Sobras de um amor…

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         Ao colocar o ponto final no texto, olhou para o relógio: 15h30. Tinha meia-hora para revisar todo o conteúdo distribuído em oito laudas, corpo 16. “Será que dá tempo deu revisar”, pensou o repórter, respondendo a si mesmo a pergunta. “Melhor ligar para o Roberto, pedindo mais meia hora. Vou lhe dizer que estou revisando e que até quatro e meia, receberá o texto, dizendo que pode diagrama-lo na página, deixando espaço de 1/8 para uma foto que tiraria naquela noite a partir duma panorâmica da região da cidade em que há muitos bares e lanchonetes”.

Seu editor aceitou a sugestão. O jornalista acabou com o restante do líquido que havia na caneca e já não se lembrava mais da dor de cabeça e nem do mal-estar provocado pelo excesso de bebida do dia anterior. Relendo atentamente parágrafo por parágrafo, corrigindo pontuações dúbias ou aquelas que truncavam a frase, deixando-a incompreensível.

Terminada a revisão, enviou o texto direto para o terminal de Roberto, explicando porque optara por aquela forma narrativa como se fosse um diálogo entre dois frequentadores do bar, sendo que o enredo era contado a partir da perspectiva do garçom que servia aquela mesa e tentava, mentalmente, guardar os detalhes daquela história.

Exausto, com fome e sentindo a alma completamente vazia, Márcio olhou novamente para o relógio que estava em cima da mesa central da sala: 17h. “O que fazer agora?”. Sentiu o estômago reclamar que estava oco. Precisava comer alguma coisa, mas o quê? Lembrou-se que havia uns pacotes de macarrão instantâneo no armário de onde tirou os saches de carqueja. Era a única coisa que seu órgão estomacal, maltratado e encharcado de álcool, suportaria naquele final de tarde de sexta-feira.

Encerrada a refeição, tomou outro banho e tentou assistir alguma coisa na televisão, mas o máximo que conseguia era ficar trocando de canal em busca de algo, entretanto, não sabia o que queria. Desligou o equipamento, indo até o seu escritório, pegou um livro na tentativa de percorrer as páginas: escolheu A montanha mágica, de Thomas Mann. Tentou uma vez, duas, três a dar sequência na leitura, mas a coisa não fluia. Devolveu-o a estante pegando outro do mesmo autor, desta vez Os Bunddenbrook. A situação se repetiu. Por fim, desistiu de ler algo. Decidiu ouvir o barulho da chuva que não cessava.

Sentou-se, deixando o pensamento passear por onde quisesse. Pediu pelo aplicativo uma dúzia de cerveja. Enquanto aguardava o seu pedido chegar, estacionou sua mente no texto que havia mandado para a redação e no que Amadeu havia lhe jogado na cara na noite anterior. A bebida chegou e Márcio foi se afundando mais e mais nas garrafas que eram esvaziadas e colocadas no chão, próximo à mesa em que estava.

“Por que aquele porra me disse tantas coisas”, se perguntou Márcio tentando afugentar os pensamentos, porém, eles voltavam com mais avidez como querendo lhe dizer algo. “Acho que nunca vou conseguir entender. Nunca falei nada para ele sobre os meus fracassos amorosos. Aliás, ninguém sabe, nem mesmo minha mãe para quem a minha vida é um livro aberto. Caralho! Preciso afastar essas coisas de minha cabeça, senão elas descem para o coração e aí, entro em erupção”.

Deitou-se novamente no sofá, como se estivesse num divã psicanalítico e entre um pensamento e outro dormiu. Nem bem apagou, seu mundo onírico foi todinho recheado por Amadeu e aquela misteriosa mulher com que ele conversava aos prantos numa das noites que o seguira. Nos sonhos, pessoas se misturavam às cores fortes que navegavam entre o vermelho, laranja, amarelo, azul. Ora Amadeu ficava amarelo, a pessoa com quem ele discutia ficava azul para depois ficar laranja e vermelho e, por fim, todos se transformavam num azul escuro.

Entre essas trocas de cores, Márcio despertou com o som do seu celular. Alguém estava insistentemente ligando, até que finalmente atendeu.

– Alô!

– Alô! Márcio!!! Que texto do caralho é esse meu chapa?

Era o editor querendo saber mais sobre a reportagem.

– O quê? Quem está falando?

– Caralho!! É Roberto, seu filho da puta! Onde você está? Parece que está no mundo da Lua. Sabe que horas são?

Ao ouvir isso, Márcio olhou no relógio. Passava das oito da noite e lá fora a chuva dera uma trégua.

– Ah sim! Desculpe-me Roberto. Acabei adormecendo aqui no sofá. Gostou do que te enviei?

– Claro! Inclusive mandei cópia para o diretor e ele acabou de me dar aval para a publicação. Você já jantou? Vamos sair para comer alguma coisa e discutir os próximos passos da publicação. Também pretendo te falar como espero colocar essa sua narrativa em circulação.

– Está bem! Vamos! Você passa aqui em casa e aí decidimos o que faremos.

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