Sobras de um amor … parte II

11

 

Quando Márcio chegou ao bar, com certa impaciência a arquiteta o esperava. Ele já conhecia o local, mas esteve lá em outro momento. Agora a situação havia mudado completamente. No trajeto ficou pensando em tudo o que vira e ouvira e não pode deixar de notar como Angélica ficava à vontade com ele, inclusive quando passou pela porta do quarto dela, vendo-a só de lingerie. Quando apareceu toda produzida para sair com ele ainda fez uma troça. “Realmente, acho que não é só ela que fica em paz quando está comigo. Eu também acabo esquecendo do mundo. Concentro minhas atenções a ela, como se quisesse deixá-la sempre serena”, pensou o repórter.

*Quando chegou ao reservado para os dois, não deu nem tempo de Márcio se sentar, a anfitriã já foi logo falando, como era próprio dela. “- Que história é esse de chegar depois do combinado?”

“- Do que você está falando?”, lhe perguntou o jornalista.

Angélica mostrou o celular que estava conectado com as câmeras de dentro do apartamento. Márcio começou a rir dizendo: “- Minha patroa é ardida como pimenta”.

“- Você tem medo de mulher ou de algumas em específico? Estou começando a achar que tu és um cagão”, emendou a amiga.

– Vai começar o show de ofensas? Posso te confessar uma coisa? Tenho medo de certas arquitetas mandonas, que quando são contrariadas, os olhos ficam num castanho escuro que é preciso correr deles, mas quando estão verdes e belos como as esmeraldas, dá uma vontade louca de ficar só olhando, de tão encantadores que são.

Angélica olhou para o amigo, sorrindo disse: “- Não adianta agora querer arrumar, pois o rasgo está grande”. Terminou de falar emendando uma recomendação: “- O que você vai beber? Pega leve hein”.

Márcio olhou para ela, fazendo menção de se levantar, mas foi contido com um pedido de desculpas. “- Meu querido, me desculpe. Eu sei que você é tímido e tem pavio curto, mas comigo não precisará contar até dez. Mas acho que até mil e se precisar é só pedir uma calculadora para o garçom”.

O repórter fechou a cara, perguntando: “- Ainda não sei por que te aturo? Acho que eu vendi os pregos que crucificaram o Galileu! Só pode!”

Ambos voltaram a rir depois dessa comparação que Márcio fez. “- Será que dá para você relaxar e apenas curtir? Não queria chegar em sua companhia, pois preferi evitar fotos e imagens. Não preciso sair em coluna social, jornal ou revista e sei que se chegasse aqui com um homem bem apresentável ou com qualquer outra pessoa, amanhã já teria fotos estampando jornais. Mas não posso negar que tu és apresentável. Se visse como a mulherada de comia com os olhos quando passou por aquela porta. Vai por mim amigo, abandone o passado e encontrará sua esposa aqui nesta cidade que você tanto odeia.

Enquanto Angélica fazia os galanteios ao seu hóspede, o garçom chegou com os pedidos. “- Uê! Como sabia que eu ia tomar um uisquinho e ficar doidão para celebrar o olhar mais belo e encantador que eu já vi clareando as noites aqui na Terra”, poetizou Márcio.

“- Quer fechar a boca e não me deixar sem graça na frente de estranhos”, disse entre os dentes a arquiteta dando um tapa de leve no braço dele.

– Se continuar a me bater assim, terminarei a noite com o braço engessado. É a segunda vez que você me surra hoje.

Ambos deram risadas e o atendente se afastou, mas perguntando o que a madame ia beber. Ela pediu uma cerveja alemã sem álcool. Não queria acompanhar Márcio porque conduziria ambos para casa e o repórter era cego de volante. Não entendia nada a não ser se sentar no banco do carona.

O jornalista ficou em silêncio, olhando para a arquiteta. Durante um fragmento de segundo, percebeu porque Angélica lhe serenava o coração. Mas guardou para si o compreendido. A irmã de Amadeu ficou, em princípio, incomodada com aquele enlevo do seu amigo em que o observador estava paralisado. “- O que foi, querido?”, lhe perguntou a acompanhante.

