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Assim que Angélica aparece com seu novo visual, Márcio observa o belo biquíni que a arquiteta colocou para aquele almoço à beira da piscina. Assim que ela passa por ele, recebe aquela olhada sem que um músculo da face do repórter seja movimentado, inclusive o próprio globo ocular.
Eleanora cochicha com a filha, a interrogando sobre a maneira como seu acompanhante a olhou, parecendo desnudá-la sem usar sequer uma das mãos. “- Agora a senhora entendeu a minha ciumeira toda. Se ele olhar assim para outra mulher na minha frente, eu não respondo pelas consequências”, explicou a arquiteta à matriarca de sua família.
– Filha! Posso estar enganada, mas duvido muito que olhará para outra desta forma, pois não te enxergou com os olhos da matéria, mas com algo que vem lá da alma, chegando ao coração. Os olhos são meros reflexos desse sublime sentimento expressado na beleza do olhar dele para ti. Não é fácil de perceber porque ele é muito discreto.
– Não sei não mãe. Fico sempre na dúvida, mas espero sinceramente que a senhora tenha razão.
Enquanto mãe e filha conversavam sobre o jornalista, este estava animado com Amadeu debaixo de um outro guarda-sol gigante. Assim que Angélica passou por ele, não demorou e o repórter se levantou, indo pegar uma cerveja e falar com ela. Antes mesmo de abrir a boca, a arquiteta falou primeiro em tom de pergunta: “- Já sentiu saudades meu preto?”
– Só vim sondar sobre o que as duas senhoras tanto conversam.
“- Assunto de mãe e filha e também de mulher”, respondeu Eleanora completando: “- Vai lá ficar com o Amadeu e o assunto de vocês. Aqui não tem espaço para as suas curiosidades jornalísticas”.
Mãe, filha e irmão caíram na gargalhada. Márcio deu um beijo em Angélica, voltando com sua garrafa para os lados em que Amadeu se encontrava.
– Márcio! Já posso te considerar meu cunhado? Minha irmã vai deixar aquela Rosângela? Rezo para elas terminarem. Não ligo se minha irmã esteja com homem ou mulher, mas me preocupa se ela não está feliz. Posso te afiançar. Keka não era feliz. Agora eu vejo os olhos dela brilharem e os pelos ouriçarem quando está contigo.
– Meu amigo, não posso te afirmar nada. Sua irmã é muito ciumenta. Não tem um dia que a gente não discute por conta do ciúme dela.
– Deixe-me te fazer uma pergunta. Você a ama?
– Sim!
– Então vá lá, a pegue de surpresa. Jogue-a dentro da piscina, pule também na sequência e quando ela emergir, lhe de um beijo daqueles de cinema. Surpreenda-a sempre. Faça isso e lhe observe a reação.
Márcio não pensou duas vezes. Chegou perto da arquiteta e pediu para falar com ela. Quando Angélica se levantou, o jornalista a pegou no colo, a jogando na piscina, pulando em seguida. Quando ela emergiu, Márcio já estava do seu lado, lhe dando um beijo, olhando profundamente para ela, dizendo: “- Te amo, minha adorável arquiteta. Obrigado por organizar meu coração”.
Enquanto a cena transcorria dentro da piscina, Eleanora e Amadeu davam gargalhadas. “- Seu louco! Eu poderia ter morrido afogada!”, disse Angélica, enquanto tentava sair da água e Márcio a puxando para si. “- Você tem razão! Estou louco por ti, minha esmeraldina Rainha diaba. Não vou a lugar algum sem a iluminação de sua alma e de seus olhos”.
Depois do espetáculo cinematográfico, quando os dois saiam da água, o repórter disse no ouvido da arquiteta: “- Sente o efeito desse biquíni na minha cabeça de baixo”. Quando Angélica passa a mão, fica toda vermelha, reação que não passou despercebida por Amadeu e Eleanora.
O churrasco foi servido. Márcio comeu uns pedações, sentando ao lado de Angélica, dizendo: “- No nosso próximo encontro, não quero ver mais essa aliança no seu dedo a todo momento me dizendo que está casada”. Beijo-a, pegando a sua cerveja, se dirigindo ao irmão dela.
“- Agora sim, começou a agir como alguém que quer tê-la ao seu lado. Vai por mim, Márcio”, disse Amadeu.
