Sobras de um amor … parte II

19

 

         Como querendo exorcizar a primeira vez em que esteve naquele restaurante com Márcio, Angélica entra no estabelecimento desejando pegar na mão do amado, mas sabia que isso impossível naquele momento. Seria chamar muito a atenção sobre os dois. Qualquer foto ali indicando algo mais do que a amizade entre a dupla poderia lhe causar dificuldades em romper o relacionamento com Rosângela. Queria terminar tudo com ela e aí sim, publicamente desfilar livremente com o repórter. Ao falar isso com o jornalista, este aceitou de imediato, sugerindo deixá-lo na redação do jornal e depois se encontrariam no shopping.

– Nem pensar neguinho. Isso de permanecermos lá sem estarmos de mãos dadas não significa que vou desgrudar de você hoje. Você me deu muito trabalho nos últimos dias. Acho que mereço uma recompensa por isso. Ter a sua companhia pelo resto do dia, inclusive no jantar com a minha mãe. E amanhã cedo o senhorito vai comigo pegar o meu irmão e ficar com ele em casa enquanto ele volta aos poucos e somente depois contaremos a ele da morte do nosso pai.

– Meu deus do céu. Estou lascado. Onde fui amarrar meu burrico?

– No meu coração! Que lugar mais seguro para amarrar um burro teimoso que gosta de empacar nos momentos decisivos da vida?

Entraram no shopping rindo e Angélica acrescentou que haverá, durante o dia, um enfermeiro para auxiliá-los nessa transição, depois tudo acontecerá naturalmente. “Amadeu se sentir meio sonolento, mas reagirá significativamente bem e dentro de uma semana, no máximo duas, estará tudo solucionado. Nesse tempo, estimule ele a continuar com as cartas que serão enviadas à Tarsila. Assim que tiver uma boa quantidade delas e meu irmão estiver inteiro, vamos para a Alemanha. Tenho pressa em resolver essas coisas e ficar de vez com meu neguinho delicioso”.

– Por que tem que ser sempre do seu jeito? Será que pelo menos uma vez custa a você fazer da minha maneira? Assim vai ser impossível! Daqui a pouco eu não saberei mais quem eu sou de tanto que faço as coisas a seu modo.

– Está certo querido. Vou satisfazer um capricho seu. Acho que te dar a calcinha de presente foi um mimo do meu coração. Não vou ficar com uma chave do seu apartamento. Então quando se mudar para lá, se é que isso vai acontecer um dia, com certeza, não se surpreenderá comigo lá dentro, mas se eu perceber alguma cadela rondando a sua casa, é melhor você e ela correrem, porque se eu pegar os dois, não vai sobrar um pedacinho para contar a história.

– Nossa que Maria Bonita pós-moderna!

– É! A minha peixeira é longa e alcança o rabo de certos neguinhos que sabia cobiçar a mulher alheia sem mover um músculo do rosto. Estou ligado em você, meu querido.

Entraram no restaurante e o mesmo garçom que havia atendido a mesa em que ela esteve com os pais, surgiu com o cardápio. Márcio pediu um uísque para relaxar e almoçar tranquilo. Porém, pela expressão que a arquiteta fez, só não suspendeu a bebida para não ficar chato, mas sabia que tinha que parar por ali. Pelo jeito, a irmã de Amadeu o queria bem ligado à tarde toda e o álcool inibiria ou deixaria aflorar coisas que poderiam trazer consequências não muito boas.

Márcio se lembrou que desde a sua tentativa de sumir no mundo, que não bebeu com a mesma frequência e quantidade. “Será que isso aconteceu porque Angélica ficou me policiando, mesmo que silenciosamente?”, se perguntou o repórter. Mas não retrocederia no pedido, pois significaria deixar a arquiteta como sendo a dona de tudo, inclusive de suas vontades.

Ela preferiu ficar apenas na água. Assim que o atendente se distanciou, Márcio já recebeu o primeiro chute na canela, seguido de um beliscão e depois o recado: “- Se pedir outro, já sabe. Nem bem chegamos à cidade e você já recupera o antigo hábito em álcool? Estou de olho no senhorito. A tarde é nossa, mas não estraga, por favor!”.