– Nada! Estou apenas seguindo um ritual antigo!

– Qual?

– Aquele em que devemos nos silenciar quando estivermos diante duma estrela. É preciso ficar quietinho para que ela não vá embora como as nuvens que se dissipam com um sopro. Por isso não quero nem respirar.

– Meu caro Márcio, você fala que meu irmão é poeta, mas acho que você também não fica atrás. Creio que é por isso que vocês se deram bem. Um embarca na viagem do outro e acabam navegando pelo Universo em busca de suas amadas. A do meu irmão eu conheço. A sua ainda não sei quem é. Exceto a do passado que espero que no futuro tu não abras espaço para ela.

O garçom trouxe o pedido de Angélica e ambos aproveitaram para pedir iscas de peixe para acompanhar a ingestão da bebida. O repórter não tinha pressa, então bebia seu uísque de maneira regrada e seu comportamento não passava despercebido da empresária que, entre um sorriso e outro, falava alguma besteira e Márcio completava fazendo caretas, como se fossem duas almas predestinadas a estarem juntas.

Do nada, o jornalista interpelou a arquiteta sobre a pergunta feita na noite anterior e recuperada pouco antes naquela tarde. Ela lhe respondeu que pensou, pensou, mas não conseguia entender nada do que Márcio havia lhe questionado. Nunca tinha olhado para o céu com a devoção dos poetas e quando o amigo lhe propôs o enigma sobre a cor de seus olhos e a cor laranja do Sol, ficou tentando entender tudo, mas só encontrou a alma do seu amigo.

– E você, meu querido, encontrou a resposta? Por isso te convidei para sairmos hoje. Quero saber o que descobriu.

– Acho que não irás gostar. Pode pensar que é muito rococó, rocambolesco de mais. Prefiro guardar comigo.

Márcio nem bem acabou de dizer e já levou outro tapa no braço. “- Você vai dizer para mim e não para o mundo. Não deve ficar preocupado se terá ressonância ou não. Diz e pronto. Deixe que eu fale se gostei ou não. Pode ser, meu tímido poetinha!”

– Olha lá, preste atenção ao que vai me dizer, pois pode ser broxante.

“- Acho que mais broxante do que suas roupas antigas, camisas do século passado e ensebadas. Isso sim é seca xereca”. Assim que terminou de dizer, ambos caíram na gargalhada pelo modo simples e direto que a arquiteta falou.

“- Quando o Sol tinge o céu com seu laranja, quer nos dizer algo, da mesma forma quando seus olhos vão do castanho escuro ao verde-esmeralda desejam falar, de forma silenciosa, algum verbo que se tornará poético quando for ouvido por uma sútil alma que compartilhará o conteúdo com o coração. Como sei que o Sol não diz nada, espero então que a minha companheira me diga, afinal os olhos são dela e o astro-rei nos ilumina todos os dias. Só posso dizer que sou privilegiado por ter o prazer de contemplar a beleza desse olhar esmeraldino sem ter o desejo de me apropriar dele”, disse Márcio tentando esconder a ansiedade.

– Mas eu não sei nada do Sol, apenas projetar casas, escritórios, prédios usando a sua energia natural.

– Se você não conversa com ele, posso então lhe dizer o que me segredou hoje à tarde enquanto eu o vislumbrava pela janela do seu apartamento.

– Verdade! Do jeito que eu te vi olhando para ele, achei que estava trepando com o Sol.

– Vai tomar no seu cu! Eu aqui na maior inspiração e você apertando meu saco com alicate. Cruzes!

– Pare de enrolar e me fale logo o que o astro-rei lhe disse. Quero saber e agora. Você sabe que sou impaciente.

“- Seja belo como a luz das estrelas, leve como a brisa que transporta as sementes das flores de um lado a outro no orbe e doce como o amor que encanta os corações dos casais enamorados”, disse Márcio acrescentando que a estrela que governa a vida na Terra sussurrou em seu ouvido, pedindo para dizer a arquiteta que ficou em silêncio.

