despertaram para o novo dia com o som do telefone do editor chamando. Ao atendê-lo, o esposo ouviu a voz do general Alexandre lembrando-o do compromisso na hora do almoço. “- Vamos começar a nossa entrevista aqui no meu restaurante. Estou te aguardando para o almoço. Espero não se incomodar, mas tua sogra fez questão de estar pressente. Pode ser”, perguntou o militar.
Ainda meio atordoado pelo sono, o editor apenas confirmou, olhando para o relógio, observando que já passavam das nove horas, portanto, o compromisso com o entrevistado aconteceria dali a três horas. “- Combinado, meu caro. Acho que Angélica também quererá estar presente nesse almoço. Talvez uma conversa com o seu passado general, poderá ser útil a ela”.
Assim que desligou o telefone, Márcio foi puxado para a cama pela esposa que sussurrava. “- Não me diga que é um sonho e tudo o que vivemos ontem a noite foi real”. O esposo rindo, deu um beijo na esposa, informando que tudo foi autêntico e que dali para adiante nada mais seria como dantes. “- Agora vamos paixão. Temos trabalho a fazer”.
“- Não! Me deixa ficar aqui sentindo o seu calor, o seu amor, a sua paixão, meu Marzinho”, pediu a empresária num muxoxo.
– Bem que eu gostaria, vida, mas o general acabou de me ligar. Tenho uma entrevista com ele meio-dia. Almoçaremos juntos e tua mãe fez questão de estar presente.
“- Está bem amor, mas a noite eu quero mais daquele néctar de ontem. Nossa como foi divino”, concordou Angélica, de forma contrariada.
O casal entrou no banheiro com Márcio à frente, o que deixou a esposa com a pulga atrás da orelha. Ele sempre demorava mais para sair da cama. Debaixo do chuveiro, enquanto o beijava avidamente queria saber o que aconteceu para ele estar tão rápido assim para sair para a vida. “- Aqui dentro do apartamento não está bom comigo”, perguntou Angélica toda chorosa.
“- Ficar aqui contigo é a coisa que mais quero, mas temos uma vida lá fora para ser vivida e a noite voltarmos para o nosso mundo: só meu e seu”, disse o marido.
Ao ouvir isso da boca do esposo, a empresária o beija avidamente passando a mão em seu pênis, enquanto mordicava os lábios do editor. “- Não se esqueça: hoje à noite ele será todo meu e não quero nenhuma desculpa”, afirmou Angélica, deixando o marido naquela situação de nem solteiro e nem casado, apenas com uma ereção que deveria esperar até a noite para ser satisfeita pelo coração da amada.
Já prontos para o dia, ela perguntou onde o esposo queria ficar. “- Me deixe no apartamento. Tenho umas coisas lá para ajeitar e depois vou a pé para o restaurante do Alexandre. Marcamos meio-dia. Vamos começar a entrevista para o livro dele. O título provisório é “Da favela ao generalato”.
– E eu posso participar desse almoço?
– O general me disse que sua mãe faz questão de estar lá. Então falei de ti e ele não fez objeção. Então pode ser os dois casais. Olha só, Alexandre é metódico e ainda não acostumou a viver sem a farda, então, esteja lá meio-dia em ponto.
– Cruzes Marzinho!
Chegando defronte ao prédio em que ficava o apartamento-escritório, o casal percebeu que o carro de Tarsila estava lá e ela provavelmente trabalhando para que a editora fosse inaugurada dentro de quinze dias. “- Está vendo! Minha sócia já está no batente e eu aqui de prosa com a minha esposa gostosona”.
– O que é melhor? Estar em minha cama me aquecendo ou lendo esses livros todos aí que tu sonhas em lançar?
“- Bom! Essa pergunta é meio capciosa, mas dá para responder de costa e com os olhos fechados”, disse Márcio beijando sua esposa e saindo do carro,
Quando ele já estava na calçada só sentiu o encontrão dado pelo corpo de Angélica que o encostou na parede do prédio e o beijando novamente, mordendo seus lábios, disse: “- Quero-te inteirinho à noite e eu que chegue no restaurante e encontre alguém conversando contigo que não seja o general ou minha mãe. Te amo meu neguinho gostoso”.
Voltando para o automóvel, Angélica ainda ficou olhando para o editor até que ele desaparecesse no interior do prédio. Ela ficou ali mais um tempinho pensando quando esteve naquele local pela primeira vez, toda cheia de si achando que ia fazer e acontecer, colocar o repórter no chinelo, mas encontrou um homem curtido no álcool, completamente sem eira nem beira, porém, sem medo algum dela e de quem quer que seja.
Ligou o veículo, o colocando em movimento. No trajeto que fez até a sede de suas empresas, não escapou um nada de sua vida desde que encontrou com Márcio naquela manhã de domingo em que a chuva não dava trégua. Do nada, ela recordou daquele domingo à tarde no bar que montou para cuidar do irmão. Angélica tinha visto o homem sentado na mesa instalada no fundo do estabelecimento e se lembrou do jeito que ele a olhou, como quem não tinha visto nada, mas enxergou até a alma dela.
“Como não poderia amar esse homem que me viu inteirinha antes mesmo deu me apresentar a ele”, se perguntou a empresária com riso no rosto. Entrando no elevador, relembrou da primeira vez que sentiu a mão de Márcio, depois dele ter quebrado um copo na mesa da lanchonete porque tinha sido encostado na parede, ficando sem defesa por conta de sua história dele com Márcia.
Quando estava no corredor das salas da diretoria, Roberto e Fernanda notaram que havia algo diferente com a presidente e nem foi preciso perguntar os motivos, pois o brilho dos olhos denunciava tudo. Ela apenas disse ao diretor de comunicação que tinha que resolver tudo nas próximas duas horas, já que meio-dia tinha almoço com o marido.
Amadeu entrou logo em seguida abraçando a irmã, perguntando se os ventiladores do teto do apartamento dela estavam intactos. “- Por pouco não os destruo todos eles, meu irmão. Meu marido é genial. Obrigado por tê-lo como amigo e conseguido fazer ele me enxergar”, completou a empresária.
– Fico feliz por você, Keka. Está na hora de tu deixá-lo te fazer feliz. Todos os amigos dele sabem o quanto Marzinho é louco por ti. Mas agora mudando de assunto, temos umas coisas para resolver em termos de investimentos. Fiz um balanço e descobri que há algumas contas bancárias com dinheiro parado e você sabe, dinheiro parado é como água, perde oxigênio e apodrece, então quero discutir contigo onde podemos aplicar parte desses valores, deixando outros como reserva.
“- Já estão descontadas todas as despesas vindouros dos próximos dois meses”, perguntou Angélica. “-Sim. O dinheiro está lá e se não for feito nada, vamos depreciá-lo enquanto capital”, explicou Amadeu.
“- O que sugere, meu irmão”, inquiriu a presidente das Organizações Oliveira.
– Conversei com o financeiro e fui informado que há várias opções e uma delas, observando o que propôs a Fernanda, podemos criar uma linha de crédito para nossos funcionários. Desta forma, eles não precisarão se afundar em bancos. Podemos criar formas de amortizarmos os saldos devedores, caso eles sejam dispensados ou peçam demissão.
“- E como seria essa linha de crédito aos nossos colaboradores”, perguntou Angélica.
– Primeiro faríamos entrevista com cada um dos que desejassem os valores. Não seria usado para aquisição de novos bens, carro ou coisa parecida. A exceção seria para compra do primeiro imóvel e quando fosse para quitar dívidas, o dinheiro só seria liberado após eles passarem por uma educação financeira e acompanhamento feito pelas nossas empresas, de modo que os valores fossem aplicados para que deixassem de ficar endividados.
“- Quem teve essa brilhante ideia, Amadeu”, interpelou a empresária.
