Sobras de um amor…

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A decisão já tinha sido tomada. Iria até o bar, mas com qual desculpa? Temia que o irmão se afastasse mais ainda ao vê-la por perto. Sempre acontecia isso. Se ele cismasse que a irmã está no seu encalço, sumia por semanas a fio. Precisava arrumar uma forma de se comunicar com Márcio, sem que Amadeu soubesse e, de quebra, obter mais informações sobre Amadeu.

No caminho entre o seu escritório e o bar, Angélica encontrou a solução. Ligaria para Rodolfo, pedindo para dar um recado à Márcio. O esperaria noutro barzinho perto dali. Era só ele chegar ao local e avisar que tinha um encontro com dona Angélica, que seria levado ao espaço reservado.

“Como dar o recado com o Amadeu por perto”, pensou o garçom após receber a ordem e se dirigia à mesa onde estavam os dois. “- O dono quer falar com você Márcio”, lhe disse Rodolfo.

– O que ele quer comigo? Não estou devendo nada! Nem mesmo as garrafas que eu levo para casa. As devolvo no dia seguinte!

– Eu não sei o que ele lhe deseja falar. Só estou transmitindo o recado. E acho bom o senhor ir lá agora que o movimento está fraco e a vergonha pode ser menor!

– Está bem! Estou indo!

Márcio levantou-se dizendo a Amadeu que precisava falar com o proprietário do bar. Assim que começou a andar em direção ao caixa, Rodolfo transmitiu, bem baixinho no ouvido, o recado e lhe entregando um pedaço de papel com o endereço do local onde tinha que ir, assim que deixasse o estabelecimento. Chegando ao balcão onde o dono estava, este lhe lançou um sorriso, dizendo: “Tá destruindo corações por onde passa, senhor Márcio?”

– Não sei do que o senhor está falando!

– O bilhete diz tudo, meu caro!

Ouvindo isso, o jornalista fechou a cara, se despedindo do comerciante.

– Voltarei para a minha mesa, senhor Marquinhos. A companhia de Amadeu é mais interessante!

– Cuidado, hein! Passarinho que anda muito com morcego pode um dia acordar de cabeça pra baixo.

Desprezando o comentário de Marcos, Márcio voltou para o seu lugar, colocando o bilhete no bolso e pensando o que aquela doida da Angélica queria com ele, já que brigaram feio durante e depois do almoço naquele mesmo dia. Juraram-se não falar pessoalmente um com o outro. Imediatamente se lembrou do livro e tudo se dissipou, pois acreditava que ela queria devolvê-lo, mas não podia aparecer no bar por conta do irmão.

Sentou-se à mesa com o amigo e bebendo mais uma dose do uísque para acompanhar Amadeu, Márcio lhe disse que precisava ir embora. Tinha coisas para resolver e reportagens para encaminhar ao jornal no dia seguinte.

– Deixe de ser mentiroso! Todo mundo sabe que a dona da família comprou seus serviços de jornalista para uma matéria. Só não sei o que é, mas tenho certeza que está pagando por um serviço de péssima qualidade. Tu é ruim até para beber, quanto mais para escrever ou atender os pedidos e caprichos de uma certa pessoa que gosta de exibir pares de sapatos que custam quase seu salário mensal.

– Do que você está falando Amadeu?

– Vai! Vai para onde você tem que ir. Tinha um monte de coisas para te contar, mas as minhas narrativas não são páreas para um par de pernas e uma bunda que usa lingeries coladas sem marcar o corpo. Vai por mim. Se seus dentes conseguirem tirá-los, chegará ao paraíso, mas cuidado. Dante já dizia que entre o paraíso e o inferno tem o purgatório, é preciso ter mais sensibilidade do que pênis para não acabar entre as duas condições que marcam o amor.

– Não sei mesmo de onde você tira essas histórias.