Depois do dito de Márcio, ambos ficaram se olhando durante uns bons segundos, até que Angélica se incomodou com a maneira que o repórter lhe dirigia atenção. Havia naquele olhar um quantum daquela noite no apartamento dele em que ela se sentiu nua, mas uma nudez que não expos o corpo, mas sim a alma, a deixando completamente sem ação e louca para se jogar nos braços dele e ficarem assim por toda a eternidade.

“- Pare de olhar com essa cupidez. Tu sabes o que tem por baixo dessa roupa e a transparência de minha alma”, lhe disse Angélica.

“- Não sei nada, querida. Só sei o que você me deixa ver. Sei que tem muita coisa guardada aí dentro desse lindo coração que tu tens”, afirmou o jornalista.

“- É verdade. Hoje encostei meus pais na parede e exigi que eles te deixem em paz e ao meu irmão também. Se não fizessem isso, eu contaria para o mundo um segredo mortífero deles. Também sei que tem algo mais profundo ainda, quem sabe um dia eu descubro”, explicou a arquiteta.

“- Quer falar sobre isso? Claro que se não for te provocar um desconforto”, disse Marcio.

– Eu até poderia te falar, mas acho que não vai mudar o passado. Assim como no seu caso. Devemos deixar o ontem com seus fantasmas e vivermos o aqui e agora construindo as bases para o nosso futuro. Pode ser assim?

– Claro que pode, querida!

“- Acho que não estou preparado para remexer nisso agora. O que eu precisava fazer eu fiz, importando apenas os resultados. Mas preciso te dizer uma coisa e não quero ouvir um não e nem isso e aquilo”, anunciou a arquiteta.

O jornalista ficou pensativo. Sabia que era algo que o faria ficar parado naquela cidade ou a irmã de Amadeu teria interferido, além da conta, em sua vida. Ela adorava comandar e ele, não sabia como, mas adorava esse jeito dela, pois o forçava a contorná-lo, se reinventando a cada mando da arquiteta.

– Durante um ano você receberá uma indenização de R$ 10 mil mensais. E quem vai pagar são meus pais. Eu cobrei isso por você ter sido humilhado pela minha mãe em minha casa. Por ela ter tentado te fazer perder o emprego e fazê-lo um sem-teto.

“- Não quero! Não preciso de dinheiro de sua família! Vou devolver tudo o que cair em minha conta. Eu trabalho e banco minhas despesas”. Ao dizer isso, Márcio se levantou para ir embora, mas foi contido pela amiga.

– Vai tomar no seu cu e não quero saber de conversa mole. O dinheiro é seu e pronto! Inclusive te permitirá deixar aquele jornaleco e parar de trabalhar no fundo de uma redação.

“- Você está fazendo isso para que eu me rebaixe sempre para você. Quer me comprar como faz sempre com as outras pessoas”, vociferou o jornalista.

– Homem de deus, você é a última pessoa que eu quero que pense isso. Estou fazendo o que acho justo. Foi humilhado em diversos momentos, teve seu passado revirado e tudo porque queria escrever uma matéria, mas acabou trazendo meu irmão de volta para os braços da família. Então pense bem, antes de ficar falando merda porque acha que o seu brio de macho está ferido só porque receberá R$ 120 mil de indenização por danos morais e quem conquistou para ti foi uma mulher.

“- Primeiro você me dá um apartamento sem eu saber e querer. Agora cria uma indenização que eu nunca reclamei. Jamais iria agir assim. Esse dinheiro não vai acabar com o racismo de seus país. Entendeu?”, disse Márcio entre os dentes

– Eu entendi sim, meu amigo. Mas lhe permitirá uma vida melhor. Respirar mais tranquilo e pensar em como recomeçar a sua existência e parar de fugir do passado. Você o enfrentará queira ou não. E eu não o deixarei recuar. Você viu o que fiz com a sua roupa hoje. Não quero mais falar nisso. Está tudo acertado e pronto.

