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Antes de pegarem a estrada, passaram num shopping para comprar algumas peças de roupas para Márcio e Angélica, pois o convite de Eleanora pegou todos de surpresa, exceto Judith, a própria matriarca e Amadeu. Naquele momento, a arquiteta percebeu que se não fosse firme, a sua futura seria um enrosco. Ela entrou na loja, olhando tudo e dizendo o que ficaria bom ou não no filho.
O jornalista olhava para a empresária que fechou a cara. Eleanora dava risadas e cochichava com Amadeu. “- Sua irmã encontrou um páreo duro. Quero ver como vai se sair dessa”. A arquiteta chegou perto e a mãe lhe disse: “- Vai lá cuidar do seu noivo. Se deixar, a sua sogra fará Márcio se vestir como um moleque e não como um homem”.
– Dona Judtih. Se a senhora não se importar, gostaria de mostrar uns modelos para o Marzinho. Posso?
– Ah! Desculpe filha. Eu sempre fazia isso para ele. Coisa de mãe.
– Vamos fazer assim. A senhora escolhe uns modelos e eu outros e deixemos que ele decida. Pode ser?
Márcio que estava perto da futura sogra começou a rir. Eleanora o cutucou. “- Estás fodido, meu caro genro. Se não se impor, essas duas vão fazer de sua vida um inferno”, disse a matriarca dando um tapa na bunda de Márcio que foi chamado pelas duas para escolher.
Para acabar com a festa, o jornalista disse: “- Eu vou escolher as minhas próprias roupas e espero que as duas não coloquem palpites”. Ao dizer isso, Márcio foi procurar umas peças e Amadeu andou rapidinho para ajudá-lo. “-Muito bem, meu cunhado”.
Angélica chegou pertinho e falou no ouvido dele: “-Se fosse a Fê você não se importaria dela escolher. Mas como sou e sua mãe que queremos te ver bem arrumado, você fica fazendo tipo”.
– Esquece a Fê! Ela não está aqui e quando me ajudava escolher as roupas, era outro momento. Eu não tinha uma general do meu lado querendo me conduzir. Agora eu quero escolher porque pretendo me vestir para uma pessoa muito especial. Tenho certeza que esse alguém não se chama Fernanda, mas Angélica que tem um ciúme maior do que a muralha da China.
Angélica se afastou de cara fechada. “- A senhora está vendo mãe! Tenho certeza que se a Fernanda estivesse aqui, com certeza ela escolheria as roupas para ele”. Para sacanear a filha, Eleanora lhe pergunta: “- Keka você está apaixonada por Márcio ou por essa Fernanda?”
– Por que está me perguntando isso?
– Eu desconfio que a perseguição a essa moça só pode ser amor ou o desejo de ser ela. O Márcio disse que são amigos. Por favor, não vai querer se colocar entre eles. Foi ela mesmo quem te pediu para amá-lo sem colocar coleira nele, lhe tirarando os amigos.
“- Não é nada disso mãe. É que acho ela muito dona de si e isso pode ser mais interessante para Márcio. Eu sou insegura, ciumenta, arrumo confusão por nada. Acho que ele pode se cansar”, tenta argumentar Angélica.
– Então deixe de ser assim e pronto. Confia no amor que tens por ele. Olha o que esse homem já suportou para estar aqui contigo. Até socou o médico que o examinava porque estava dando em cima de você. Queres prova maior de amor do que essa? Agora deixa de besteira e curta esse momento. Ele tomou a decisão de escolher as roupas para que tu e a mãe dele não fiquem brigando por bobeira.
Márcio entrou no provador e saiu, perguntando para Judith e Angélica o que acharam. As duas se entreolharam e aprovaram o visual do jornalista. Bermuda jeans e camiseta lisa. Escolheu três bermudas mudando apenas as cores e as camisetas e também umas cuecas.