– Custava só falar? Precisava me chutar as canelas e me beliscar?

– Sim para quando eu falasse, você estivesse com todos os sentidos ligados. Se for para beber, somente em casa e comigo. Ou quando estiver sozinho em seu apartamento.

– E se eu estiver com seu irmão? Será que posso acompanha-lo?

– Depois veremos isso.

O garçom voltou e perguntou se já tinham escolhido o que almoçariam. Conhecedor do mandonismo de Angélica, Márcio deixou ela escolher primeiro e depois, conforme fosse, acompanharia a arquiteta que começou pedindo uma salada de jiló. “- Quero filés de frango grelhado com legumes sauté. E para o meu amigo aqui a mesma coisa. Obrigado!”

O repórter ficou atônito. “- Como assim? O meu paladar não conta? O que eu gosto não vale nada? Queres ditar as roupas que eu uso. Não desejas que eu beba um uisquinho. Quer me transformar num executivo de sua empresa, coisa que eu não quero nem fodendo. E o que eu quero não conta?”, perguntou Márcio.  – Já lhe disse que não quero a chave do seu apartamento. Acho que já é concessão em demasia, não acha meu caro repórter?

“Fazer o quê? Beber o uísque”, pensou o jornalista que por baixa da mesa esfregava sua perna na de Angélica em forma de provocação. Ele dava uma golada no uísque, olhava para ela e passava a língua nos lábios. Ela o chutava por baixo da mesa e falava entre os dentes: “- Quer parar de me provocar? Faz isso porque sabe que temos que manter as aparências e que estou encharcada. Pare se não farei um escândalo aqui”.

O repórter olhou de forma bem sacana para a amiga e começou a gargalhar do jeito que sabia que ela ficaria doida de tesão. “- Seu filho da puta. Hoje você não me escapa neguinho. Ai de você se sair um milímetro da linha. O escândalo da rodoviária de manhã foi pouco né?”.

– O que faremos com seu irmão? Ele sairá amanhã mesmo? Estou pensando em dormir no meu apartamento de hoje para amanhã e quando Amadeu estiver lá você me avise e eu dou uma passada para vê-lo.

– Vamos por partes. Primeiro: hoje o senhor dormirá em casa comigo. Isso já está decidido e pronto. Segundo: assim que o Amadeu estiver em casa, verificaremos como ele reage e volta a escrever as cartas à Tarsila. Se observarmos que ele pode retornar ao apartamento dele, nós o levaremos lá e somente depois disso é que o meu neguinho estará apto a dormir na sua própria casa e quem sabe sozinho. Como não quero viver muito os amanhãs inexistentes, penso no aqui e agora. E isso significa que te quero do meu lado desde sempre.

Márcio passou a mão pelo rosto, indicando que não desejaria que fosse daquela forma. “- E nem vem com isso e aquilo. Não estou acostumada a ser contrariada. Entendeu bem, meu amor e quando estiver na sua casa e marcamos encontro, vê se não chega na hora marcada. Atrase um pouco para que querer te enforcar enquanto te beijo”. A arquiteta disse isso rindo, enquanto o garçom se aproximava com a comida.

Almoçaram e o jornalista seguiu à risca. Terminou o uísque, não pedindo a segunda dose. Isso significaria ficar mais tempo ali e a irmã de Amadeu já começava a apresentar sinais de impaciência, querendo ir embora. “- Se pedir mais uma dose. Terá que beber a garrafa inteira e ir embora sozinho”, falou entre os dentes a arquiteta.

“- Não vou pedir mais nada patroa. A senhora pode ficar despreocupada. Preciso ir ao jornal, me deixe lá por favor”, disse o repórter em tom de afronta. No que foi correspondido a altura. “- Eu te levo lá e aproveita senta no color do Roberto e diga a ele que sentiu saudades da rola dele. Quem sabe não é isso que no fundo você quer: dar essa bunda linda para o seu amigo e já dorme com ele, depois o pede em casamento. Vá se foder e vê se me esquece”.