Márcio ainda ameaçou dizer algo, mas Angélica colou o dedo em riste em sua boca indicando que não queria ouvir mais nada e voltou a falar do Sol. “-Falemos do Sol, das estrelas, da Lua, sei lá de qualquer coisa que encante a alma e nos ajude a brindar essa noite. Seria muito eu querer saber mais um pouco desse homem taciturno, que tem uma timidez para além de conta, mas um profundo olhar que encontra a nossa alma?”.

– Tenho disfluência.

– O que é isso?

– Gagueira!

– Não parece!

– Só aparece quando fico nervoso, irritado e esse foi um dos motivos que me fez partir para cima do pessoal que estava transando com a minha noiva na véspera do nosso casamento. Quando fui perguntar o que estava acontecendo, o cara que estava enrabando a Márcia, começou a me imitar. Indicando que sabia muito sobre a minha pessoa. Fiquei cego e fui para a porrada.

– Mas o que você faz para evitar que isso fique evidente?

– É uma falha no processo de oxigenação enquanto converso. Eu consigo perceber o momento que acontecerá e simplesmente eu paro de falar, esperando passar e depois eu volto a conversar. E também usei algumas técnicas com lápis. Colocava eles deitados entre os dentes e dizia sempre alguma coisa. Bom. Agora você já sabe. Será que posso ir embora?

– Por que? Só porque você me falou que é gago? Isso não é defeito algum. A falha maior que um ser humano pode ter é no caráter, é ser antiético, imoral e esses adjetivos negativos você não possui. Eu tenho muitas coisas a te revelar, mas não estou a fim de falar hoje. Quem sabe um dia podemos nos ajudar?

Voltaram a ficar em silêncio. O garçom apareceu depois que Angélica apertou o sino o chamando. “- Márcio, meu querido você quer mais alguma coisa?”, perguntou a arquiteta. O jornalista pediu mais uma dose de uísque e a sua acompanhante outra cerveja. Ela solicitou ainda que o som da cabine fosse liberado. Estava com vontade de ouvir algumas músicas.

Assim que voltou com os pedidos, o atendente também trouxe um controle para que o casal pudesse acessar o painel de músicas e escolher as canções que desejavam. Combinaram que cada um escolheria uma canção, sem que o outro reclamasse da indicação. Tinha que ouvir e ficar em silêncio. Ambos concordaram que seria apenas canções brasileiras. O repórter ganhou e foi o primeiro a escolher. Optou por uma em que o vocalista da banda dizia “ … quantas vezes me peguei caminhando para os seus braços”.

Enquanto ouviam a canção em silêncio, Márcio e Angélica se olharam sem se tocarem, mas se um mosquito que passasse por ali diria que os corpos estavam distantes, contudo as almas conectadas e a energia que o casal emitia interligava a dupla num profundo magnetismo. Assim que terminou a música, foi a vez de Angélica indicar a sua preferida. Quando a escolha dela começou a ser executada, foi como se o seu parceiro estivesse cantado para ela. A interprete dizia “ … você surgiu como uma luz na madrugada. Do nada, me sorriu …”.

Terminada a melodia, Márcio se preparava para a segunda rodada, mas não deu tempo. Angélica disse-lhe: “- Chega. Quero ir para casa! Estou preocupada com Amadeu. Vamos!”. Ela não perguntou se seu parceiro queria ficar, mas determinou que deveriam ir embora. Ao repórter restou apenas a anuência. Assim que concordou, a arquiteta pediu para ele ir na frente, como na primeira vez que tinha estado ali.

– Mas por que isso? Será também mais uma esquisitice da madame?

– Para quem lê meus olhos nas cores que o Sol pinta o céu todos os dias, acho que poderia me fazer esse favorzinho. Ah vamos! Faça isso por mim!

– Está bem patroa.

Disse isso e já foi saindo. Andou uns três quarteirões achando que a sua anfitriã tinha lhe aprontado. Márcio ainda estava muito inseguro com relação a tudo e a todos daquela cidade estranha. Talvez por isso que havia optado por descambar dentro do jornalismo e decidido ir embora e trabalhar com qualquer outra coisa, desde que não ficasse em evidência, e que pudesse esconder de todos aquela noite que parecia não ter fim.