– Sabe sim! Quer fingir-se de morto, mas o coveiro está sempre atento. Então esquece, pois não vai enrabá-lo. Andar com livro para se passar de intelectual e abocanhar a gostosona da vez não dá muito certo. Não é teu estilo, meu caro repórter! Principalmente se ela gostar de colocar os homens na coleira e depois de casar com outra mulher.

– Sinceramente estou completamente por fora dessa sua narrativa. E a propósito, o que você ia me revelar hoje?

– Deixa para lá. O cérebro do moço está no meio das pernas e não existe nada que faça você armazenar o que eu ia te dizer. Mas posso lhe afiançar que nunca vi mulher mais bela, linda, dominadora, doce, sabia mandar, mas conseguia tirar um homem do paraíso, levá-lo ao inferno para dar um recado para o capeta, depois passar pelo purgatório e pagar umas contas e em seguida levar o parceiro a tocar harpa entre as nuvens.

– De quem você está falando homem de deus?

– Ora! De uma certa musa modernista. Ou não sabes nada dela? Não é para isso que fica me azucrinando todos os dias? Ou você quer saber quem é a Rainha que fez tombar o meu Rei? Ah quer saber de uma coisa? Também vou embora! Não quero mais jogar com um repórter que mais parece um velho leão desdentado com medo de ser devorado pela hiena endinheirada. Agora você pode ir. Já disse o que eu tinha para te falar. Vai lá lamber aqueles sapatos que custam mais do que seu salário, mas cuidado. A dona deles pode querer te enrabar com o salto deles. Depois não diga que eu não te avisei.

Antes mesmo que Márcio pudesse dizer alguma coisa, Amadeu pegou a garrafa e saiu correndo de dentro do bar, gritando que os lingeries estavam fortemente armados e eram perigosos, por isso todos deviam se esconder e que aquele bar não era mais seguro para ficarem.

Quando o repórter fez menção de segurar Márcio, Rodolfo estava colado nele dizendo que a dona não gostava de esperar e já fazia um tempinho que havia ligado. “- Eu acho melhor você ir rápido, antes que ela desista e amanhã você arque com as consequências. Ela é linda, mas tem um gênio do cão. Não queria estar do lado dela como marido um minuto se quer. Tenho certeza que seria como se eu estivesse no meio do inferno com bosta até o pescoço. Vai por mim!”

– Obrigado Rodolfo! Tem alguma chance de você me passar o número do telefone dela? Eu sei que os que ela me deu não são os mesmos que utiliza para falar com você?

– Quem te disse isso?

– Não se esqueça que eu também tenho as minhas fontes.

– Em primeiro lugar, não existe comigo essa coisa de jogar uma coisa como se fosse verdade para conseguir o que se quer. Não caio nesse truque, meu amigo. Depois, mesmo que o número fosse outro, eu não te passaria.

– Não é nada disso! Mas sei que tem acontecido coisas estranhas nos últimos tempos. Não sei como é possível, pessoas me deixarem mensagens no celular e quando vou retornar, a informação é que o número não existe. E-mail enviado que depois não dá para enviar respostas. O que você sabe sobre isso, Rodolfo?

-Eu?! Não sei de nada, Márcio! A única que sei é que sou garçom aqui no bar.

– Estranho! Você nunca está de folga. Vai gostar assim do trabalho no inferno!

– Isso é problema meu! Acho melhor deixarmos de prosa e você ir logo conversar com a dona Angélica. O local é pertinho daqui. Assim que você sair eu aviso que você já está chegando lá.

Ao perceber que não ia conseguir nada com Rodolfo, além de observar que ele também era chegado num mandonismo e conhecia bem Angélica, inclusive no comportamento autoritário, Márcio se colocou a caminho, mas com vários pontos de interrogação na cabeça. Desconfiava que o garçom era muito mais do aquele pinguim de geladeira que servia às mesas. “Por que não prestei mais atenção nele?”, perguntou-se o jornalista andando apressado para o outro bar em que Angélica o esperava.

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