De onde estava, Angélica ficou com aquela cara de surpresa, perguntando à mãe se ela tinha entendido a ação do jornalista. “- Leia nas entrelinhas, minha filha. Acho que ele está tentando lhe dizer que lutará por ti até o final. Pode até perdê-la para Rosângela, mas batalhará para evitar o xeque-mate no amor que sentes por ti. Agora vê se não estraga tudo com seu ciúme exagerado”, recomendou a mãe.
Enquanto mãe e filha dialogavam, Amadeu e Márcio falavam sobre as tais cartas que mais pareciam contos, crônicas a um amor distante. “- Amadeu, você já pensou em publicar os seus rascunhos? Acho que deve ter muita coisa naquele apartamento que você morava”, indagou o jornalista.
– Eu escrevia e depois guardava no meio dos meus livros, mas um dia, em que cheguei em casa, tudo havia desaparecido. Aquilo me deixou sem chão. Perdi o tesão de escrever. Quando escrevia, pensava em Tarsila lendo e, depois de cada texto lido, tínhamos uma linda noite de amor. Os meus rabiscos sumiram, Tarsila evaporou, levando embora o meu tesão pela vida. Ai um dia ela apareceu do nada, meu prazer voltou, porém, os meus livros e textos se foram para sempre e ela voltou para o velho continente.
– Não digo hoje, mas que tal um dia iniciarmos a caça aos seus textos e livros e, quem sabe, podemos publicá-los. O que você acha?
– As duas Rainhas diabas ali vão deixar?
– Pode deixar comigo. Isso eu resolvo. Veremos se encontramos isso tudo!
Quando Márcio e Amadeu perceberam, Angélica estava do lado falando para os dois irem comer. Ambos pularam na água e ficaram naquela brincadeira de um afundar o outro. A empresária se dirigiu à mesa e Eleanora exclamou: “- Faz muito tempo que não via o meu filho feliz assim. Obrigado filha por ter me devolvido o seu irmão!”
– Mãe! Agora precisamos recuperar a família de Márcio. Eu vejo o quanto ele sente a falta de sua mãe e irmãos.
– Pode deixar, daqui a pouco a coisa começará a mudar. Só estou esperando uma certa mocinha agilizar aquilo que já é realidade dentro do coração dela. Quem sabe um noivado aqui na piscina não seja uma boa opção.
– Mãe! Seria interessante, mas tudo muito discreto. Sem jornais, fotos, colunas sociais. Sabe como Márcio é! Avesso a badalação.
– Está certo. Acerte-se com ele e depois vamos ver como tudo se processará. Uma coisa de cada vez.
Márcio e Amadeu se sentaram perto das duas, chacoalhando seus corpos e respingando água na matriarca e na empresária. O jornalista se esbaldou com a carne vermelha. A arquiteta só olhando, sem dizer nada. Para quebrar o sermão que Angélica ameaçava dar no convidado, por conta do excesso de ingestão de proteína animal, Eleanora começou a falar da mãe de Márcio.
Primeiro, perguntou se por ventura no noivado com Angélica, ele gostaria que a mãe viesse. O repórter respondeu que seria difícil porque havia brigado com o pai e com os irmãos por conta do episódio na véspera do quase casamento. Eleanora lhe disse que isso era fácil de ser resolvido, desde que este a autorizasse a falar direto com Judith. “-Sinta-se à vontade. Se a senhora conseguir convencê-la, pode ter certeza que seria um excelente presente de noivado que me ofertaria. Mas é claro que depois de me permitir casar com a dona desses olhos esmeraldinos”, disse o jornalista beijando os olhos de Angélica.
Passaram a tarde toda, dividida entre momentos na piscina e outros comendo. “- Amadeu, vem comigo escolher os sabores dos sorvetes”, lhe chamou a mãe. O filho obedeceu, mas disse a Márcio: “- Não vai embora. Temos sorvetes para a sobremesa e depois você janta conosco”.
Os ponteiros do relógio indicavam que o sol começava a preparar a mala para seguir para o Oriente. Angélica entendeu o recado da mãe e se sentou no colo de Márcio, lhe cobrando um beijo e agradecendo a tarde maravilhosa que conseguiu proporcionar, além de levar o irmão de volta para os braços da mãe. “- Eu não fiz nada. A responsável é a sua mãe que entendeu que a felicidade dos filhos vem antes da cor da pele, etnia, sexualidade, gênero e dinheiro. A mãe que verdadeiramente ama o filho, fica com ele o tempo todo. Olha só com https://www.youtube.com/watch?v=VXhRYNNSVrs o seu irmão está? Até parece uma criança de tão feliz com o carinho que sua mãe lhe devota!”