– Psiu! Ei gostosão! Quer uma carona? Ei lindão! Estou falando com você, com esse seu andar sexy. Não me deixe falando sozinha. Sabe que eu não gosto disso. Eu fico desestabilizada em emoções!

Desconfiado, pois a voz não parecia ser conhecida, Márcio parou e Angélica caiu na gargalhada de dentro do carro. “-Entra aqui seu bobo. Vamos para casa. É impressionante como você se desliga de tudo. Não percebeu eu te seguindo?”

– Não mesmo. Estava absorto em meus pensamentos.

– Presumo que ainda navegando naquela noite maldita em que seus sonhos de família foram desfeitos por uma vagabunda. Entra logo aqui e deixa de onda.

Entrou no carro e fechou a cara. “- Por que me fez sair do bar sozinho? Da outra vez eu deixei o local por conta de uma ofensa sua. Desta vez por um capricho seu. Meu deus do céu, não consigo mais viver a minha vida. Nem as roupas que eu gostava tanto tenho mais. Uma Rainha diaba picotou todas elas. Realmente, começo a acreditar no seu irmão”.

Angélica ouviu tudo calada, sem dizer uma palavra se quer. Se limitou em apertar a mão do repórter, pedindo para colocar uma música para os dois. Márcio sintonizou em uma estação em que o intérprete dizia “… olho para o céu…” e de imediato a arquiteta pediu para deixá-la escutar a canção. “- Por que? Ela te lembra alguém, ou passado?”

– Claro né seu boboca. Sou casada e estou com saudades de minha esposa. Lógico que essa música me leva ao dia em que decidimos oficializar nossa união, mesmo sabendo que o mundo seria contra.

Aquela observação da irmã de Amadeu foi como quem dizia ao repórter, recua o peão e aguarde. Não é o momento de se fazer esse movimento. Márcio ficou em silêncio, só escutando a canção e às vezes olhava para a motorista que estava imersa em outro mundo. Com certeza pensava na irmã de Tarsila.

Ao terminar a música, o jornalista escutou quando a arquiteta lhe perguntou se tinha alguma canção especial. Ele fez que não com a cabeça e começou a prestar atenção à rua e ver as luzes que se confundiam com o brilho das estrelas no céu. Sem perceber pensava na primeira vez que passou por aqueles lugares dentro do carro de Angélica com um corte na mão.

Ficou tão fechado dentro de seu mundo e das memórias que não percebeu que a motorista tinha parado o carro. Olhou para ela, perguntando se já tinham chegado. “- Está vendo algo parecido com o prédio onde moro, senhor repórter?”, lhe disse Angélica em tom de troça.

Neste instante, Márcio percebeu que só seu corpo estava dentro do automóvel. A cabeça, a alma e o coração escapuliram para outro lugar ou para onde desejariam estar. Voltou à Terra e do lado de uma bela mulher, mas que já era casada. “Preciso me concentrar. Não posso sair da linha. O melhor é ir embora desta cidade mesmo”, pensou o jornalista.

– Angélica acho que pretendo ir para o meu canto amanhã. É só montar uma cama e fica tudo certo. Estou com saudades de minhas coisas, do meu mundo.

– Você quer dizer esconderijo?! Não vamos decidir isso agora. Amanhã ou depois conversaremos sobre isso. Vamos para casa. Está ficando tarde e não quero chegar passado da hora no trabalho amanhã. Hoje deixei muita coisa pela metade. Eu e o senhorito temos muita coisa para colocar em dia. Está pensando que vai voltar para o seu canto e trocar a fechadura para não deixar mais ninguém entrar. Nem pense nisso.

Márcio fez aquela cara de quem não acreditava no que estava ouvindo. Sabia que a arquiteta era bem doida, portanto, era capaz de arrumar um chaveiro e arrombar a porta do apartamento, dizendo que achava que o marido estaria passando mal lá dentro. Melhor coisa era deixar tudo como estava enquanto pensava num jeito de fugir daquilo tudo.