Quando foi pagar sua mãe chegou perto e disse: “-É por minha conta, filhão. Estou muito feliz por te ver assim, arribado e aquela moça ali, realmente virou a sua cabeça. Ela é maluquinha, mas sei que te ama”.
– Obrigado mãe! Agora eu sei que vou até a Lua por ela.
Mãe e filho saíram abraçados da loja, enquanto Angélica estava com a mãe e Amadeu. Judith disse que ia ajudá-lo a fazer as malas para a viagem à Alemanha. “- Quando vocês voltarem, estarei aqui esperando para o seu noivado e quando forem oficializar a união, chamo seus irmãos. Se o teu pai não quiser vir, entenda-o, perdoe-o”.
– Mãe, meu pai pode ser a casca de ferida que for, mas é meu pai e eu sempre vou perdoá-lo. Ele tem lá o jeito dele e não sou eu quem vou mudá-lo. Espero sinceramente que ele pense o mesmo a meu respeito, pois eu o amo com todos os defeitos que tem e as qualidades. Se a senhora o ama assim, quem sou para apontar as manias dele.
Entraram no carro e em dez minutos estavam na rodovia. Depois de uma hora de viagem chegaram a uma bela propriedade. Angélica dá uma cutucada no jornalista. “-Amor! Isso que tudo será seu”. Ele respondeu de pronto: “- Mas quem lhe disse que quero? Essa propriedade é de vocês e fruto do trabalho do Jô. Eu não juntei uma caixa de fósforo que existe aí. Então, essa fazenda te pertence, também à sua mãe e seu irmão. O que construirmos depois do nosso casamento, aí sim será nosso”.
A arquiteta ficou surpresa com a resposta do repórter. Quando lá esteve com Rosângela, o comportamento da professora foi bem diferente do dele. “-Rosângela não pensava ou pensa assim”, disse a empresária. “- Acontece amor, que eu não sou Rosângela e não quero falar nada a respeito dela. Primeiro porque não convivi com ela tempo suficiente para emitir algum juízo. Segundo: se ela fosse tão importante para ti, não estaríamos aqui agora. Portanto, não quero falar dela, prefiro pensar em nós dois e como vamos edificar o nosso futuro. Quero fazer logo essa viagem e acabar com tudo e colocar uma aliança em minha mão, seja na direita ou na esquerda e poder andar livremente contigo pelas ruas dessa cidade”.
Judith, no banco de trás do carro, deu um apertão no ombro do filho, como dizendo que ele estava certo. Para ficar com a empresária, não precisaria falar mal da esposa dela ou de quem quer que seja.
Entraram na sede da fazendo e Amadeu já foi falando que ficaria num quarto com Márcio. “- Keka não adianta vir no meio da noite bater na porta do quarto, dizendo que está com saudade do seu Rei de Ébano. Eu não vou abrir e se ele o fizer, os dois vão ficar no sereno”.
Todos caíram na gargalhada, por conta da espontaneidade do poeta, mas que tinha lá o seu fundo de verdade. Todos acreditavam, inclusive a própria Angélica, que provavelmente aquilo iria acontecer.
Ajustaram os quartos e saíram para conhecer a propriedade. A empresária grudou em Márcio. Judith deu risadas, mas falou. “- Meu deus do céu! Mas que grude. Agora eu sei o perigo que Fernanda corre se atravessar o caminho dessa mulher”.
– Já que vou ficar sem ele em minha cama à noite, então durante o dia, ele será só meu e de mais ninguém e, se essa Fê aparecer, sairá daqui picadinha. Ainda não me acostumei com a ideia da amizade dela com o meu amor.
Márcio apenas riu, segurando a mão dela e a forçando reduzir a passada. “- Para que a pressa? Deixe elas irem na frente. Tenho algo mais belo e sublime para te mostrar. A não ser que não queiras”, disse o jornalista.
Quando as duas mulheres iam uns vinte metros à frente, ele disse baixinho. “- Vamos dar um perdido nelas. Me leve para o seu lugar especial nessa fazenda. Tem rios, cachoeira ou algo parecido por aqui?”