– A tua secretária que ouviu parte da minha conversa com Roberto que criará um sistema de comunicação entre as nossas empresas e os colaboradores. Ela entrou na conversa dizendo como a aquisição à vista do terreno em que será construída a casa que morará com Ricardo foi importante. Com as economias que fez e a poupança que os pais fizeram para o noivo, praticamente começarão a vida sem dívida alguma, exceto a que será descontada do salário dela.
– Amadeu, você acha que desses valores que temos, é possível fazer o aporte para presenteá-la com o terreno, sem precisar descontar mensalmente dos salários dela?
– Se não fizermos alarde, penso que sim. Podemos dizer que é o presente de casamento para ela das Organizações Oliveira. Você fala com ela agora ou deixa para depois?
– Já podemos anunciar agora. Ela ficará mais feliz ainda, pois a partir da semana que vem morará no apartamento do Márcio até a casa dela ficar pronta. Se souber que não terá os valores da parcela do terreno descontados do salário, ficará encantada e eu ainda me sinto em débito com ela. Transformei a vida dela num inferno por conta de ciúmes, achando que ela e o Marzinho tinham um caso.
“- Mas tu és boba mesmo. Não sei onde aquele jornalista maluco que me aporrinhava todos os dias em busca de uma história para aquele jornalzinho de quinta, poderia ter alguma coisa com Fernanda. Olha só para os dois: não combinam e se morassem juntos, não duraria uma semana”, disse o vice-presidente gargalhando em seguida ao lembrar do jeitão sisudo de Márcio.
– Consigo ver isso agora, meu irmão.
“- Observe que ele morava sozinho e ela também. Os dois poderiam ter economizado uma grana se dividissem o mesmo espaço, mesmo como amigos e isso nunca aconteceu e sabe por que? Porque ele era o prego no concreto de Fernanda e ela idem, mas bastou tu chegar e o mundo dele virou outro. A sua secretária é, antes de tudo, sua amiga”, explicou Amadeu já saindo para solicitar a presença de Fernanda na sala da presidência.
Ao ser comunicada oficialmente de que sua presença era solicitada na sala da presidência, Fernanda gelou, pois quem fez o anúncio foi Amadeu que caprichou na fala para provocar suspense na amiga. “- Fiz alguma coisa de errado, Amadeu? Eu apenas dei uma opinião sobre aquele assunto que você conversava com Roberto. Mil desculpas por ter interferido num assunto dos diretores. Sei que extrapolei por ser amiga do Roberto, mas aqui dentro não existe essa relação”, disse a secretária, exasperada com medo de levar bronca de Angélica e Márcio não estaria ali para segurar a onda, mas também ela não queria mais se colocar entre o casal.
Ao entrar na sala, Angélica percebeu o estado emocional da secretária e lhe perguntou o que estava acontecendo. “- Ocorreu alguma coisa entre você e o Ricardo? Você brigou com Marzinho”, perguntou a presidente que obteve como resposta um não, feito com aceno de cabeça por parte de Fernanda.
Ao olhar para o irmão, a presidente percebeu que havia algo e Amadeu tinha a ver com a história. Ficou com vontade de rir, mas aceitou a brincadeira do vice-presidente e começou a conversar em tom professoral.
– Acabei de saber que você interrompeu uma conversa entre o vice-presidente e o diretor de comunicação de minhas empresas. Lá fora tu és amiga do Roberto e de meu marido. Aqui dentro és apenas a secretária e tem que seguir todos os protocolos, do contrário, perderemos o controle sobre os demais colaboradores.
Fernanda ficou completamente sem chão e quando tentou falar alguma coisa, estava vermelha e desarmada quase foi às lágrimas. Amadeu abaixou e disse no ouvido dela: “- Bingo! Peguei você. Seu amigo ficou um tempão procurando minha irmã no fundo de um copo, até que ela apareceu num domingo à tarde e aprisionou o coração dele naquela torre onde ela mora”, afirmou o vice-presidente caindo na gargalhada.
Angélica não aguentou e começou a rir também. “- Desculpe-me pela brincadeira, mas é que temos um presente para ti e o seu casamento. Amadeu me disse que deste a ideia de criarmos uma linha de crédito aos nossos colaboradores nos moldes que te propus quando comprou o terreno para a construção de sua casa. Vamos nos reunir com o financeiro e você apresentará melhor essa ideia a todos eles, mas quero que saiba que já tem a minha prévia aprovação e o valor do terreno não será mais descontado de seus salários, pois é um presente de casamento das empresas para ti”, explicou a empresária que finalizou dizendo que sobraria mais dinheiro para ela no final, acelerando a construção da casa.
Sem pensar duas vezes e, com os olhos cheios de lágrimas, Fernanda abraçou a empresária, agradecendo o presente. Aquela ação era genial. “- Sei que és muito discreta e que somente Roberto, Márcio e seus futuros sogros saberão disso, mas procure manter isso tudo em sigilo”, disse Amadeu.
– Ricardo também saberá. Afinal será meu marido e não acho justo começar a relação escondendo coisas tão importantes quanto essas.
“- E você e ele? Como está o noivado? Parou de encanar com Márcio”, inquiriu a patroa.
– Angélica, posso te responder com outra pergunta?
Com a anuência da empresária, a secretária falou: “- E você parou de se preocupar comigo e o seu marido? Afinal somos amigos há mais de cinco anos”.
“- Querida se eu te falar que tudo é passado agora, estaria mentindo. Tenho enormes ciúmes do Márcio, mas não é só contigo e sim com todas, mas vocês têm me ajudado a enxergar tudo diferente e tenho certeza de que Ricardo está enxergando ou desejando ver a mesma coisa que eu: que tu e Márcio são amigos e apenas isso”, explicou a presidente das Organizações Oliveira.
– Naquele dia em que brigamos por causa do Marzinho, ele me falou que não te deixaria por nada nesse mundo e ali eu vi os olhos de um homem apaixonado e, sinceramente, queria que ele me amasse do jeito que te ama, mas isso nunca aconteceria e não vai ocorrer porque tem um homem que me olha do mesmo jeito, me tirando o ar, me dando brilho e eu só entendi isso quando a irmã dele me pediu para não ficar muito grudado com Márcio e o chamando de “meu Marzinho”.
– Ricardo te ama como eu amo Márcio, mas o comportamento de vocês dois nos deixa inseguros, mas os amigos têm feito coisas maravilhosas para todos nós. E quero tê-la sempre como parceira e funcionária. Precisamos, eu, Márcio, tu e Ricardo, fazer como Roberto e Danisa e meu irmão e Tarsila, nos fecharmos em nossos relacionamentos.
“- E conseguiremos, minha amiga”, afirmou com convicção a secretária.
Assim que Fernanda terminou de falar, o celular dela toca. Era Ricardo. A secretária pede licença para atender a chamada. “- Alô Ricardo. Aconteceu alguma coisa”, perguntou a noiva. “- Não amor! Sô estou te ligando para confirmar o almoço que combinamos. Eu, tu, minha irmã e Esdras”.
– Você passa aqui e me pega? Fico te aguardando paixão. Tenho uma novidade para te contar. Mas só pode ser pessoalmente, de modo que o nosso almoço terá uma importância maior.
– Sim. Te pego aí nas empresas.
Ao voltar para a sala, Angélica conversava com Amadeu, Roberto que parabenizou a amiga pelo presente e indicando que ela tinha uma missão pela frente. “- O presente ainda não terminou, mas não sei se devo te dizer. Se a presidente me autorizar”.
“- Claro que pode Roberto, afinal tu és diretor de comunicação e melhor do que qualquer um pode fazer essa oficialização”, informou Angélica.
– Amanhã teremos uma reunião com o pessoal do financeiro para exponha detalhadamente essa linha de crédito que ofereceremos aos nossos colaboradores e como o cargo de gerente financeiro está vago com os remanejamentos que fizemos, espero que aceite o posto e as contas que administrará.
“- É o seu teste de fogo, minha cara”, disse Amadeu rindo e acrescentando que adorou a intervenção de Fernanda na conversa dele com Roberto.