Nem bem acabou de falar, Angélica se levantou, dizendo: “- Passar bem meu caro. Se é que ficar se enfronhando com o seu macho seja passar bem. Chega” Fui seu babaca!”

Angélica pegou o elevador e saiu às pressas e em prantos. Márcio olhou para o garçom, e quando fez menção de pegar a carteira, o atendente se aproximou dizendo que não precisava pagar. “ – Por que? Dinheiro não dá em árvores. Como seus patrões vão manter isso aqui e pagar seus salários?”

– Dona Angélica não sabe, mas depois que ela esteve aqui pela primeira vez com o senhor, o Jovelino, pai dela, comprou o estabelecimento e proibiu o senhor de entrar aqui. Mas como ele morreu, ninguém quis falar nada, mas depois íamos mandar um memorando para a nova patroa para saber se as determinações do senhor Jô continuavam mantidas. O senhor me desculpe, mas eu tinha que avisá-lo”.

Márcio saiu do restaurante sem chão. Aquela notícia caiu em cima de sua cabeça como um raio, pulverizando todas as sementes de amor que começavam a brotar dentro do seu coração. “- Como voltar? Estou sem celular. Minhas poucas roupas ficaram dentro do carro daquela doida desgraçada. Filho de uma puta, me trouxe de volta para me deixar um sem-teto novamente. Só me resta ir até a redação do jornal e falar com Roberto. Se é que eu ainda tenho um emprego”, pensou Márcio enquanto percorria os degraus que levavam do andar superior do shopping ao piso do prédio.

Ao sair pela porta, meio que sem rumo, olhou para um lado e para o outro e não avistou ninguém, mas quando fitou rapidamente o horizonte à sua esquerda, viu uma pessoa que lembrou alguém conhecida. “Parecia Márcia. Mas não é possível. Ao voltar a face novamente para o mesmo ponto, enxergou um vulto de homem entrando apressadamente num carro, saindo em alta velocidade. Também desconfiou que seria alguém conhecido.

“Deixa para lá. Deve ser coisa de minha cabeça. Quer saber: vou a pé para o jornal. Passei a manhã toda sentado naquele carro. A caminhada me fará bem e ainda pensarei sobre essa mulher. Acho melhor ficar distante dela”, pensou o repórter olhando no relógio, deduzindo que lá pelas 14h estaria no jornal e conversaria rapidamente com Roberto para depois procurar um hotel e descansar até o dia seguinte quando decidiria o que fazer da vida.

Andou por cerca de uma hora e quando deu por si estava na mesma praça em que conversara com Tarsila uns dias antes dela ir para a Alemanha se juntar a esposa de Angélica. Parou, pensou e viu um banco instalado debaixo de uma árvore. Não tinha pressa. “Se não der para falar com Roberto hoje, eu converso com ele amanhã”.

Deixou-se ficar ali naquele banco, analisando os últimos acontecimentos. O último foi saber que Jô tinha comprado o restaurante para que ele não entrasse mais e lógico, todos os outros pretos. “E dona Eleanora com conversa fiada de que eu deveria perdoá-la pelo seu racismo? Velha filho da puta. Pensa que vai me comprar como fez com Rosângela para que a filha pudesse brincar de casinha com a amiga preta. Estou farto dessa gente e dessa cidade”, pensou e depois falou baixinho para si próprio: “- Caralho, nem ir embora dessa porra eu consigo. Que sina meu deus e ainda essa de Márcia estar por aqui me procurando. Preciso de paz”. Ao pronunciar essas palavras, percebeu que tinha alguém perto dele. Nem precisou olhar para saber de quem se tratava.

– Deixe o meu amor lhe transmitir essa paz que você tanto busca, meu neguinho?

Aquela voz era inconfundível. Não podia advir de outra pessoa que senão a irmã de Amadeu. “- Chega! Desde que você entrou em minha vida eu não tenho feito outra coisa senão sentar na brasa e depois numa bacia repleta de pedras de gelo. Quanto mais eu desejo não chamar atenção, mais parece que todo mundo olha para mim. E tem mais: você sabia que teu pai comprou aquela bosta de restaurante para me proibir de entrar lá e de quebra todos os pretos?”