– No que o meu amor está pensando?
Márcio não respondeu, a puxando para si e a beijando com muita ternura e amor. Ação que fez Angélica sentir o corpo inteiro pegar fogo. O jornalista sentiu quando os seios dela ficaram com as pontas entumecidas e os pelos todos eriçados. Quando se afastaram, os olhos da loira estavam para lá de esverdeados.
– Amor! Não quero saber do tempo em que você esteve casada com Rosângela. Minha vida contigo começa quando fostes ao meu apartamento num misto de beleza, sublimidade e altivez. Apareceu como um raio e fazendo um barulho como os trovões em noite de tempestade. De alguma forma, naquele dia você soltou todos os parafusos que eu os tinha como certeza sustentarem a minha vida.
– Marzinho! Eu sei que sou difícil. Tenho noção exata do que eu preciso melhorar, não para tê-lo ao meu lado, mas para viver melhor comigo mesmo. Se eu estiver em paz com o meu eu, com certeza, serei a pessoa que você sempre buscou para seguir contigo nessa jornada pela Terra. A caminhada é longa e tu está me ensinando que o sexo não é a primeira coisa a ser equacionada, mas é uma parte importante da consolidação do nosso relacionamento.
– Quando te digo que não tenho pressa, isso não significa que eu não tenha necessidade dele, mas não quero que seja uma coisa só para me satisfazer, mas sobretudo que você se realize durante o ato e, desta forma, não será um jogo de dominação de um sobre o outro, mas de troca em que vou adorar sentir o seu prazer estando comigo e que tu possas observar o quanto me transmite paz. Não é para terminar e cada um virar para o seu lado e dormir. É para continuar, pois a energia sexual não termina quando o casal goza, mas permanece durante boa parte do tempo posterior ao ato em si.
– Obrigado querido. Tenho certeza que vamos atingir esse estágio juntos. Agora vem. Vou te mostrar o local preferido em que eu e Amadeu ficávamos quando vínhamos aqui, principalmente naqueles momentos em que meu pai nos trazia porque tinha reuniões de negócios e gostava de fazê-las aqui para impressionar os participantes.
Quando Eleanora e Judith olharam para ver onde o casal estava, não havia nem sinal dos dois. “-Deixe eles Judith. Eu nunca vi minha filha tão feliz assim. Tenho certeza que resolvido o problema com Rosângela, ela e Márcio se casarão e ela precisará dele, pois assumirá a presidência das Organizações Oliveira”.
“- Meu Marzinho não tem interesse algum nessas coisas, Eleanora”, disse a mãe de Márcio.
– Judith! Quando eu conheci seu filho no apartamento de minha filha eu o maltratei por conta da tonalidade da pele. E o fiz por conta de uns problemas pessoais meus. Eu só pude entender isso quando a Angélica me explicou quem ele era e o que fizera por meu filho. Nenhum homem que resgata seu filho da sarjeta pode ser tudo aquilo que eu havia lhe dito. Quando Jô morreu, ele foi com Angélica levando o Amadeu ao hospital. Pedi perdão a ele, esperandoque fosse ríspido comigo, mas fez totalmente o contrário. Afirmou-me que se dissesse ali que tinha me perdoada, estaria mentido e a última coisa que queria era ser hipócrita, mas explicou que talvez um dia pudesse fazer isso. Porém, desapareceu logo em seguida, sem dizer para ninguém para onde ia. Angélica ficou como uma doida atrás dele até que o localizou a mais de 400 quilômetros daqui. Ela o trouxe de volta. Sei que nunca vai me dizer se me perdoou ou não, mas vendo-o fazer a minha filha feliz, é o que importa. Ela perde a cabeça, briga, xinga porque o ama muito e eu tenho o meu Amadeu de volta. Sei que já me perdoou.