– Bom! Agora ao trabalho minha cara. Esse será o seu dia aqui nas empresas. Ficará com o Roberto elaborando esse plano direitinho e deslocaremos uma secretária júnior para ficar em seu lugar na parte da tarde de hoje e depois pediremos ao pessoal dos Recursos Humanos selecionar outra colaboradora.
Com essa notícia, a vida de Fernanda teria uma reviravolta total. Encontrou um homem que, apesar de certas manias um pouco antiquadas como aquele comentário que fez sobre Márcio, acenou com uma família para ela. Sabia que se impusesse seus valores e buscasse sempre o equilíbrio entre as duas querenças, conseguiria construir a felicidade no cotidiano e Ricardo era esse sujeito, como deixou bem claro na conversa que tiveram na noite anterior e ela se esforçaria para não enfatizar muito Márcio quando estivesse com o noivo.
Tentou segurar as lágrimas, mas não conseguiu se agarrando ao corpo de Roberto e chorando não sabia se pedia desculpas ou agradecia pela oportunidade de finalmente poder dar um rumo na vida. “- Obrigado Roberto por você e Márcio cuidarem de mim durante todo esse tempo. Os dois são uns pés-no-saco, mas são as pessoas que eu amo e tenho como minha família”.
Com esse comportamento de Fernanda com Roberto, Angélica pode entender mais um pouco o que significava a amizade entre os três. Eles funcionavam como um comboio de trem. Em algum momento, ela era a locomotiva, para em outro ser o Márcio e depois Roberto. “- Não sei quem eu chamo para serem meus padrinhos de casamento”, disse Fernanda muito emocionada.
“- Angélica, Márcio, Roberto, Danisa, eu e Tarsila”, disse Amadeu pedindo para que o enlace fosse logo, pois a sua esposa e a do diretor estavam esperando filhos e não sabia se daria tempo, pois a futura gerente pretendia se casar somente quando a casa ficasse pronta.
– Podemos esperar os filhos de vocês nascerem. Depois Ricardo escolhe os dele, mas já vou avisar-lhe que não quero ninguém daqueles amigos abestalhados que ele tem e nem que apareceram na cerimônia.
Todos riram e Angélica sugeriu os pais de Márcio, Débora e Esdras. “Se forem esses, acho que seja possível. Vocês acham que eu devo me casar só no civil ou dizer umas besteiras na frente do padre”, perguntou a secretária.
“- Sinceramente, penso que tu deves deixar os padres, pastores de fora de sua felicidade. Só o civil está ótimo”, afirmou Amadeu gargalhando. “- Por que o riso, meu caro Amadeu”, perguntou Fernanda. O vice-presidente tenta ficar sério, mas não conseguiu e acabou por dizer: “- Tenho aversão aos doutores da igreja. Eles são responsáveis pela miséria da humanidade quando, com discursos egoístas, tentam aprisionar o homem em dogmas ultrapassados. Por isso, o mais importante é você viver bem com Ricardo. Tenho certeza de que serão imensamente felizes como eu e minha Tarsilinha”.
Já passavam das onze e meia quando Angélica olhou para o relógio, ficando ansiosa e o irmão percebeu isso, chamando a atenção de Roberto que lhe perguntou o que estava acontecendo. “- É que vou almoçar com Marzinho e fico ansiosa com receio de que ele possa estar diferente”, explicou a empresária.
“- Mas é lógico que estará diferente. Do jeito que você chegou aqui hoje, imagino como ele deve estar lá no trabalho com Tarsila”, disse Amadeu.
– Roberto e Amadeu, fiz tantas porcarias que fico pensando como ele me aturou. Provoquei escândalos, espanquei a ex-namorada dele e ela quase foi exonerada do cargo, que fico pensando se ele não vai me abandonar.
“- Por que tu não trocas essa sensação, esse medo, pelo amor que tem a ele e receba tudo o que seu marido tem para lhe ofertar? E olha que conheço Marzinho há muito tempo, desde quando dividíamos o quarto no alojamento na universidade”, informou Roberto, tentando tranquilizar Angélica.
“- Que horas marcaram de almoçar”, perguntou Amadeu.
– Meio-dia.
“- Ainda falta meia-hora”, disse o irmão.
Enquanto os três dialogavam descontraidamente, Fernanda havia se afastado já que conversava com Débora sobre o almoço de logo mais. “- Meu irmão não quer ir em nenhum lugar que o seu pessoal frequenta. Ele deseja criar um espaço só nosso e eu concordo com ele, Fernanda. Podemos ser discretos e seguirmos as nossas vidas. Esdras também acha isso. Não é nada contra o Marzinho, mas também não aguento mais ver as nossas diversões girarem em torno do que ele e Angélica fazem”.
– Tudo bem, Débora. Fiquemos assim então. Onde está pensando em almoçar?
– Esdras disse que tem um restaurante muito bom perto do supermercado, inclusive o pessoal compra os produtos no estabelecimento deles e acha justo prestigiar. Na cabeça dele, devemos gastar com quem gasta com a gente. Então, acho que será interessante conhecermos o estabelecimento e nos distanciarmos um pouco do pessoal da empresa.
– Por mim tudo bem Débora. Aguardarei seu irmão aqui perto do meio-dia.
Quando Fernanda desligou o telefone, o trio quis saber com quem ela conversava e por ser muito transparente contou tudo e o que falou contou com a anuência de todos. “- Era disso que eu falava aqui para a tua patroa. Cada um se fechar no seu relacionamento e não deixar que nada atrapalhe. O mosquito não deixará de ser amigo de ninguém, mas se o conheço bem, quer privacidade para fazer minha adorável irmãzinha feliz e seguir discretamente a sua vida”, explicou Amadeu que, ao olhar em direção à porta de sua sala viu a esposa que o procurava. “- Estão vendo aquela moça ali. É disso que estou falando. Ela chegou quietinha e se eu não estiver onde ela espera, quererá saber porque o meu verso ficou com a rima errada”, disse o vice-presidente, berrando o nome da esposa.
Sem fazer alarde, Tarsila chegou perto do esposo e perguntou porque todo aquele escândalo. O mundo não precisava saber que ela tinha ido em busca do seu amor, bastasse que ele soubesse, pois era casada com um belo poeta, um trovador de primeira grandeza. “- Não estou dizendo a vocês. Olha como Tarsilinha quer privacidade. Como é egoísta e me quer só para ela e eu posso fazer o quê, se o meu sentimento é semelhante ao dela”, disse Amadeu, caindo na gargalhada.
Quando o casal ia saindo, Angélica perguntou onde os dois iam. Eles bem que poderiam almoçar com ela e o Márcio. “- Deus me livre. Fiquei a manhã toda com contigo e aguentei meu amigo mosquito por noites afins enquanto me enchia o saco por conta daquela porra de matéria que, de bom, só me trouxe aqui a minha paixão”.
Rindo, Tarsila disse que iam fechar a compra de uma casa. Amadeu não aguentava mais morar na mansão. Vivia tendo pesadelos e o imóvel tinha cheiro do Jovelino. “- Também acho que já deu para nós. Quero meu canto e Eleanora quer desocupar o imóvel para vocês finalizarem a criação da fundação. Acho que segunda-feira mudamos. Depois de adquirirmos a casa, pensaremos nos móveis”, explicou a sócia de Márcio.
Com a saída do vice-presidente e de todos os diretores que foram almoçar, ficaram Angélica, Roberto e Fernanda que pegaram o elevador privativo. Quando chegaram no térreo, Ricardo estava esperando e desejou saber por que o trio não saiu pelas portas da frente. Foi Angélica quem lhe respondeu: “- Ninguém precisa saber quem somos, mas apenas que as empresas estão aqui. Quanto mais passarmos despercebidos por todos, maiores serão as chances de obtermos sucessos naquilo que fazemos e não atrairemos pessoas que estão interessadas apenas no nosso dinheiro, status. É por isso que sou louca de amores pelo meu marido. Ele odeia aparecer”.