– Márcio. O que meu pai fez já não tem mais importância. Ele está enterrado e suas decisões não têm mais efeito algum. Quem administra os negócios da minha família sou eu e tudo se altera, aliás, já está mudando.

– Eu desconfio que não! Aquele pedido de perdão de sua mãe foi mais uma tentativa de me comprar e ajudar a filhinha a brincar de casinha. Segue o seu caminho e eu o meu. Como te disse de manhã naquela cidade no Vale do Paranapanema, não sei ao certo para onde vou, mas preciso ir para um lugar bem longe de você e de sua família.

– Estava te seguindo. Como sei que é totalmente desligado, sabia que nem ia perceber que eu estava perto de você. Estou indo para a agência devolver o carro. Preciso falar com você. Acho que sei o que pode estar acontecendo. Entre no carro e vamos conversando até onde eu preciso devolver o veículo. Depois, se quiser ir embora, pode ir, pois o que vou te pedir será muito sacrificante, inclusive para você uma espécie de eremita pós-moderno.

Sem se tocarem, ambos entraram no carro e Angélica desabou. “- Eu quero muito ficar com você. Quero de fato viver o que estou sentindo, mas toda vez que estou para dar o passo seguinte, eu travo. Não quero que você vá a lugar algum, mas não posso exigir que fique comigo. Eu estava toda desejosa de passar a tarde inteira contigo, tomarmos banho juntos, fazermos outras coisas maravilhosas, subirmos até as estrelas, como Amadeu sempre dizia que fazia com Tarsila, mas eu não consigo. Fico bloqueada. Me desculpa. Se não quiser ficar mais, tudo bem. Vamos comigo até a agência e de lá chamamos um transporte e chegando no apartamento, lhe dou a chave do seu. Você nem precisa descer do carro”, desabafou Angélica.

Sem falar mais nada, ligou o carro, o colocando em movimento, assim o casal chegou à agência de locação de veículos. A dupla fez o trajeto de cerca de meia hora em silêncio que só foi quebrado quando Márcio lhe disse que desconfia ter vista Márcia no shopping.

– Fique com ela. Embora seja puta, pode te satisfazer sexualmente. Eu não. Levarei muito tempo para apagar os resquícios do que meu pai fez comigo. Acho que não conseguirei ter uma vida heterossexual ou como vocês reacionários chamam: heteronormativa.

Após Angélica dizer isso, os dois voltaram a ficar em silêncio sepulcral.

Assim que saiu da agência, o casal permaneceu em silêncio. Sem que a arquiteta esperasse, pois no seu íntimo, Márcio partiria, contudo, o jornalista fez totalmente o contrário. Deu um forte abraço em Angélica e falou baixinho no ouvido dela: “- Vamos para casa, meu amor. Vou cuidar de você e desse seu coração”. A irmã de Amadeu correspondeu ao abraço, chorando, o beijando e quando ia dizer algo ao repórter, este colocou o dedo na boca dela, falou de maneira calma e pausada. “Em casa conversamos mais. Agora acalme esse seu lindo coração” e a beijou novamente.

– Agora solicite nosso transporte.

O atendimento foi rápido. Em menos de cinco minutos o casal estava dentro do carro em direção à torre que Amadeu vivia dizendo que a Rainha má os tinha aprisionado. Ao se lembrar dessas sandices de Amadeu, Márcio se deixou sorrir, mas de um riso leve de quem está sentindo falta de alguém. “Com certeza é de Amadeu”, pensou o repórter. Do nada trouxe à memória o dia que o conheceu, assim quando o viu brigando com a irmã que agora estava ali no veículo com ele. Lembrou da primeira desavença e a humilhação sofrida na sala do patrão. Em questão de segundos recordou todos os momentos que passou com ela até ali. Naquele instante compreendeu que ambos bem que podiam ser almas afins que estavam se ajustando uma a outra, daí as discussões, brigas e tentativas de fuga.