A motorista ligou o carro e seguiram para a casa dela. Assim que chegaram, Angélica liberou o segurança e entraram. Quando já estavam dentro do apartamento, encontraram Amadeu dormindo abraçado com a garrafa de uísque na cama em que Márcio pretendia dormir. Por isso ficaria novamente com o sofá.

Não restava mais o que fazer. Combinaram de o jornalista se higienizar no banheiro dela, mas só depois de Angélica. Márcio foi ao quarto de hospedes e pegou suas coisas, se sentando no mesmo canto do sofá, enquanto a arquiteta terminava seu banho. Quando foi lhe avisar que podia entrar, o repórter viu que a anfitriã vestia um baby doll camisete com estampas leves. Não conseguiu disfarçar a surpresa.

– O que foi? Tudo o que tem embaixo dessa roupa você já viu e não foi só uma vez. Foram duas, para ser mais exata. Então vá logo tomar banho. Acho que ainda temos um tempinho para conversar. Vou colocar uma bebida para nós. Não demore e nada de ficar alisando esse pau. Preciso levantar cedo amanhã.

Márcio olhou incrédulo para Angélica que sabia desmontar qualquer sonho erótico que ele pudesse ter com ela. De fato, eram amigos, nunca passariam disso. “Melhor se conformar”, pensou o hospede da arquiteta, enquanto se dirigia ao quarto dela.

Ao voltar, encontrou em cima da mesa um copo com uísque e uma taça de vinho. Brindaram e ela lhe disse: “-Amanhã temos um dia cheio. Você começa a revisar as cartas do meu irmão e eu vou providenciar as coisas em seu apartamento e também para que os livros do Amadeu voltem para a casa dele. Assim que estiver melhor, penso que deve retornar ao seu canto”.

– E eu seguirei meu destino, com certeza.

– Será que seu destino é longe daqui ou não, meu caro amigo? Quem sabe você não tromba com seu novo amor ao dobrar a próxima esquina?

– Duvido que isso aconteça. Muitas mulheres já me viram desfilando com a senhorita pela cidade. Então acho que sou uma carta carimbada, para não dizer, fora do baralho.

– Você já ouviu dizer que quando se está sozinho, não aparece ninguém, mas basta pegar na mão de uma pessoa para chover pretendentes?

– Já ouvi, mas não ligo para isso.

Ao terminar de falar, o repórter se sentou no sofá e ficou olhando para Angélica que se mantinha de pé com sua taça de vinho na mão. Já passava a vista pelas almofadas, pensando em como se ajeitaria ali para dormir. A arquiteta bebeu num só gole o seu vinho e, vendo que o copo de Márcio estava vazio, foi até a cozinha e encheu os dois.

Ao retornar à sala, disse ao repórter que era a última dose e depois iriam dormir. “- Mas não vou deixá-lo aqui no sofá. Você dormirá na cama comigo. Vamos dormir bunda com bunda. Aí de o senhor que tentar alguma coisa além disso.

– De jeito nenhum! Se o Amadeu acorda e me pega na cama com você, será um deus nos acuda. Ele me infernizará o dia todo. Em absoluto. Eu fico aqui no sofá mesmo.

– Está certo. Tudo decidido então. Qual lado da cama você prefere? O direito ou esquerdo?

Márcio percebeu que dizer “não” para aquela mulher era a mesma coisa que dizer sim. Quando chegaram no quarto, Márcio já ia se deitando, quando a Angélica lhe chamou a atenção: “- Vai dormir com essa roupa? Que coisa horrível. Espere! Vou pegar um short para você”.

– Nem pensar! Daqui a pouco tu está mandando eu vestir suas calcinhas. Está ficando doida mulher? Melhor eu voltar para a sala.

– Meu deus do céu que homem mais cagão, medroso. Não vou te atacar e vestir algo meu não vai te fazer mais ou menos homem. Pegue. Se troque e vamos dormir que já está tarde.

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