Com essa resposta, Ricardo entendeu mais uma vez que todos ali detestavam publicidade e que deveria seguir à risca os passos deles, do contrário, perderia a noiva. O pai já tinha lhe feito várias advertências sobre o fato de ser desnecessário ficar falando de sua vida privada com colegas de trabalho. Ninguém precisava saber onde a noiva trabalhava, quem ela era e os amigos e se tinham contato com a alta cúpula das Organizações Oliveira. “- É bico calado! Converse com eles coisas relativas ao trabalho. Terminou? Para casa. Tua noiva quer sua atenção. É com ela que vai construir o seu futuro e não com aqueles machos brochados dos teus amigos”, disse Romualdo numa noite enquanto assistiam jogo de futebol e Fernanda havia ido num chá de cozinha com Adélia.
“- Pai acho eles todos estranhos. Tem dinheiro para caralho, mas ninguém sabe deles. Dizem que vivem isolados, sem muito contato e ainda tem o Márcio que parece que se ajustou como a mão numa luva com aquele pessoal, arrastando com ele Fernanda e o amigo dele”, disse Ricardo enquanto ingeria um gole da cerveja que Romualdo havia colocado em seu copo.
“- E quem disse que é preciso ficar se exibindo, mostrando o que se tem? Quem gosta de aparecer com o rabo do gato que não se tem é aquele que quer dizer que tem algo, mas no fundo é um pobretão dependurado no cheque especial e cartão de crédito. Gosta de fazer festa com o chapéu alheio, pois vive espetado no sistema de credito, sendo comido por uma perna pelos bancos. Seus tempos de passeio no parque acabaram, a não ser que não queira ter Fernanda como esposa”, sentenciou o pai.
“- Claro pai que o meu pensamento está onde está o meu coração e ele é todo voltado para Fernanda, mas …”
– Não tem mais nada. Isso é tudo. Faça ela feliz e com certeza viverá em outro mundo. Dessa turma de frouxo que anda contigo, quem for seu amigo virá contigo sem que tu precises pedir ou falar alguma coisa. Agora aqueles que não tem nada para acrescentar em tua vida e tu na deles, seguirão os caminhos deles.
Quando Ricardo ia dizer mais alguma coisa, Romulado encheu novamente o seu copo dizendo que não podia beber mais, pois teria que levar a noiva embora. “- Olha só, meu filho. Que mulher hipoteca parte do salário para comprar um terreno e erguer a casa que quer morar contigo? Observe que ela disponibilizou toda a economia dela para concretizar um sonho com vc. Então, o seu universo é outro a partir de agora e tenho certeza de que sua mãe não vai gostar nada se deixá-la escapar por conta dessa visão machista do século passado que tu tens”.
Foram essas as recordações que Ricardo recuperou enquanto conduzia seu automóvel entre a sede da empresa que trabalhava à ao prédio das Organizações Oliveira. Quando estacionou o carro no local que a noiva havia pedido, recebeu de graça uma explicação da presidente como quem dizendo a ele que não expusesse ninguém do círculo de amizade da noiva.
Fernanda entrou no carro com os olhos brilhando, dando um beijo que misturava tesão com paixão, carinho e amor no que foi correspondida pelo noivo que sonhava com a noite em que transariam. Não queria pedir isso a futura esposa, mas esperava que acontecesse num momento específico só dos dois. “- Você conversou com a minha irmã e ela te falou onde vamos almoçar hoje e o que queremos fazer daqui para frente. Distanciarmos um pouco desse pessoal com o qual trabalhas e ela também. Queremos construir nossas vidas sociais, independentes de Marcio e Angélica, como fazem Roberto e Danisa; Amadeu e Tarsila”.
– Sim. Conversamos e está tudo certo, inclusive eu disse isso a Angélica, Roberto e Amadeu no que fui plenamente aprovada. Mas eu tenho algo mais significativo para te dizer, mas só vou falar se me prometer que ficará entre nós dois. Claro que sei que falará com a sua irmã e seus pais, mas fora dos três, não quero ninguém sabendo, até porque não vou me casar com o mundo e nem com seus colegas.
– Porra amor! Meu pai me dá chutes na canela por conta disso. Angélica acabou de me esfregar na cara que não é para ficar aparecendo e viver no anonimato, sem exibicionismo.
“- E para que tu queres aparecer, se já me encontrou e eu a ti”, perguntou a noiva. “- Você tem razão, minha paixão”, disse Ricardo pedindo que ela contasse a novidade e é claro a coisa não sairia dali.
– Uma coisa levou a outra e tudo terminou num lugar maravilhoso. Durante o café eu ouvi Roberto e Amadeu conversando sobre uns valores que estavam sobrando em várias contas das empresas e tudo isso porque Angélica ficava mais atrás do Márcio do que cuidar da companhia. O poeta perguntou ao diretor no que podiam investir, consciente do retorno dos valores empregados e, ao mesmo tempo, fazer um pouco de justiça social.
Enquanto dirigia, Ricardo prestava atenção no trânsito e no que a noiva dizia. “- Como Angélica liberou o dinheiro para quitarmos o terreno e os valores seriam descontados durante cinco anos em meus salários, então, eu entrei na conversa e propus que eles criassem uma linha de crédito aos funcionários que estivessem endividados e desta forma, fugiriam dos juros exorbitantes do sistema financeiro e as empresas teriam o retorno do capital investido e o funcionário trabalhando mais satisfeito”, explicou Fernanda.
“- E daí”, perguntou Ricardo.
– Bom! Amadeu falou isso para Angélica e ela me chamou para conversar, pedindo para eu explicar como isso funcionária. Eu disse em linhas gerais como a coisa poderia se proceder. Ela gostou e nos presenteou com o terreno, de modo que não terei mais os valores descontados no meu contracheque, sobrando mais dinheiro para aplicarmos na construção de nossa casa.
Ricardo ficou imensamente feliz e quando o automóvel parou no farol, ele aproveitou para beijar a noiva, dizendo que com isso seria possível terminar a casa antes do previsto, quem sabe, dentro de um mês ou um pouco mais. O noivo colocou o carro em movimento quando Fernanda afirmou: “- Agora vem a parte melhor amor. A partir de amanhã não serei mais secretária da diretoria”.
– Como é que é?
– É isso que você ouviu! A partir de amanhã serei gerente financeira das Organizações Oliveira e ficarei responsável por esse produto que criaremos para os colaboradores.
– Eu não acredito nisso amor! É sério mesmo? Você será gerente financeira do grupo todo? Meu deus do céu. Isso é genial. Então terei que me esforçar, preciso crescer também, imagina eu um relês tecnólogo casado com uma gerente financeira o que meus amigos vão dizer.
– Eu quero que eles vão tomar no cu. Se continuar com esse papo machista, pode parar o carro aqui e enfiar essa aliança no cu. Não vou me casar com aqueles seus amigos punheteiros de pica mole.
– Calma amor, também não é assim que a coisa se processa.
– É deste jeito mesmo. Depois você fica fodido quando falo do Marzinho. A mulher dele tem grana para caralho e observe se ele fica com essa frescura de que ela ganha mais do que ele.
– Eu sei que terei que me habituar a essa nova realidade como meu pai me disse, mas é que é tudo novo na minha vida. Estar noivo com uma mulher estonteante e não pode ir aos lugares que eu ia antes. Agora ela ocupará um cargo de destaque numa multinacional e não posso dizer isso a ninguém. Se coloca em meu lugar.
– Eu já me coloquei e é isso que te falei. Se for para continuar com essa conversa do século XIX, é melhor parar o carro. Eu solicito um transporte e almoçarei com Roberto e Danisa que realmente são meus amigos. Ao invés de você ficar feliz com a minha promoção, está mais preocupado com o fato de que vou ganhar mais do que tu.
– E que cresci num ambiente em que meu pai colocava tudo em casa.