– Ela sempre foi assim com ele, mas rompeu os laços com o filho para não perder meu pai. Ela já o disputava com um fantasma e o racismo da família. Agora você entende porque somos assim.
Márcio deu um beijo na arquiteta, dizendo que dali para adiante não precisava mais ser daquele jeito. “- Nós podemos começar a escrever a nossa história. Duas pessoas em caminhadas diferentes, portanto, improváveis de se cruzarem, se encontram e se esforçam para fazer a coisa dar certo, surgindo daí um novo caminho. Muitos dizem que na ficção isso é possível, mas na vida real não. Eu não acredito nessa teoria, pois a ficção está encharcada de realidade. Então, o nosso real é o que se concretiza na sua continuidade, no etéreo momento seguinte.
– Qual é o seu real e o meu?
– O meu é aguardar você resolver tudo com Rosângela. Já o seu, você precisa me dizer.
Angélica olhou para o jornalista e tirou a aliança do dedo da mão esquerda, dando-lhe um beijo, dizendo: “- O meu real começa agora! Esta aliança não fez mais sentido onde estava colocada. Vou guardá-la para quando for resolver meu relacionamento com Rosângela. Por te amar muito, eu prometo controlar meu ciúme.
– Não prometa! Faça! Ter ciúme é bom. Eu gosto quando você fica enciumada, mas o tempo todo é foda. Se eu ver você conversando com alguém, pode ter certeza que vou chegar perto. Não falarei nada, até que me apresente a pessoa. Se for homem então.
– Meu deus, mas que homem mais enciumado que escolhi para ser meu marido!
Eleanora chegou dizendo aos dois: “- Não gastaram essas bocas de tanto se beijarem?” Angélica e Márcio se entreolharam e caíram na gargalhada com a arquiteta dando um cutucão no jornalista para que ele entendesse o que aquele sorriso provocava nela. A empresária afirmou que tinha que beijá-lo bastante porque a partir dali não se veriam com tanta frequência. Naquela noite, cada um dormiria em seus respectivos apartamentos. “- Simples assim!”, exclamou Angélica.
“- Vocês dois? Dormirem em casa separadas? Duvido! Do jeito que eu vi o Márcio dormindo em sua cama Keka! Esse negão não te abandona nunca mais”, afirmou Amadeu.
“- Tomara que você esteja com a razão, meu irmão! Que meu neguinho esteja comigo por toda a eternidade”, disse a arquiteta suspirando em seguida.
– Foi o que combinamos. Cada um em seu apartamento, meu caro Amadeu. Vamos nos ver algumas vezes por semana. Pode ser no horário do almoço ou para fazermos um programa a noite. Depois cada um em sua casa.
– Eu não combinei nada de algumas vezes por semana em te ver.
Amadeu e Elanora caíram na gargalha e o irmão dizendo: “- Olha minha irmãzinha já roendo a corda. Esse pacto não dura até amanhã cedo”.
A mãe foi mais pessimista: “- Não dura até o final desta sobremesa”, e todos caíram no riso.
– Então vocês vão ver. Não é Márcio?
O jornalista olha para a sua namorada e começa a rir mais ainda. Não tinha muita convivência com ela, mas sabia que o acordo não ia longe, então optou pelo silêncio. Melhor não dizer nada e se concentrar no sorvete. Quando abriu a boca para colocar uma colher cheia de sobremesa, Angélica enfiou a dela primeiro pedindo-lhe para experimentar o sabor que escolheu.
“- Não estou dizendo Márcio”, afirmou Amadeu caindo na gargalhada.
Eleanora propõe que todos se sentem na varanda, enquanto os empregados preparam um chá que tomarão como última refeição do dia. Márcio começa a repassar o que farão depois que saírem da mansão. Era preciso que o acordado antes de chegarem no almoço fosse realizado.
Amadeu perguntou para a mãe se o violão ainda estava lá. Ela afirmou que sim, mas que ia buscá-lo no quarto do som. O poeta afirmou que precisava ir ao banheiro. Assim que estavam sós, Márcio foi firme com Angélica: “- Amor! Hoje preciso dormir em casa. Quero pensar nuns projetos. Minha vida está parada. É necessário seguir em frente”.