Judith anuiu com a cabeça, enquanto Eleanora continuava. “- Aquilo que falou para Angélica quando vínhamos para cá, já evidenciou tudo o que ele é: seu caráter, seus valores. Além de me ensinar que não devemos sentenciar ninguém pela cor da pele ou condição social e financeira. Se a pessoa desenvolve comportamento que nos desagrada, devemos nos afastar, sem dizer nada. Eu te agradeço por me dar um genro assim. Quem perdeu foi aquela boboca da Márcia”, finalizou a mãe da arquiteta.
Seguiram pela propriedade em silêncio, mas às vezes conversando entre elas e pararam embaixo de um abacateiro e se sentaram num banco. “- Eu e Jô gostávamos de ficar sentados aqui, enquanto eu tentava, de todas as formas, encontrar um lugar no coração dele. Mas tinha uma moradora lá que nunca saiu. Meu marido foi apaixonado por uma funcionária do pai dele. Era preta, assim como Márcio e Tarsila e, por ser assim e amar o homem, que tempos depois veio a se tornar meu marido, pagou com a vida. Nunca consegui substituir Lourdes no coração dele. Ele me deu dois filhos lindos e me amou lá do jeito dele. Eu só fui perceber isso quando Angélica, num almoço, me mostrou um Marzinho que não deixava ninguém ver. Esse homem que a senhora educou para ser marido da minha filha. Eu entendi o quanto fui ignorante e sei que não conseguirei harmonizar tudo, mas meus dois filhos estão me ensinando.
– Eleanora! Eu fico feliz em saber dessa busca pela sua redenção e também por ter aceito meu Marzinho como genro. Você tem uma excelente filha, mas ele precisará ter muita paciência. Angélica tem um gênio do cão. Mandona, quer sempre do jeito dela, mas isso é bom. Tira o meu filho da zona de conforto. Ele vai passar apertado na mão dela.
– Eu trouxe vocês aqui, mais para conversar com contigo sobre a cerimônia. Márcio detesta ser o centro das atenções, mas gostaria de dar uma recepção ao casal com poucos convidados, entre eles, alguns diretores de nossas empresas. Os dois amigos de Márcio: a Fernanda, que Angélica quer ver pelas costas e o Roberto e é claro, seu marido e os dois irmãos dele. O que você acha Judith?
– Sem muito rapapé, sem jornalistas, sem fotógrafos e apenas para registrar o evento, acho possível. E Angélica deve convidar o pessoal do escritório dela. Se não tiver muita gente e sem badalação, acho que Marzinho aceita.
– Enquanto eles estiverem na Europa organizamos tudo. Sei que vão ficar no máximo uma semana. Ela tem que sequenciar suas sessões de terapia e o Marzinho está indo junto, o que é muito bom para os dois.
– Verificarei com os meus e tentar dobrar Rogério.
– Se precisar eu converso com ele. Claro se você me autorizar.
– Fiquemos assim, se eu não conseguir, você entra em cena. Se quiser pode até falar que a vinda dele é o seu presente de casamento para o Márcio. De repente ele cede.
– Combinado Judith.
Enquanto as duas senhoras permaneceram ali admirando a natureza, Márcio e Angélica chegavam a um ponto da propriedade em que havia uma cachoeira. Sendo possível aos dois ficarem sentados debaixo de uma frondosa árvore, enquanto ouviam o barulho da água caindo e sol brilhava no céu.
O repórter encostou no tronco da árvore, enquanto a arquiteta sentava no meio de suas pernas. Ela passava a mão pela barba sempre por fazer. Márcio começou a fazer a cada dois dias porque sabia que a empresária gostava de sentir a pequena aspereza. Ele passava a mão pelo rosto dela, a beijando na cabeça. “-Amor! Se o mundo acabasse agora, eu deixaria de existir felicíssima”, disse a arquiteta.
– Ainda bem que não vai acabar e poderemos vivenciar esse momento por toda a eternidade. Não passa nada pela minha cabeça agora, apenas o desejo de te fazer imensamente feliz.