– Isso foi lá atrás, hoje não tem mais isso. Não me casarei com homem que acha que precisa ser o machão, o fodidão. Não quero conviver com uma pessoa que vive me dando as coisas, mas com alguém com quem eu possa dividir dinheiro e sobretudo sonhos. Se não for capaz de ser esse indivíduo, acho melhor desocupar o meu futuro leito nupcial.
Chegaram ao restaurante e encontraram Esdras e Débora esperando. A futura arquiteta olhou para o casal e sabia que tinha algo complicado ali. Assim que se sentaram, a irmã de Ricardo chamou Fernanda para irem ao banheiro e lá ficou sabendo da conversa que Fernanda teve com o noivo sobre a promoção que teve na empresa e o comentário que ele fez. De dentro do banheiro mesmo, a futura cunhada ligou para o pai dando todo o serviço.
Débora a parabenizou pela promoção e pelo presente que desafogaria os seus salários nos próximos cinco anos. Enquanto as duas mulheres conversavam no banheiro, Ricardo levava a maior bronca do pai pelo telefone que, aos berros o chamou de burro, asno. “- Seu moleque idiota. Quem te meteu essas ideias de merda na sua cabeça oca. Ainda não percebeu que tua noiva jamais aceitará esse tipo de conversa sua ou de quem quer que seja. Tu ficas bronqueado quando ela fala do amigo, mas ele é a referência dela e não tu, seu imbecil. Não quero ouvir mais uma conversa dessas saindo de sua boca. Está me entendendo”, vociferou Romualdo.
Nem foi preciso dizer nada a Esdras que sacou que a coisa estava pegando pesado para os lados do futuro cunhado. “- Meu amigo. Não sei onde estou pecando”, disse Ricardo que obteve como resposta: “- Tua noiva não é qualquer pessoa. Embora tenha enfrentado uma barra, meu caro, foi muito bem assessorada pelo meu irmão e pelo Roberto. Só posso te dizer uma coisa: ou tu mudas essa forma de ver e querer o mundo, ou teu casamento não dura uma semana e ainda terá que morar num hotelzinho de quinta, pois teus pais não vão te deixar entrar em casa”.
Saindo do banheiro, Débora acalmou a futura cunhada, pedindo para ela ficar sossegada. “- Vamos almoçar e falarmos só da sua promoção e deixa meu irmão comigo, meu pai e minha mãe. Não desista dele, pois te ama muito, mas assim como o amor pegou Angélica de surpresa, aconteceu o mesmo com ele. E a tarde se concentre no projeto que apresentará amanhã aos diretores para avalizarem sua promoção”, disse Débora tranquilizando Fernanda.
Do outro lado da cidade, no restaurante de Alexandre, o general conversava amistosamente com o seu gerente-cozinheiro, amigo e responsável pelas compras. O militar tratava o funcionário como um filho que não teve e o empregado se sentia feliz, pois, desde que deixou o quartel, não havia se encontrado em lugar algum, mas agora estava feliz podendo fazer planos.
– Seu Alexandre obrigado pela promoção. Antes deu vir para cá, estava desempregado, pois o antigo bar-restaurante que trabalhava fechou e ninguém sabe explicar quais foram as razões, mas aqui sei que posso progredir fazendo o que gosto: cozinhar.
– Pedro, deixemos as formalidades de lado e usá-las quando a ocasião exigir. Daqui para frente use o simples você. Nos conhecemos há um bom tempo e tu já sabe como sou, então não precisa reinventar a roda, basta fazer o convencional. Claro que os pratos podemos inovar, mas aí me avisa que experimento antes.
– E o que está pensando para hoje?
– Receberei minha namorada, a filha dela e o genro. Aquele jornalista que vai me entrevistar.
– Ah sim! Eu o conheço! Vivia lá no bar e levando troça de um frequentador muito esquisito que usava sempre as mesmas roupas e bebia só uma marca de uísque. Era a mesma que sua namorada trouxe aqui umas caixas. General, o cara parecia meio doido e não falava com ninguém, chegava na mesma hora todos os dias, bebia a mesma quantidade e saia na mesma hora e comia sempre as mesmas coisas. Tinha uma loira gostosona que vivia lá perguntando dele. Ela era casada com uma negona bonitona que dava aulas na universidade.
Alexandre deu cordas para Pedro continuar falando o que achava da filha de Eleanora. “- Tinha um maluco lá que trabalha como garçom, mas diziam que era segurança dela. O sonho do cara era levá-la para cama. Vivia dizendo que o dia que a enrabasse, ela deixaria de ser sapata e passaria a adorar o pau dele. Todos zoavam ele dizendo que o máximo que conseguiria era se masturbar pensando nela”.
“- Quem era o cara”, perguntou o general.
– Chamava-se Rodolfo, mas um dia apareceu morto no meio do canavial e ninguém sabe dizer direito o que aconteceu com ele. Depois daquela notícia, todos começaram a tratar um jornalista diferente que vivia por ela e era o único que conversava com aquele amalucado que jogava xadrez sem tabuleiro. Era como se ele tivesse deixado de ser ferrugem para virar um ser dourado. Vai entender essa gente, mas depois tudo foi mudando. Aquele maluco desapareceu do bar, o jornalista também sumiu e o local foi fechado e eu demitido.
O general começou a gargalhar. “- Por que está rindo desse jeito Alexandre? Quando o vejo assim é porque está muito feliz ou aconteceu algo muito engraçado”, disse Pedro.
– Quando eles chegarem eu te apresento. Se bem que o jornalista tu já o conhece.
– Sim, mas de vista. Nunca conversei com ele no bar. Não podíamos entrar em contato com os fregueses e depois que o tal do Rodolfo achou que o repórter estava paquerando a proprietária, tudo ficou mais complicado.
Pedro foi para a cozinha preparar o almoço que seria servido para os dois casais. O general pediu que fossem preparadas carnes vermelhas, como picanha e maminha, frangos grelhados e peixe com muito legumes e verduras verde-escuras e uma garrafa de uísque e outra de vinho branco.
Enquanto Alexandre, sentado tranquilamente na mesa que havia preparado com esmero para o almoço-entrevista que seria realizada por Márcio, bebia um uísque da marca preferida por Amadeu, Eleanora chegou e ao perceber que o general estava completamente desligado saboreando a sua bebida, ficou em silêncio por cerca de dez minutos. “Realmente ele se parece com Márcio só que mais velho e se desliga completamente do mundo, como nada mais importasse além do que estava fazendo”, pensou a namorada.
O anfitrião só foi perceber quando estava colocando a segunda dose no copo e sem saber porque virou o rosto para os lados onde a presidente de honra das Organizações Oliveira estava. “- Oi amor! Faz tempo que está aí”, perguntou o militar da reserva, obtendo como resposta: “- Tempo suficiente para perceber como tu és parecido com meu genro. Vocês dois se desligam completamente do mundo e garanto que se caísse um avião a um quarteirão daqui nem perceberiam”, disse Eleanora chegando até o namorado e o beijando com amor e carinho.
– Se ele não fosse seu genro e sua filha ciumenta até a enésima potência, ficarei com ciúme desse Márcio. Aliás, acho que o cara deve ser genial, pois o Ricardo tem um medo danado de perder a noiva para o amigo e Angélica não pode nem pensar em ficar sem ele.
– É! Minha filha é doida pelo marido, mas eu a entendo. Depois que te conheci e comecei a observar como as outras mulheres te olham, tenho que ficar ligeira se não elas me roubam você.
Eleanora se sentou e neste momento Pedro chegou trazendo uma taça para ela e uma garrafa de vinho branco e, foi justamente nesse momento que o cozinheiro entendeu o motivo das gargalhadas do amigo. A namorada do militar quis saber o motivo da cara que o garçom fez, mas foi ela mesma quem completou. “- Pedro você foi nosso funcionário por cinco anos no Bar da Net, mas assim que o objetivo do estabelecimento foi alcançado não tínhamos porque mantê-lo funcionando”.