– Vamos falar disso no final da nossa reunião. Não quero nem pensar na hipótese de não ter o seu corpo me aquecendo a noite toda.
A arquiteta falou isso e fechou a cara. Eleanora chegou com o violão e viu a cena, perguntando o que foi. O jornalista foi objetivo: “- A mocinha aí quer tudo do jeito dela e não pode ser assim. Mas depois definiremos isso”.
– Mas não ficou tudo combinado de vocês se verem algumas vezes durante a semana?
“- Seu futuro genro quer isso para sair com a Fê. Ficar até altas horas da madrugada com a amiga e depois irem lá para a casa dele para fazer não sei o quê. Vai lá, se embriague e depois durma no parque debaixo de chuva e espere a sua Fê te resgatar”, vociferou a filha saindo em direção a piscina.
– Eleanora o que eu faço? Se eu ceder, terei que fazer isso todo santo dia. Preciso planejar a minha vida. Não sei de quem sou funcionário. Se é dela ou do jornal?
– Calma meu rapaz! Vou buscá-la e trataremos logo dessa viagem a Alemanha.
Márcio ficou ali sem saber o que pensar. Entrou na casa, se serviu de uma dose de uísque, voltando à varanda, enquanto a anfitriã conversava com a filha turrona.
– Mãe! Ele me tira do sério! Por que quer fazer tudo do jeito dele?
– Keka! Entendo o lado do Márcio. Não é fazer do jeito dele, mas da forma como ele acha correto. Vocês não se desgrudam. Você marca em cima o rapaz.
– Mas eu tenho que fazer isso. A senhora viu o jeito que ele me comeu sem que precisássemos trepar.
Eleanora deu gargalhadas, concordando com a filha. “- Isso só demonstra o quanto ele é doido por ti. Agora deixe de graça. Volte comigo para começarmos a planejar a sua viagem à Alemanha para colocar fim a uma coisa para começar outra”, disse a matriarca puxando a filha pelo braço.
Quando chegaram à varanda, Márcio estava de cabeça baixa e com o copo pela metade em cima da mesa. “- Já vai começar a beber é?”, pergunta Angélica em tom de afronta e o repórter se mantém em silêncio. Para quebrar o clima e evitar uma discussão infantil provocada pela filha, a anfitriã pergunta aos dois quando pretendem viajar à Alemanha.
– Se depender de sua filha, dona Eleanora, ela irá sozinha e pode ficar por lá. Afinal, está casada com Rosângela e acha que eu sou mais um brinquedo no mundinho dela.
Angélica não pensa duas vezes e senta o tapa no rosto de Márcio que não revida, mas se abriga dentro da casa para controlar a ira, deixando que o silêncio fique como resposta a agressão que ela lhe deu.
A mãe da arquiteta não toma partido, pois já havia intrometido na discussão anterior e o rapaz foi parar num banco de praça, ficando todo molhado da chuva.
– Escuta aqui mocinha! Você vai entrar lá e pedir desculpas a esse homem que desde que te conheceu, vem aturando seus desaforos, suas agressões, ofensas, humilhações, enfim suas criancices. Se quer mesmo tê-lo como marido, acho melhor, a partir de agora respeitá-lo. Se te falou isso é porque deve estar de saco cheio dessas suas manias de querer mandar em tudo e em todos.
– Acho que aprendi com você e o meu pai!
– Se aprendeu, está na hora de desaprender. Se Márcio for embora por conta de infantilidade de sua parte, esquece. Fiz tudo o que podia para vocês ficarem bem, mas basta a coisa não sair do seu jeito para virarem cão e gato. Vai lá e traga ele aqui. Os dois vão para Alemanha o mais rápido possível e resolvam isso. Eu não aguento mais te ver sofrendo por medo de ser feliz, fazendo a pessoa que te ama infeliz, por conta dessa sua insegurança.
Angélica entra e vai até o bar, onde Márcio está enchendo seu copo com uísque. “- Minha mãe quer falar com nós dois”, disse a arquiteta. “- Se for para eu pedir desculpas a você, esquece. Não farei tal coisa porque não fiz nada de errado”, replicou o jornalista.