Entre o gorjear dum pássaro e outro, o casal deixou o amor circular pelos seus corações como se o mundo tivesse parado. “- Márcio, não sei o que farei sem você”, pergunta Angélica em forma de desabafo.
– Eu se eu fosse você pararia de se perguntar tanto e começaria a viver. Pelo menos é o que tento fazer agora. A minha ansiedade é voltar logo da Alemanha. Uns ficam angustiado, esperando a ida. Eu já quero a volta sem essa sombra da professora para poder curtir esses momentos contigo. Poder deixar que o amor que eu lhe tenho gera energia para essa cidade inteira.
– Amor! E aquela situação com os policiais? Como você está?
– Procuro não pensar, pois sei que não fui o primeiro e nem serei o último a sofrer aquele tipo de violência. Precisamos mudar as condições sociais e daí talvez alteremos um pouco a mentalidade do brasileiro. Não quero que minha situação seja utilizada como bandeira, penso que posso fazer e agir de outra forma. A editora pode ser uma delas, por exemplo, abrir espaços para a literatura negra e a chamada marginal.
– Adorei a ideia. Sem trombetas, trovões e raios, apenas com a garoa fina vamos molhando a terra e entrando no seu núcleo, a deixando pronta para que novas sementes sejam plantadas e novos tamareiros apareçam.
– Mais ou menos isso. Estou pensando em abrir um espaço para a Tarsila. Acho que não quererá voltar ao Brasil. Penso que ainda não esteja pronta para perdoar a sua mãe e não devemos forçá-la a fazer isso, mas pode distribuir esses livros para a editora na Alemanha e outros países da Europa. Por que se ela não voltar, o seu irmão não volta. Ele é louco por ela.
– É lindo o amor que ele tem por ela. Ah! Já mandei comunicado à Rosângela dizendo que sairemos daqui na segunda-feira.
Márcio fechou a cara.
– Está vendo!! Quando falas da Fê e eu fico possessa você tenta dizer que não é nada disso.
– Mas eu nunca me casei com a Fê, além de não ter tido nada com ela.
– Mas dormiu bunda com bunda na mesma cama. Vou lá saber se esse pau não procurou o buraco dela para se aquecer.
– Meu deus do céu Angélica! Acho que vou abrir um espaço para você em minha editora. A linha de livros se chamara “Memórias sexuais de uma arquiteta”.
– Por que não vai tomar no seu cu.
Ao dizer isso, Angélica se levanta rapidamente, tirando a roupa e pulando no rio. Quando já estava na água, chamou o jornalista, que ficou sem saber o que fazer. “- Tire a roupa e venha. Se eu tiver que sair daqui para te buscar, vou te jogar com roupa e tudo dentro do rio”.
Ele olhou para todos os lados, acabando por tirar a roupa e caindo na água para delírio da empresária. Ela ainda escutou ele dizendo que a água estava gelada. “- Então venha aqui meu neguinho. Deixa eu te esquentar com o meu amor”.
O que o casal não contava é que tinha alguém espiando os dois. Quando começaram a se beijar, o espião pegou a roupa dos dois e colocou nuns galhos mais altos da árvore.
Passaram em baixo da cachoeira, se beijaram outras tantas vezes e quando saíram da água, foram pegar as roupas e não as encontraram. “- Caralho quem foi o filho da puta que fez isso”, vocifera Márcio que estava só de cuecas e a arquiteta estava vestida com o conjunto de calcinha e sutiã. Ao olhar para ele, Angélica percebe o volume entre as pernas dele e tira o sarro: “- Meu deus do céu, mas esse homem que consegue ficar sem os ponteiros do relógio apontando meio dia!”
Márcio tentou colocar a mão na frente, provocando uma forte gargalhada na arquiteta que deduziu quem foi o autor da arte. “-Eu sei quem fez essas estripulias. Só tem uma pessoa e espero que ela não tenha levado nossas roupas embora”.