– Dona Eleanora eu não sabia que a senhora que namorava o general. Somos amigos desde os tempos que eu era taifeiro e ele oficial gabaritado, mas nos tratava muito bem sem essa coisa de patente. Sendo assim, sua filha que virá almoçar com o general é aquela que aparecia lá de tempos em tempos atrás do seu filho.
– Exato meu caro, mas vamos deixar esses pronomes de tratamento para quando a situação exigir. Quando estivermos sempre entre nós, use o formal você.
– Então as doideiras do Rodolfo por conta da sua filha eram verdades. Ele ficava puto porque achava que o repórter estava dando em cima da Angélica.
– É meu amigo Pedro, mas no caso ali, foi ela quem conquistou o coração do meu genro.
– Duvido! Do jeito que eu o via olhando para ela como quem não quer olhar já dizia que queria mais do que a simples amizade. Teve um domingo à tarde que ela apareceu lá atrás do Amadeu e o jornalista ocupando uma mesa no fundo do bar. Ele virava o copo na boca e o olho na sua filha. Digo isso porque estava saindo e fiquei no balcão enquanto Rodolfo conversava com ela.
Assim que Pedro terminou de falar, Angélica chegou com o marido e o cumprimentou jovialmente. Márcio olhou e teve a sensação de tê-lo visto em algum lugar, mas não se recordava e fechou a cara, pois não gostou do jeito com que sua esposa falou com o cozinheiro do general.
A empresária percebeu que o marido ficou incomodado e aquilo para ela foi uma festa. Internamente o seu coração se alegrou, sabendo que Márcio estava enciumado. Todos perceberam isso: o general e também a sogra que, rindo disse ao genro: “- Desamarre essa cara Márcio! Pedro foi nosso cozinheiro no Bar da Net por cinco anos e conhece Angélica há muito tempo. Ele sempre estava trabalhando em casa quando Jô fazia aquelas reuniões com os diretores das nossas empresas”.
Tentando disfarçar que não tinha ficado enciumado, o editor perguntou ao general quando podiam começar a entrevista. “- Com essa sua cara de bravo, de homem enciumado eu não concedo entrevista nenhuma e olha que comer emburrado assim, a comida que Pedro preparou para nós pode não lhe cair bem”, disse o militar gargalhando, deixando Eleanora excitadíssima, o que não passou despercebida pela filha.
“- Eu não estou enciumado”, disse Márcio.
“- Não! Eu é que estou”, disse Angélica completando que, pelo menos ela não escondia que morria de ciúmes do marido, agora ele ficava se segurando.
Pedro não ouviu o fim da conversa porque havia ingressado no restaurante para buscar um copo e uma taça para que Márcio tomasse seu uísque e Angélica acompanhasse a mãe com o vinho.
Depois que tomou a primeira dose, Márcio se soltou e pediu desculpas a todos. “- Não me controlei. É que fiquei pensando bobagens. Me desculpe amor”, disse olhando para esposa que ficou com os olhos mais esverdeados do que já estavam com aquela declaração de amor que o marido fez por meio do seu ciúme.
Enquanto mãe e filha colocavam os assuntos em dia, Márcio e o general iniciaram a conversa de como seria o livro e se poderia ser de forma romanesca com um narrador na terceira pessoa. “- Marzinho. Eu concedo a entrevista e vpcê monta lá como se fosse uma terceira pessoa. Não quero me expor e o dinheiro com as vendas do livro, desejo que parte seja revertida para a fundação que estão criando e a outra metade para a minha irmã. Pode ser assim”, perguntou o militar.
“- Mas por que o senhor não quer dinheiro nenhum das vendas do livro, general”, interpelou Márcio.
– Eu já tenho tudo do que preciso para o restante de minha vida. Aposentadoria que tenho como oficial é o suficiente para eu viver. Já virei sócio do supermercado dos seus pais, sem mesmo entender daquele troço e agora tenho esse restaurante que vou mantê-lo funcionando para que Pedro não fique batendo cabeças, procurando trabalho aqui e ali. Então o dinheiro do livro será bem aplicado na fundação que você me intimou a presidir.
– Para não atrapalhar o nosso almoço, vou deixar esse gravador ligado e tu vai contando a história. Se preferir pode ser de maneira didática, como os fatos aconteceram e o que falarmos hoje, eu escrevo e te mando por e-mail e você observa se está de bom tamanho.
– Certo Márcio. Acho que assim fica melhor.
Enquanto as duas mulheres eram servidas por Pedro, o general começou dizendo que nasceu na capital do Estado numa favela chamada Morro do Piolho que ficava na zona norte da cidade. Tinha uma irmã mais velha que auxiliava a mãe em tudo e o pai era servente numa obra na parte nobre do bairro. Durante a infância, a preocupação da mãe era não deixá-lo na rua, então a irmã Dolores cuidava dele quando voltava da escola.
“- Foi ela quem notou as minhas habilidades com matemática e sempre me estimulava a ir além. Ela vivia pedindo para eu decorar a tabuada, mas não fazia sentido decorar tudo aquilo. Era melhor entender como funcionava. Um dia ela trouxe uma daquelas impressas para eu ficar falando feito um papagaio até gravar tudo na memória”, disse Alexandre tendo como expectadoras a namorada e a filha que se alimentavam, mas não desgrudavam o ouvido da fala dele.
“E o que observou”, perguntou Márcio depois de ter mastigado um pedaço de picanha e engolido.
– Que aquilo tudo era muito fácil, pois a tabuada do um ao cinco se repetia também naquelas que iam do seis ao dez. Expliquei isso para a minha irmã que começou a tirar notas altas em matemática e ganhar brindes da escola e um dia ela perguntou o que eu gostaria de ganhar. Falei que se me trouxesse um livro igual aqueles que ela lia, seria bom.
Márcio ingeriu mais uma dose do uísque, enquanto o general disse que ingressou na escola no período da manhã e na parte da tarde ficava num pequeno armazém varrendo os corredores entre as gôndolas até que um dia uma senhora pediu para ele fazer umas contas lhe mostrando os preços de três produtos. Como ele acertou os valores, a cliente disse ao proprietário que o garoto era bom com os números.
O general contou que quando estava para chegar no colegial, seu pai foi assassinado por traficantes que desconfiaram que ele tinha alcaguetado um deles. “- Meu pai foi encontrado todo furado de balas e a partir dali nossa vida virou um caos, porém, eu continuava trabalhando no armazém e levava comida para casa, enquanto minha irmã ajudava minha mãe que começou a desenvolver problemas neurológicos”.
Passei a estudar a noite e foi numa das aulas que apareceu um pessoal falando de um cursinho que seria realizado na escola aos sábados à tarde para fazer os exames de ingresso na escola preparatória de cadetes do exército ou na academia militar.
“- Consegui fazer a inscrição e troquei meu horário de almoço para poder participar de pelo menos duas horas de aula. Assim que foi realizado o processo seletivo para a escola preparatória, participei, mas fiquei longe de alcançar uma vaga, mas fui informado que todos os anos eram feitas as provas”, explicou o general.
“- Decidi que era lá que deveria ingressar e fiquei estudando sozinho por um ano, enquanto terminava o colegial. Prestei para a escola preparatória e também para a academia e passei nas duas e optei pela AMAN. Enquanto eu estudava na academia, minha mãe faleceu e minha irmã tinha ficado sozinha naquele buraco do morro do piolho, mas consegui lhe arrumar uma colocação em Resende e ela ficou comigo lá”, contou o militar.
“General, durante a sua passagem pela escola militar o senhor chegou a vivenciar ou sofrer racismo de forma explicita”, perguntou Márcio.
“- Márcio. Racismo encontramos em todos os lugares e por vários motivos e lá não seria diferente, contudo, tudo o que se vivenciava acabava recebendo a tese de que fazia parte dos treinamentos para se tornar um oficial verde-oliva. Então não adiantava reclamar. O negócio era seguir em frente”, respondeu o militar da reserva.
