Sobras de um amor…

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Márcio acordou de sobressalto, ressacado, porém, sem náuseas. Tomou outro banho e, enquanto a água lhe caia sobre a cabeça, escorrendo pelo corpo, decidiu que iria encontrar essa mulher de qualquer jeito. Era ela a chave entre o cérebro perturbado de Amadeu e a história que tentava escrever para o jornal e conseguir de vez entrar para o rol dos grandes jornalistas.

Depois dessa descoberta, fez tudo de forma automática e apressada. Precisava conversar com alguém e a redação era o melhor local. Lá sempre tinha alguém que conhecia alguém que poderia levar alguém a algum lugar. Quem sabe não conseguiria encontrar a tal de Ângela ou Angélica e saber tudo o que aconteceu com o beberrão do Amadeu.

Ao chegar na redação chamou Valdo para uma conversa. Talvez ele, sendo fotógrafo, poderia ajudar na identificação da mulher. Fotógrafos são mais detalhistas que os demais mortais, pois precisam imortalizar uma forma física através de um equipamento, diferentemente do pintor que arquivava a imagem em sua memória e dava-lhe os contornos e as tintas que bem quisesse.

Contou a história para o amigo, porém, este lhe disse que não poderia ajudá-lo. Não conhecia ninguém com aquelas características, mas antes de encerrar a conversar com o repórter lhe fez uma pergunta:

– Você andou bebendo, meu caro? Está num cheiro de cachaça vencida. Exala bebida vagabunda. Acho que isso que você acaba de me dizer é consequência de muito álcool, alucinação e esquizofrenia. Está andando muito com aquele beberrão que você quer publicar a história dele. Acho melhor tu voltar para casa e se refazer. Se o chefe te encontrar nesse estágio, é capaz de lhe dar um gigantesco gancho.

– Antes de me julgar, espere! Vou te contar o sonho que tive essa noite. Tenho certeza que depois irá me entender.

– Márcio! Não me venha de novo com essa história de calcinhas mágicas e perseguições de lingerie. Estou cansado de ouvir essas suas histórias sem pé nem cabeça. Poupe meus ouvidos nesta segunda-feira de tanta baboseira. Faça o seguinte: procure aquele seu amigo que é desenhista da polícia e peça a ele para fazer um retrato-falado dessa dona que te deixou de queixo caído dentro duma garrafa de cachaça. Não foi isso que você contou ainda a pouco?

– Foi!

– Então tá! Vai curar essa sua ressaca sentimental, de solteirão e de punheteiro ermitão.

Ao terminar de dizer, Valdo saiu da sala e foi procurar o que fazer, estava enfadado com aquelas narrativas e nauseado com o cheiro de bebida vencida que exalava de todo corpo de Márcio. “Repórteres! Sempre cheio de cachaça em busca da reportagem ideal! Sei bem o que querem: o gole exemplar ou o porre ideal”, pensou o fotógrafo.

Depois que o amigo saiu da sala, Márcio ligou para o desenhista sugerido pelo fotógrafo e combinaram de fazer o tal retrato na hora do almoço do policial, desta forma, não teria que pedir permissão para o chefe ou correr o risco de ser advertido por fazer algo particular numa repartição pública.

Até a hora do encontro, o repórter se deixou ficar perambulando pela redação, mexia numa coisa, revirava gavetas, revia matérias antigas, revistas que apontavam a vida social da cidade. E foi justamente numa dessas que acreditou ter visto a tal mulher, contudo, a imagem estava horrível, e a legenda não dizia respeito a ela e sim a um casal que estava com ela. Marido e mulher presidiam um clube de serviço da cidade. “Mesmo ruim, acho que essa foto pode ajudar a desenhar o rosto dela”, pensou o jornalista.

Rasgou a página da revista em que estava a foto, a colocando no bolso. Em seguida foi para a polícia conversar com o amigo desenhista. Lá chegando explicou o motivo para que ele pudesse fazer o tal desenho. Inventou uma desculpa esfarrapada qualquer e começou a descrever a musa que lhe incendiara as cabeças – a de cima e a de baixo, pois só de pensar nela, ficava excitado, sem saber ao certo de onde vinha tal desejo.

Depois que o desenho ficou pronto, Márcio tirou do bolso o pedaço de revista que levava e a mostrou para o amigo. Ele olhou bem para as duas imagens e falou:

– Eu conheço essa mulher! Mas não me lembro de onde e não me recordo o nome dela. Espere um pouco! O nome não me vem à cabeça, mas o fato sim. Acho que ela veio dar queixa de alguém que havia desaparecido. Aguarde um pouco que vou vasculhar os arquivos.

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