Sobras de um amor

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Aquela observação final foi como um chute na boca do estômago do repórter que, sentiu náuseas, quase colocou pra fora os conhaques que havia ingerido esperando uma oportunidade para falar com aquele quase que mendigo, desbocado, pau d’água, mas com um profundo conhecimento da alma humana. “Pelo menos da mulher”, pensou ele. “Ora, se ele sabe muito sobre as mulheres, deve também compreender o vir a ser dos homens. Será?”

Ao chegar em casa, num ato intempestivo, Márcio deletou tudo o que havia escrito anteriormente sobre o beberrão, metido a filósofo e resolveu colocar um fim na história. “Amanhã bem cedo, vou até a redação e dizer que a matéria não vingou e que o entrevistado fugiu, não quis mais falar. É isso! Assim me livro de vez dessa conversa toda vinda de um bebum sem eira nem beira!”.

Ligou a televisão, não havia nada que lhe interessasse nos canais; tentou ler, mas era em vão. As imagens descritas por Amadeu ainda martelavam no cérebro. Tinha que dar um jeito naquele inferno mental que virou as conversas diárias com um bêbado desconhecido e doidivanas.

Sentou diante do computar, ligou e com o barulho do equipamento entrando em funcionamento, recomeçou aquilo que havia deletado. Repassou tudo, desde o começo quando, enfadado do corre-corre da redação, foi afogar as magoas profissional num boteco. Não esperava receber lições vindas dum desconhecido, ainda mais no campo em que ele acreditava ter pleno conhecimento: o trato com as mulheres. Acreditava até então que elas seriam presas fáceis, umas mais difíceis e outras nem tanto, bastava usar a isca certa e tudo estava na rede.

Até quando começou a ter lições de moral dum alucinado, doidivanas, que vivia constantemente alcoolizado e não dizia coisa com coisa, mas as desconexões deveriam ter certo sentido, senão o maluco não agiria daquela forma. Márcio percebeu que o beberrão usava sempre a mesma roupa e não cheirava mal, portanto, não era um esmoleiro. Então havia algo de errado na cabeça daquele cara; alguma coisa que detonou o seu cérebro e com certeza podia ser um coração partido. Partido não, estraçalhado. “A história valia a pena ser retomada”, pensou Márcio se animando com a hipótese de escrever uma bela narrativa dominical.

Na quinta-feira chegou ao bar da Net bem depois que Amadeu e este já havia consumido metade da garrafa de uísque. Desta vez foi o esquisitão quem foi falar com ele, já encharcado pela bebida e com os olhos gaseados, distantes. Abraçou o repórter, lhe dizendo: “vem cá meu amigo, tenho uma coisa para te contar. Só precisa ser bem baixinho para ninguém escutar. Você quer ouvir?”. Márcio anuiu e o bêbado começou a falar.

– Tem uma coisa muito legal. Eu gostava de passar em frente das lojas de lingeries e ficava olhando para todos os modelos e pensando qual seria o certo para a mulher ideal! E não é que um dia eu olhei fixo para um daqueles manequins e ele veio falar comigo. Pegou-me pelas mãos e me transportou para uma linda viagem. Ele disse bem baixinho no meu ouvido: “vem comigo conhecer a sua amada. Ela existe e quer te ver”.

Márcio ficou pasmo com a seriedade com que o bêbado falava dessa experiência para lá de surreal. Para não ser um desmancha prazeres, fingiu acreditar na história até que Amadeu lhe pediu para olhar no fundo do copo enquanto contava o histórico encontro com a sua musa.

– Depois daquela noite do lançamento do livro, encontrei a vendedora umas duas vezes e nesses encontros, falava sem parar, me perguntava de tudo e de todas. Queria saber quais eram os meus autores preferidos, quantos livros eu lia por semana e qual velocidade. Disse-lhe de chofre: eu não leio nenhum. Só vou lá comprá-los para te ver. Não gosto de ler.

– Mas como você vai fazer para honrar o compromisso com escritor?

– Este livro eu vou ler, mas só se você ler comigo. Assim vamos viajando pelo meio das palavras. Podemos ler uma página por dia. Não tomará o seu tempo e nem o meu. O que acha?

– Não sei não! São mais de 500 páginas. Levará mais de um ano para terminarmos e você não honrará o compromisso com o escritor.

– Mas posso pelo menos ter você ao meu lado todos os dias e não precisarei ficar comprando livros. Não precisa ser em sua casa e nem na minha. Podemos nos reunir naquele banco em que eu ficava esperando você passar todos os dias. Vai ser legal. Assim ele tem uma finalidade para nós dois.

– E a garota? Perguntou Márcio.

Amadeu disse que o repórter deveria encontrar a resposta no fundo do copo. A garota estava lá matando a curiosidade dele.

Enquanto Mário olhava fixo no fundo do copo, Amadeu chegou bem perto do seu ouvido e falou.

– Para o meu prazer, ela disse que toparia, mas que tinha que ser rápido, como o sexo que os homens fazem quando querem correr para contar para os amigos que comeu aquela gostosona que todos da repartição desejavam e ele foi o sortudo e a levou para o “Motel da Foda Rápida”.

Amadeu disse isso e saiu correndo do bar com a garrafa que estava em cima da mesa, sumindo naquela noite fria. Márcio ficou ali olhando para o fundo do copo sem entender nada, mas parou de olhar assim que percebeu que o seu interlocutor tinha lhe eito de bobo.

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