– A culpada sou eu. Eu que estou insegura com tudo, principalmente comigo mesma. Quero me esconder e não tem como. Quando paro para pensar, só me vem você no pensamento e no coração. É como se eu ficasse sem roupas. Você me deixa assim e eu não sei que roupa vestir. Tenho medo. Pela primeira vez, sei que contigo não mando nada, meu dinheiro não tem valor nenhum para ti. Não existe carreira e posto de comando que queira atingir. Você parece aquelas pessoas que ficam flanando de um canto para o outro, como se fosse cigano. Desejo que sossegue, mas não te dou chance de ficar parado planejando o futuro. Eu quero tudo para ontem, mas não consigo viver o hoje contigo. Por favor, me ajude. Já te pedi isso várias vezes, mas sei que não estou te deixando me ajudar. Mas ainda assim, não desista do nosso amor. Não deixe que eu estrague tudo.
Márcio não falou nada. Apenas seguiu-a para conversar com Eleanora.”- Meu rapaz, você tem passaporte?”, perguntou a anfitriã.
– Eleanora, eu não tenho porque jamais imaginei que um dia fosse viajar para fora do país. Também pensava que quando acontecesse, iria atrás, tirando o documento.
– Está certo! Verificarei o que faço. Depois eu te ligo. Acho que fica pronto dentro de uma semana. Assim que estiver de posse deste documento, por favor marquem passagem para a Alemanha e resolvam essa coisa toda. Senão alguém vai ter que levar uns tabefes para ver se deixa de ser infantil.
– Fico no aguardo de sua comunicação, Eleanora. Angélica, você pode me levar para minha casa. Quero descansar.
– Nada disso, meu rapaz. Os meus almoços sempre se estendem até à noite. Espere mais um tempinho. Faremos a ceia noturna e depois, se desejar tomar banho aqui e ir embora, tudo bem. Se não quiser, não há problema algum. Agora você me dá licença que vou levar um particular com essa mulher caprichosa aqui.
Márcio se afastou. Voltou para o bar, onde Amadeu já o esperava com aquele sorriso na cara. “- Meu amigo, minha irmã é gostosa, mas é uma mala sem alça. Ficar com ela é como chupar manga e tentar não se lambuzar. Ela é osso duro de roer. Mas mantiver o pau duro e não abaixar o mastro, será feliz com ela”, disse o poeta.
– Eu não sei mais o que fazer?
– Se tivesse me deixado bebendo minhas cachaças, garanto que não tinha caído nas garras da rainha má. Mas se tu conseguir transformá-la numa peça boa, quem sabe dá xeque-mate no rei que está na Alemanha.
– Meu amigo, estou para entregar os pontos.
– Aguarde um pouco. Ela está completamente sem chão. Aquele dia em que você a viu de lingerie conversando comigo, Angélica falava de ti, de suas qualidades, do homem que tu és. Ela achava que você nunca se apaixonaria por ela, pois vive em outra esfera da terra. “Ele até parece ser de outro planeta”, essas foram as palavras dela. E você sabe porque ela disse isso?
– Não!
– Por que ela viveu num mundo recheado de homens cafajestes querendo fazer casamentos arranjados pelo meu pai que desejava aumentar a sua fortuna e o sobrenome. Desejava que o nosso nome se juntasse a outro, formando uma grande família. Jô nunca se importou com os nossos sentimentos, somente com a porra da posição social e olha no que nós dois nos transformamos. Você, como ela mesma me disse naquele dia, foi a melhor coisa que aconteceu na vida dela. Inclusive depois que te conheceu foi que Rosângela começou a mostrar a verdadeira face dela, pois sentiu que minha irmã nutria um sentimento por ti que ia além do trabalho para o qual ela te contratou. Rodolfo tentou comer a minha irmã com uma conversa de que não havia homossexualidade feminina, mas mulher mal cantada.
– Eu não sabia disso.
– Tem muitas coisas que meu amigo não sabe. Mas acho que o mais importante é saber que aquela loura tiraria a Lua de órbita para ter você, fazê-lo feliz. Imagine uma mulher casada com outra mulher e do nada aparece um cara como você, mexendo com toda a estrutura dessa pessoa. Se coloque no lugar dela como vem fazendo comigo. Por favor, pela nossa amizade, dê um pouco de paz para aquele coração que não sabe viver sem você. Não deixe que o nosso dia, acabe de forma horrível, como sempre terminava quando éramos adolescentes e depois na juventude.
– O que eu devo fazer? Eu sei muita coisa, mas parece que estou falhando com ela.