Sem tocar um dedo na arquiteta, apenas roçou de leve o braço no dela, para que pudesse sentir seus pelos eriçados. “Amadeu tinha razão. Ela está toda arrepiada”. Aquela sensação o deixou mais apaixonado pela dona dos olhos esmeraldinos. Assim que o carro parou defronte ao prédio de Angélica, antes de descerem, ela olha para o repórter e perguntar: “- Você vai descer ou esperar eu trazer as suas chaves?”

Márcio não respondeu nada e em silêncio abriu a porta do carro, descendo e ela o seguiu também sem dizer nada. O chofer seguiu em frente e o casal entrou no prédio. Dentro do elevador ainda estavam contidos e Márcio entendeu que dali para frente teria que assumir o relacionamento ou o direcionamento que deveria dar. A arquiteta não daria mais um passo. Estava em seu limite e se o repórter não fizesse nada, poderia sepultar as chances dos dois serem felizes. Para tentar dizer silenciosamente que não deixaria isso acontecer, o jornalista apertou forte a mão de Angélica de forma que ela entendesse que não soltaria mais.

Ao entrarem no apartamento, a arquiteta desaba nos braços do seu “neguinho” chorando, beijando. Parando para chorar, cessando as lágrimas para beijá-lo. Ele a conduziu ao sofá e quando se sentaram, Angélica se joga no colo de Márcio e perguntando: “- Você jura que não vai me deixar? Mesmo que a sua ex-apareça pintada de ouro? Jura que não me trocará por ela e nem por ninguém em hipótese alguma?”

– Não gosto de fazer juramento em nada. Só fiz um e foi na formatura por ser protocolar. Mas o que posso lhe dizer aqui, minha adorável arquiteta, é que não vou a lugar nenhum sem você. Dando porradas e beliscões, me fez abrir os olhos, não os da matéria, mas da alma e não te deixarei sozinha no meio dessa tempestade. Então eu te pergunto: posso ficar com você enquanto ao vendaval desaba sobre a terra?

– Para quem consegui descrever as cores dos meus olhos, comparando-os com os tons laranja do céu em fins de tarde, com certeza não só pode como deve. Aliás é o que eu mais quero. Mas confesso que tenho medo de não conseguir te fazer feliz. Sei o quanto tu andas machucado pela vida, mas posso tentar? Você deixa?

– Vamos tentar juntos e é para isso que o amor existe. Compartilhar. Dividiremos o que temos de melhor e ajudaremos o outro naquilo que tem de dificuldade”, disse o repórter. Deixaram-se ficar ali por um bom tempo, quando estavam quase pegando no sono, Márcio pergunta a Angélica se o banho ainda estava de pé? “- Claro, mas não posso te garantir nada além disso”.

– Posso sugerir uma coisa?

– Pode!

– Por que ao invés do chuveiro não usemos a banheira. Você a prepara e me espera e eu entro depois. Pode ser?

Ainda atordoada pelos últimos acontecimentos, Angélica se animou e foi preparar tudo. Márcio procurou no bar o uísque que costumava ingerir com Amadeu e na geladeira achou um pouco de vinho branco que Angélica tinha tomado com a mãe na noite anterior a que viajou para encontrá-lo.

Quando o jornalista entrou no banheiro do quarto depois de ser chamado, Angélica já estava dentro da banheira. Márcio colocou a taça de vinho do lado dela e o copo de uísque onde pretendia entrar. Sem pestanejar, pulou na água ainda de cueca para surpresa da arquiteta que preferiu não dizer nada. Do lado contrário ao do copo de uísque, Márcio jogou a sua roupa íntima, deixando evidente que ficaria nu junto com ela. Angélica repetiu o gesto também e ambos deram risadas.

Ela bebendo o vinho e ele o uísque ficaram se tocando através dos pés. Permaneceram nessa brincadeira um certo tempo, na esperança de que um dos dois quebrasse a barreira da distância e avançasse o sinal. Márcio fitava Angélica com profundidade, como quem quer vê-la para além do corpo. “- Homem de deus por que me olhas tanto assim? Já não me vistes várias vezes desde que nos conhecemos, inclusive com roupas transparentes?”