– Já sei! Seu irmão! Vou dar uns croques nele quando chegar a noite.
– A noite você não vai fazer nada disso. Vamos esperar todo mundo dormir e aí nos encontramos na sala sem acender a luz para não chamar a atenção de ninguém.
Quando Márcio levantou a cabeça para olhar o sol que já começava a arrumar as malas para partir, viu as roupas nos galhos de árvore. “- Olha lá nossas roupas. Bem coisa de moleque mesmo!”
O repórter teve que subir nos galhos mais robustos e pegar as peças e jogar para Angélica. Assim que ele desceu, se vestiram e voltaram para a sede da fazenda. No caminho encontraram Eleanora e Judith que ainda conversavam sentadas no mesmo banco e dando muitas risadas.
Quando o casal se aproximou, quis saber o motivo das gargalhadas. Eleanora explicou que falou à Judith o dia em que a arquiteta ameaçou tirar a roupa naquela rodoviária do Pontal, caso o jornalista não voltasse com a empresária.
– Meu filho! Você está bem arranjado com essa mulher. Tu que não cuida bem dessa moça, que apanhará de três: dela, da mãe dela e por fim de sua mãe.
– Cruzes! Três contra um é covardia.
“- O que são esses corpos molhados? Não vem me dizer que vocês entraram no rio? É perigoso”, disse Eleanora.
“- Fala isso para sua filha! Se eu não entro, me jogaria com roupa e tudo lá dentro. Por fim, um espírito de porco colocou nossas roupas nuns galhos de árvore”, tenta se explicar Márcio.
Todas riram da cara que Márcio fez. As duas senhoras se levantaram e acompanharam o casal até o interior da casa, onde começava a ser preparado o jantar. Quando Judith viu que tudo seria preparado num fogão a lenha, ficou toda encantada, indo em direção ao espaço e querendo ajudar de alguma forma: “- Não! A senhora aqui é visita. Se dona Eleanora vê-la aqui nos ajudando, perderemos o nosso trabalho”, afirmou a cozinheira.
Enquanto ela dizia isso a matriarca estava entrando. “-Se ela quer ajudar, a deixe fazer isso. Melhor! Vocês estão de folga pelo resto do dia. Podem ir para a casa de vocês. Eu, ela e minha filha vamos cuidar da comida hoje”, disse a patroa.
A cozinheira e a ajudante, que era sua filha, fazendo aquela cara de quem não entendeu nada, apenas tiraram o avental e partiram. Enquanto elas saiam, Angélica chegava. “- Filha! A comida hoje é por sua conta. Já que vai se casar com o Marzinho, ele tem que saber se a futura esposa sabe ou não cozinhar”, disse Eleanora
– Mãe! Que coisa! A senhora sabe como eu sou na cozinha.
– Venha cá! Se quer ser minha nora? Começamos agora. Eleanora, você permite ensinar a sua filha?
– Claro! Será ótimo jantar a comida dela.
– Então espere eu trocar de roupa. Estou com o lingerie todo ensopado.
Quando voltou vestia um modelo simples que chamou a atenção das duas senhoras. Eleanora perguntou: “- O que aconteceu filha? Nunca te vi com roupas assim?”
– Chama-se amor e consequências dum certo médico chamado Márcio. Receita dele e estou feliz com elas.
Márcio que passa pela porta da cozinha procurando por Amadeu, escutou seu nome e entrou no cômodo onde estavam as três mulheres. Ele abraçou Angélica por trás dizendo que havia escutado o nome dele. “- Quero saber o que o trio da minha vida falavam a meu respeito?”
“- Trio de sua vida?”, perguntou Angélica.
– Sim. Minha mãe! A sua mãe que fez você todinha para a minha vida. Três mulheres geniais que estão aqui para me fazer o homem mais feliz do mundo. Espero ser merecedor do amor delas.