– Apenas a ame, como Tarsila me ama! É só isso que precisamos. Vocês dois nos ensinaram que não precisamos do nosso dinheiro para sermos felizes. Não querem posições, não desejam nada, apenas serem felizes e é isso que desejamos também. Eu tenho certeza, aqui dentro, de que quando reencontrar a minha Rainha tudo será diferente. Pode passar o tempo que for, mas sei que serei feliz com ela. E quero que minha irmã tenha essa certeza contigo.
– Está bem Amadeu. Grato amigo!
Quando Márcio ia saindo com o copo de uísque na mão, Eleanora o chamou e já foi perguntando: “- Por que estava dormindo no banco da praça feito um indigente? Foi porque te expulsei da casa de minha filha? O senhor não é homem não? Minha filha está sem chão. Sei que és uma boa pessoa, então não precisa dar esse show patético”.
– Dona Eleanora. Ali eu descobri que não posso viver sem sua filha. Naquele momento, misturando minhas lágrimas com a água da chuva, entendi que não posso ficar segurando o passado, quando o meu futuro pede passagem e ele é com a sua filha. Mas tudo bem, a senhora tem toda razão. Acho que sei o caminho da saída.
– E quem foi que disse que é para sair desta casa? Ainda temos uma refeição para terminar e uma viagem para ser organizada. Por favor, não deixem que eu interfira no relacionamento de vocês dois. E pare de querer correr sempre que a chapa esquenta. Embora meu marido tenha sido um crápula, e carregava consigo uma dor terrível, um amor que nunca iria se realizar no plano material, nuca deixou de lutar por aquilo que acreditava. Certo ou errado, batalhava. E é uma pessoa assim que quero para os meus filhos. Quando queremos, ajustamos as coisas, quando não desejamos, arrumamos problemas. Espero que o senhor não seja dessa segunda estirpe. Agora vá, ela te espera e nós aqui dentro aguardamos, pois em uma hora será servido a ceia.
Quando Márcio ia se afastando, Eleanora disse baixinho no ouvido dele: “-Se você a ame, não afine”. O repórter ficou sem saber. Ela lhe dá uma tremenda ferroada e depois diz aquilo. “- Melhor eu seguir o meu vetor. Essa família é de gente doida”, pensou o jornalista se aproximando da piscina, onde Angélica estava deitada toda linda naquele biquíni que parecia cobrir tudo e deixava tudo a mostra para quem sabia olhar para aquela mulher.
Antes mesmo que Márcio chegasse bem perto da arquiteta, está levantou num salto e já o abraçando, chorando, implorava para ele não desaparecer. “- Não precisa me dizer nada. Minha mãe já acabou comigo. Ela está no limite com as minhas criancices com relação a você e o que lhe sinto. Como você mesmo disse: não prometa! Faça! Se tua paciência estiver acabando, vamos ver onde tem mais para vender: eu compro o estoque todinho para você”.
– Vamos entrar e terminar o dia! Vamos resolver nossos problemas em nossas casas. Sua mãe e seu irmão não precisam saber de tudo sobre nós. Tua mãe fez tudo o que foi possível, agora depende de nós, assim como Amadeu e Tarsila. Ah! Você está uma delícia dentro deste biquíni.
Deixaram a região da piscina abraçados, enquanto no céu, as estrelas clareavam tudo, sobretudo, a alma dos dois quase que nubentes. Nada seria fácil para o casal, mas estavam tentando equilibrar tudo. Quando chegaram na porta da casa, foram abraçados por Eleanora e pelo filho Amadeu. Fizeram a ceia quase que totalmente em silêncio, quebrado apenas pelas falas de Eleanora sobre os passaportes e os pedidos de vistos para os três entrarem na Alemanha. A viagem deveria acontecer no máximo em uma semana. “- Assim que estiver tudo certo, avise a Rosângela e diga a ela que o Amadeu quer ver a irmã dela”, recomendou a matriarca.
Terminado a ceia, o ponteiro já indica perto das dez da noite. Márcio estava exausto, optando por tomar banho em casa, pois assim que terminasse a higienização já dormiria em sua cama. Angélica ficou em silêncio, não queria começar outra discussão que não levaria a nada. “- Amanhã iniciarei a organização de nossa caça ao seu tesouro meu caro. Temos uma semana para encontrá-lo. Abraços amigo”.
Entraram no carro no maior clima. Márcio escolheu uma rádio que só tocava jazz e ficou ouvindo a música, enquanto Angélica prestava atenção ao trânsito. Nem bem andou cinco quarteirões e Márcio simplesmente apagou.