“No primeiro ano, o cadete se dedica à Infantaria básica para todos os ingressantes e a partir do segundo ano na escola o aluno vai direto para a especialização que pretende seguir. Eu poderia ir para qualquer uma, mas gostei do ralo que tínhamos no curso de Infantaria e acabei seguindo até o final. No segundo ano tinha um instrutor que gostava de me provocar e sempre que estávamos em atividade daquelas mais complicadas, ele berrava bem pertinho do meu ouvido. ‘-Melhor vocês favelados voltarem para o buraco de origem. O Exército não é lugar para maricas ou homens que dormem em cima de fardos de maconha”.
“E o que o senhor fazia general”, questionou o editor.
– Fingia que não era comigo, mas sabia que ele faria tudo para eu desistir. Numa atividade de luta com cotonetes gigantes, o instrutor partiu para cima querendo me quebrar mesmo, mas eu consegui me livrar e acertei o nariz dele. Lógico que colocaram na minha ficha que eu poderia ter sido mais leve e isso me atrasou um bocado na carreira.
“- Tem isso também Alexandre”, quis saber Márcio.
– Tem sim. Por exemplo, quando o primeiro colocado no final dos quatro anos de academia estiver sendo promovido a Capitão, o último da classificação ainda será Tenente. Eles chamam isso de hierarquia intelectual. Eu fiquei do meio para baixo e por diversos fatores, mas isso não vem ao caso, pois tive que enfrentar muitas barreiras para estar lá entre os formandos.
Depois dessa fala, o general fez uma pausa, dizendo que poderia continuar em outro dia. Tinha ficado emocionado ao recordar daqueles tempos e da irmã. Então não tinha condições de continuar. Levantando em seguida, saiu em direção ao interior do restaurante no que foi seguido pela namorada.
O editor desligou o gravador, continuando a degustar o almoço enquanto Angélica se aproximou mais do esposo e, baixinho disse no ouvido dele que tinha ficado toda excitada por observar que ele não controlou o ciúme que sentia dela. “- Eu tenho ciúmes daquilo que é meu e que lutei muito para conquistar. Então, não quero te dividir com ninguém, nem em pensamento e nem com o passado. Por isso evito pensar nele, quero caminhar contigo sempre, meu amor”.
Enquanto Eleanora tentava acalmar o seu namorado que parecia uma rocha, mas por dentro era um cristal, Angélica pegou mais um pedaço de frango e outro de peixe, colocando em seu prato e enchendo o copo com vinho. “- Amor o que está pensando em fazer a tarde, depois que sairmos daqui”, perguntou a esposa.
– Vou cuidar da editora e a senhorita retornará para o seu escritório de arquitetura.
– Nossa que quebra tesão você é, hein Márcio! Estava pensando em enforcar a tarde para ficarmos só nos dois no apartamento olhando a tarde indo embora, mas do jeito que me falou, já secou tudo aqui embaixo e internamente também.
Assim que terminou de engolir o que tinha na boca, o editor se aproximou da esposa e, colocando a mão no meio das pernas dela, disse: “- Deixe-me ver isso”, e como ela estava de saia, Márcio já colocou os dedos dentro da vagina da empresária e, ao tirá-los, colocou na boca dizendo que o gosto estava delicioso, deixando a mais louca ainda.
– Não vi nada seco no meio de suas pernas. Mas um néctar delicioso capaz de nos levar ao paraíso em dois segundos. Te amo minha flor.
Com essa declaração, Márcio incendiou completamente todo o ser da esposa que não conseguia mais pensar em outra coisa senão o de tê-lo entre os braços e no meio das pernas, levando-a ao paraíso que ele tanto anunciava. Agarrou o marido lhe dando um tórrido beijo que só foi interrompido com a chegada de Eleanora.
“- Porra! Será que não podem deixar para fazer isso em casa? Dizem gostar de discrição, mas não perdem a oportunidade de exibirem toda a sexualidade do casal”, disse a sogra do editor caindo na gargalhada, completando a observação afirmando: “- Está explicado porque a Keka perdeu a cabeça quando te conheceu, meu caro genro. Continue fazendo minha filha feliz”.
– Desculpe-me pelos exageros, minha cara sogra.
“- O general não tem condições de continuar a entrevista. Nunca vi um homem desabar como presenciei meu namorado agora. Sem a farda, ele se torna um ser muito frágil”, explicou Eleanora.
“- Toda fortaleza tem o seu calcanhar de Aquiles e o general contará a sua história e revistará momentos tristes que escondeu atrás da disciplina militar e o seu verde-oliva”, explicou Márcio à sua sogra.
– Meu querido, agora eu entendo que todos nós temos os nossos mistérios, nossas narrativas que, se contarmos para alguém, somos nós mesmos que vamos à sarjeta. Convivendo com Alexandre entendo o que Tarsila significa para Amadeu e ela para ela e vocês dois. Sem o amor de minha filha, tu andas, assim como ela não dará um passo sem ti.
“- Exato, mãe”, confirmou Angélica.
“- Se quiserem ir embora, sintam-se à vontade. Cuidarei do meu general. Ele está precisando agora da amiga e não da mulher”, disse Eleanora com os olhos marejados por ter compreendido a alma de seu namorado.
– Mãe! Se precisar ficamos mais um tempo. Não temos pressa de ir embora e acho que o Marzinho precisa ter uma palavra com o Alexandre.
– Isso mesmo, Eleanora. Vou lá ter uma conversa com ele e já retorno. Me aguardem aqui.
O editor entrou no restaurante, indo direto para o escritório onde encontrou o militar com a cabeça sobre a mesa. Sentou-se e esperou que ele falasse alguma coisa. “- Desculpe-me Márcio. Achei que seria fácil rememorar essas narrativas do passado, mas reviver tudo aquilo me tirou do centro. Será que consigo ir adiante”, perguntou o militar aposentado.
– General, falar de coisas que a farda não nos protege é sempre difícil, mas faremos tudo no seu tempo. Entendo que seja interessante tu conversar sobre essas feridas que não cicatrizam, por mais que não desejas. Mas quero que saiba que está entre amigos. Agora se não almejas continuar, respeitaremos os seus limites.
– Obrigado meu querido, mesmo que tem uma parte minha que não acalenta tocar no assunto, existe aquela que precisa eliminar todas essas dores e o livro pode ser um canal para isso. Desejo continuar sim, mesmo que no caminho tenhamos que dar essa parada para minha alma respirar, enquanto desintoxica de tantas injustiças sofridas ao longo desses meus 52 anos.
Assim que Alexandre terminou de falar, a namorada entra na sala, desfazendo o que o genro havia lhe pedido, indicando que o general era mais do que aparentava ser na vida dela. Eleanora se postou do lado dele que estava sentado, colocando uma das mãos no ombro do militar, indicando que não ficaria sozinho.
“- Márcio com o que eu falei, dá para escrever alguma coisa? Espero que sim. Acho que com a sua escrita, tu podes dar cores ao primeiro capítulo. Será que na segunda-feira podes me mandar”, inquiriu o general.
– Sim. É possível, meu caro amigo. Deixe-me ir. Fique bem. Tu tens o meu telefone. Qualquer coisa me ligue.
Quando Márcio ia saindo da sala, Pedro entrou perguntando se podia recolher a mesa. Eleanora disse para ele ficar tranquilo. “- Pode ir descansar, meu caro. Volte no final da tarde para abrirmos o restaurante. Deixe que eu e o meu amor aqui cuidamos de tudo. O almoço estava ótimo, você foi genial como sempre”, disse a namorada de Alexandre.
Enquanto a conversa se desenrolava no escritório do estabelecimento, na área em que o almoço foi servido Márcio e Angélica conversavam e ele tentava, em vão, voltar para o trabalho. “- Em hipótese alguma. Vamos para casa, meu amor. Do jeito que me deixou, não conseguirei esperar até a noite. Quero comê-lo e ser comida por tu, minha paixão”, enfatizou a empresária, beijando o marido e passando as mãos pelo seu corpo, sendo surpreendida pela mãe e pelo namorado dela.