A arquiteta se desmancha de amores pelo jornalista, até que este é expulso da cozinha por Judith. “- Sai daqui. Homem na cozinha é só para atrapalhar. Hoje quem fará o jantar é tua noiva!”
Márcio não aguentou a notícia e começou a rir. “- Credo amor! Já estava me concentrando para o seu jantar. Vou salgar sua comida!”
– Olha o que o médico recomendou. Nada de exageros.
Disse isso saindo às pressas da cozinha e gargalhando. Como estava com a cueca molhada do banho de rio à tarde, tomou um banho rápido e trocou de roupas, ficando ali na sala, pensando no projeto da editora e na ideia de fazer Tarsila uma espécie de braço da empresa na Europa. Enquanto pensava, o telefone de Angélica tocou e ele, inadvertidamente atendeu.
– Alô! Com quem deseja falar?
– Quem está falando?
Márcio percebeu logo quem era. “- Quero falar com a minha esposa!”.
– Um momento só que vou chamá-la.
O jornalista, pedindo desculpas a arquiteta por ter atendido o telefone dela, disse que Rosângela queria lhe falar.
– Pode falar!
“- Quem atendeu o seu telefone”, quer saber Rosângela.
– Um funcionário do escritório.
“- Pensei que fosse aquele jornalista abelhudo”, alfineta a antropóloga.
– O que você quer?
– Você vem segunda-feira mesmo?
“- Sim! E providencie que Tarsila esteja aí em Berlim. Estou levando o meu irmão. Ele só fala nela”, explica Angélica.
“- Virá mais alguém contigo”, questiona Rosângela.
– Por que a pergunta?
– É que tenho um monte de fotos suas aqui passeando com aquele repórter de quinta do jornal ai da cidade.
– E dai?
“- Não conversarei sobre isso pelo telefone contigo. Nos falaremos pessoalmente”, justifica a antropóloga.
“- Por que demorou para me responder logo quando chegou aí em Berlim” questiona a arquiteta.
– Vai começar o interrogatório?
– Está bem Rosângela. Assim que chegarmos aí, temos muito o que falar e resolver a nossa situação.
Ao desligar o telefone, Márcio percebeu que a arquiteta estava diferente. E perguntou o que foi? “- Como ela se apresentou quando falou contigo, Márcio?”.
– Te chamou de esposa.
– Porque não disse nada?
– Porque enquanto vocês não terminarem tudo, ela continua sendo de fato, sua esposa! O que eu posso fazer de diferente?
“- Desconfio que ela sabe, de alguma forma, que estamos juntos e disse isso para te testar. Também sabe que eu não deixo ninguém mexer nos meus celulares”, explicou Angélica.
– Não vamos contaminar nosso final de semana por conta disso. Segunda-feira viajaremos e colocamos uma pedra em cima desse assunto, mesmo que você queira ficar com ela.
– E sem você? Nunca!
– Agora vai lá preparar o meu jantar. Hoje estou faminto de várias comidas. E quero ficar no escurinho desta sala contigo.
Como Márcio a deixara tranquila, Angélica nem deu muita trela para as grosserias da antropóloga. Terminado o jantar, depois de muita conversa e barulhos de grilos e outras sonoridades que só existem na área rural, todos foram dormir.
Márcio esperou tempo até que só ouvisse o barulho lá de fora, saindo do quarto como gato, na ponta dos pés e Angélica fez o mesmo. Quando os dois estavam sentados na poltrona se beijando avidamente, a luz foi acesa. O casal levou um susto. Amadeu, Eleanora e Judith flagraram os dois burlando as regras e caindo na gargalhada. Foi o irmão da arquiteta quem falou: “- Eu não disse que esses dois não tem jeito. Eles encontrariam uma saída para desfazer o combinado!”
“- Os dois! Cada um para seu quarto. Será que não podem esperar pelo casamento”, perguntou Judith. Todos caíram na gargalhada e o casal saiu de fininho, cada um indo para o seu quarto.