– Oh grande amada de olhos esmeraldinos, com certeza já a vi tantas outras vezes, mas não tão bela quanto agora, justamente no momento em que seus olhos abrem uma bela janela para eu ver algo mais sublime ainda: a sua alma que tanto encanto e paz me trazem. Sendo assim não me canso, oh divina musa, de contemplá-la. A exemplo dos gregos, quero te imortalizar numa magnifica obra de arte em eterna exposição dentro do meu coração”.

– Então comece por me beijar, antes que eu vire uma estátua de sal. Prefiro teus beijos, na certeza de que eles jamais deixarão minha alma enferrujar. Dá-me seu amor aqui e agora. Sacia-me a alma ansiosa por receber as dádivas advindas do seu belo coração, meu eterno rei.

Quando Angélica terminou de falar e, por estar com os olhos fechados, não percebeu o movimento que Márcio fez. Quando abriu seus olhos, os teve cobertos de beijos. Em seguida, o repórter se concentrou em lhe tirar o fôlego. Devolveu-lhe em qualidade todos os beijos que esta lhe dera desde que se encontraram naquela pequena cidade no extremo do estado, no Pontal do Paranapanema.

Enquanto era beijada Angélica percebeu o tamanho da ereção de Márcio e ficou um pouco assustada. “- Fique serena amor. Não faremos nada. É que isso eu não posso evitar. Mas se você quiser eu volto para o outro lado da banheira”.

“- Sem problemas. Eu tenho que me acostumar. Não é fugindo que vou acabar com essa fobia”, explicou Angélica, claramente incomodada com a situação. Tentou, tentou, mas sem perceber começou a se afastar de Márcio que notou a situação e começou a voltar rapidamente para o ponto onde estava. Enquanto o jornalista, ao fechar os olhos, tenta se reordenar, a arquiteta deixou a banheira. Quando Márcio, abriu os olhos já a viu de roupão perto da banheira chorando e segurando outra vestimenta para ele cobrir sua nudez. Márcio pegou e a arquiteta voltou para o quarto. O repórter colocou o roupão e foi ter com a arquiteta na cama.

Para quebrar o clima que ficou, Márcio disse rindo para a amiga. “- E agora como é que eu fico? Só tinha aquela cueca e está molhada. Terei que ir sem ela para o jantar com a sua mãe. A não ser que você tenha aí uma daquelas calcinhas que servem para os homens também, pois são parecidas com cuecas”

Angélica olhou para Márcio com os olhos em lágrimas, pedindo desculpas por não ter conseguido se quer trocar carícias com ele, como tanto almejava. “- Vamos devagar. Aos poucos retiraremos essas camadas de bloqueio. Depois que seu irmão estiver ajustado aqui e eu no meu apartamento, procure uma psicóloga que te auxiliará nos ajustes necessários e você a ficar melhor consigo mesma. Não aprece o rio”, disse, a beijando carinhosamente. Saiu do quarto em direção a sala onde deixaram a pequena bagagem. Ainda haviam duas cuecas limpas. Pegou uma delas, vestiu e entrou no banheiro para terminar o banho e lavar a que estava ao lado da banheira.

Quando voltou ao quarto, a arquiteta estava deitada vestida com um baby doll rosa com detalhes em rendas. A roupa estava colada ao corpo, ressaltando as suas formas físicas. Angélica olhou para o amigo e pediu para se deitar com ela. Não queria ficar ali sozinha, sabendo que ele poderia estar zangado e isolado na sala. Márcio atendeu o pedido se deitando de modo que Angélica pudesse se sentir protegida e acabaram adormecendo.

Quando acordaram o relógio se aproximava das 19h, mas o despertar ocorreu por conta do barulho do celular da arquiteta. Era Eleanora querendo saber quando chegariam para o jantar.

– Oi Mãe! Caímos no sono.

– Sei como é! Depois de muitos exercícios e gemidos, somente um sono revigorante.

– Mãe! Ainda é cedo para isso! Olha só: chegaremos dentro de meia hora, pode ser? E o que fez para nós?

– Pode sim, filha! O cardápio é segredo!

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