– Márcio! Pelo amor de deus! Leve sua mulher para casa e dê-lhe muito amor. Olha só como ela está doidinha por ti, meu querido genro.
Todos riram, inclusive Alexandre que havia acabado de chegar, em tempo de ouvir Márcio tentando justificar o injustificável. “- Meu amigo, só há um trabalho a ser feito nesse momento e se tu não fores realizar, esqueça nossas entrevistas daqui para a frente”, disse o general deixando o editor mais sem saída e sem graça.
Puxando o marido, Angélica ordenou: “- Vamos! Se não perderás essa excelente história que o general quer te contar e tu transformar em livro e olha que faz tempo que corres atrás de uma boa história para contar. A última te trouxe para os meus braços e minha cama”, disse a empresária toda feliz com o esposo.
Já dentro do carro, ela não resiste e ataca o editor, beijando, apertando, apalpando-o em todos os lugares em busca de algo quente e prazeroso. Angélica mordiscava os lábios do esposo, passando para a orelha, enquanto ele tentava controlar tudo, mas era em vão e o calor foi tomando conta de seu corpo. Quando ele avança as mãos sobre os seios dela, o celular da empresária toca e, quando ela atende, só escuta a mão dizendo: “- Se não estão no caminho de casa, devem estar aqui defronte ao restaurante. Portanto, nada de atravessar o sinal onde não podem. Já para casa os dois”, disse a mãe rindo às gargalhadas.
“- Não te falei Alexandre que eles não tinham saído daqui ainda”, disse a namorada ao general enquanto desligava o telefone, lhe perguntando em seguida se estava melhor.
– Estou sim querida. É que recordar tudo aquilo me foi doloroso, mas preciso continuar. É que bateu aquelas saudades, não só de minha mãe, mas também de minha irmã.
– Tudo isso vai sendo amenizado daqui para a frente. Como podes ver, meu lindo, não está mais só. Você me tem e aos nossos amigos, inclusive o Márcio que é uma pessoa singular.
Do outro lado da cidade noutro restaurante, Débora fez um movimento com o olho indicando desejar falar com o irmão que entendeu, dizendo que precisava tomar um ar. Fernanda e Esdras continuaram à mesa, enquanto o gerente supermercadista queria saber mais sobre a amizade dela com o irmão. “- Marzinho é um ser para lá de especial. Não tem nada de diferente, mas apenas uma pessoa com um diferencial singular. Não sei como era a convivência entre vocês, mas aqui entre nós três, sempre foi uma maravilha”, explicou Fernanda.
“- Então por que o deixou escapar, indo parar nos braços daquela doida da Angélica”, inquiriu Esdras
“- Porra cara! Tua mente é tão obtusa quanto a do Ricardo. Será que um homem e uma mulher não podem ser amigos? Será que nesse mundinho de merda que vocês vivem só existe a porra do pinto e da buceta? Cruzes! Agora entendo porque Márcio é especial; é meu leitor perneta e preferiu se esconder atrás dos livros. Conviver com gente da estirpe de vocês deve ser um puta pé no saco”, esbravejou a noiva de Ricardo.
– É! Ricardo tinha me dito que tu és direta, sem papas na língua e fala o que quer dizer.
“- Não preciso me esconder em rótulos, nem fingir ser o que não sou. Eu e seu irmão somos amigos porque há sinceridade entre nós e só não estamos juntos porque não vou estragar isso por conta de uma foda à toa e Marzinho não precisa ficar contando vantagem disso e daquilo e se ele está com Angélica é porque ela o merece. É uma pessoa genial. Tem lá suas doideiras como qualquer pessoa, mas encontrou um homem que estará com ela até o fim da eternidade. Será que você conseguirá ser isso para Débora”, perguntou Fernanda.
Com essa pergunta, a amiga de Márcio cortou qualquer tipo de intimidade com Esdras. Para ela, ele sempre será o irmão do Marzinho e terá apenas relações sociais, pois percebeu o quanto Esdras era retrogrado e com mentalidade do século XIX. Com isso, entendia porque o amigo era diferenciado e compreendia a ciumeira da esposa. Se ela estivesse no lugar de Angélica, defenderia o amor com unhas e dentes como fez quando surrou a ex-namorada do editor no banheiro do restaurante da família.
Na calçada do restaurante, Ricardo em silêncio escutava as vociferações da irmã. O pai já tinha lhe passado o corretivo e sabia que a noite a coisa seria ampliada. “- Seu débil mental. Onde está com a cabeça, seu idiota? Acho melhor tu ir dormir com aqueles seus amigos mentecaptos. Onde já se viu em pleno século XXI com esse machismo tosco. Preocupado com o que vai dizer para os retardados com quem anda quando souberem que tua mulher ganhar mais do que você. Tomara que Fernanda te meta o pé na bunda e aí tu brincarás com aqueles imbecis dos seus colegas para ver quem tem o pinto maior ou quem ejacula mais longe”, vociferou Débora.
– Ninguém vai ficar do teu lado, meu caro irmão e se ela contar para Roberto ou ao Márcio, tu estarás em más lençóis. Dou um puta dum trampo para ficarem bem e agora tua noiva foi promovida a gerente, ganhou de presente o terreno onde a casa de vocês serão construídas. Te dou o projeto de presente e o que fazes, seu merda? Vai ficar preocupado com os amiguinhos que rirão sempre de ti, seu mentecapto.
– Quer parar de me ofender. Eu só me expressei errado e não preciso que me diga o que fazer.
– Você tem razão. Você só pode expressar aquilo de que sua alma está plena, meu irmão. Tu não tens jeito mesmo. Merece uma vagabunda como esposa e depois te coloque um par de chifres bem grande na testa. De fato, Fernanda tem razão: Márcio e Roberto são mais homens do que tu. Não porque transaram com ela, mas porque a respeitam e a tratam com dignidade. Se ela precisar de um pinto, pode comprar um em qualquer sex shop dessa cidade, porque o teu, ela não quererá dentro dela em hipótese alguma.
“- O que queres que eu faça? Não dá para mudar da noite para o dia”, disse Ricardo de forma exasperada.
– Primeiro: torce para ela te perdoar mais uma vez. Segundo, que Fê não diga nada aos amigos e terceiro: se afaste definitivamente daqueles teus colegas e dessas suas ideias mentecaptas. Procure passar mais tempo com gente com mente arejada. Márcio e Roberto não são seus inimigos e não disputam a buceta de tua noiva contigo. Então deixa de ser moleque, criança mimada e dê a Fernanda o amor que ela merece. Uma significativa mulher.
– Me ajude irmã. Eu sei que Fernanda é tudo isso. Também compreendo que, por mais que me ame, pode estar no limite por conta de minhas infantilidades.
– Vamos marcar um jantar em casa hoje à noite para comemorar a promoção dela e ajeitamos tudo lá. Mas não espere rosas vindo dela, de nossa mãe e principalmente de Romualdo.
– Ele já me deu porrada e eu sei que ligou para ele. Mas de qualquer forma, te agradeço. Sei que queres apenas o meu bem e sabes o quanto adoro Fernanda. Mas deixar esses hábitos está complicado.
– Então assuma que tem o problema, converse abertamente com ela e lhe solicite ajuda, como Angélica faz com Marzinho. A relação dos dois é complicadíssima, mas sempre lidam com coerência e verdade sobre os problemas sem que ninguém saiba qual é o real empecilho, mas o marido está com ela e não fica com essas coisas arcaicas na cabeça.
Quando o casal de irmãos volta para à mesa abraçados, notou que o clima entre Fernanda e Esdras tinha esquentado, mas tanto Débora quanto Ricardo não se atentaram para isso, pois sabiam que tinham coisas mais importantes para resolver. “- Fernanda, vamos jantar em casa hoje para comemorar a sua promoção. Acho que um churrasco entre os três casais está de bom tamanho.