Sobras de um amor…

17    

 

Não restou outra coisa ao repórter a não ser terminar a sua bebida, pagar a conta e retornar à sua casa. Precisava fazer isso com muita rapidez porque o tempo ameaçava desabar. O domingo começara chuvoso, com uma tarde ensolarada e a tendência era terminar como iniciara: com muita chuva! Márcio não queria ficar debaixo do aguaceiro que estava por vir.

– Obrigado Rodolfo! Parece que o nosso homem hoje não estava a fim de dizer nada. Falou apenas coisas desconexas. Até aí nada demais, mas o meu prazo para concluir esse material está terminando. Tenho mais uma semana para que esse doido fale mais sobre as suas esquisitices. Você bem que podia me ajudar, me dizendo quem era aquela senhora com quem conversou.

– Que senhora, meu caro? Não sei do que você está falando! Não faço parte das fontes de suas matérias aloucadas e inoportunas. Acho que o louco aqui é você e não o Amadeu. Parece obcecado! Segue o cara, cheira o álcool que exala da pele dele, tudo por conta de umas linhas tortas que vão estampar o seu jornal e, depois virar forragem para enrolar papel higiênico usado. Quer um conselho: esquece o cara! Ele mesmo já se esqueceu de quem foi um dia e você o fica forçando a recordar coisas tristes em sua existência. Deixe o homem para lá! Encontre outro assunto que tem mais sentido para você e seu Tribuna do Vale que acho que não vale nada!

Márcio não respondeu nada e deu o assunto por encerrado se dirigindo à porta do estabelecimento. Ao sair, olhou para o céu e percebeu que a chuva não tardaria a cair. “Melhor eu me apressar. Em casa coloco as coisas em ordem e tento escrever algo para entender esse domingo doido como a cabeça do Amadeu”, pensou o repórter, encarando os ventos que já chegavam junto com alguns relâmpagos que riscaram os céus.

Já em casa, o jornalista preparou o chá noturno. Seu organismo ainda sentia o exagero alcoólico dos últimos dias, porém, valia tudo por uma boa matéria e se fosse especial de domingo com chamada na primeira página, seria a sua realização. Entretanto, tudo parecia que não daria em nada, já que o seu entrevistado quando parecia sóbrio, entrava numas de falar a partir de enigmas, coisas esquisitas, uns termos herméticos que levariam semanas para serem decifrados.

Sorveu os primeiros goles de seu chá de boldo, pensando na mulher distinta que viu conversando com Rodolfo e lhe dando dinheiro. Em seguida o garçom colocando as notas dentro de um caderno em cuja capa estava escrito o nome de Amadeu.  Recordou quando ela a chamou de Angélica ou Ângela, não sabia ao certo, mas se lembrou que esse nome em italiano significa anjo ou algo assim. “Seria mesmo esse o nome dela ou o usava para que ninguém saiba de fato quem ela é?”, se perguntou mentalmente Márcio.

“Tem coisa aí nessa história. Essa mulher tem que ter alguma ligação com aquele ensandecido pinguço. Mas o quê? Qual é a ligação?”, ficou pensando e se perguntando. Para Márcio, decifrar essa ligação parecia ser mais interessante do que as narrativas que Amadeu contava todos os dias, de forma hermética. “O primeiro passo será perguntar o nome inteiro de Amadeu. Depois começar, pelo sobrenome, verificar o que o ligava aquela mulher que se vestia bem, porte atlético. Com certeza, um caminho para a perdição, como se diziam as antigas matronas”.

Acabou adormecendo no sofá. Novamente as criaturas da noite voltaram à visitá-lo. Só que ele não sabia se estava acordado, semiacordado, ou dormindo, mas aquelas sombras lhe perseguindo eram bem nítidas e reais. Uma delas, misto de homem e mulher lhe dizia coisas horríveis. Ela passava por ele e o chamava “puritano” e quando ele a olhava, esta estava de costas lhe apontando o pênis. Daqui a pouco, a criatura retornava e gritava em seu ouvido: “frigido”, “virgenzinho da mamãe”. E fazia o mesmo movimento, só que desta vez estava com a face parecendo uma vagina gigante.

Acordou assustado, olhando rapidamente para o relógio viu que já passava da meia-noite e a chuva caia torrencialmente lá fora. Foi se banhar para despertar e tentar se livrar dos resquícios daquele pesadelo maldito. Queria entender tudo, mas quanto mais pensava naquelas monstruosidades mais ficava incomodado. “Acho que estou precisando arrumar uma namorada. Estou passando muito tempo pensando naquele maluco. Cruzes!”

Terminado o banho foi para o quarto e, como fazia todos os dias, pegou um livro, tentando tentou lê-lo, mas não concentrava na leitura. Algo estava errado. Nunca havia sido tão displicente com suas leituras cotidianas, principalmente aquelas que não diziam respeito ao trabalho. Imediatamente veio a cabeça a crítica que Amadeu fez ao material que publicou naquele dia. “Que droga! Será que o maluco tem razão? Mas não vou ver isso hoje, amanhã dou uma passada na redação e ai vejo isto!”

Como não conseguia se concentrar, fechou o livro e se deitou cerrando os olhos, deixando a mente vagar e conduzi-lo a qualquer ponto de sua existência. “Aquele vestido amarelo omelete a deixou muito gostosa. Era amarelo ou vermelho morango? Vixi Maria! Não sei mais, mas aquele lingerie marcando sua bunda e colocando em evidência seu sexo, é coisa de outro mundo”, pensou Márcio.

Acabou adormecendo com as imagens de lingeries vermelhas e amarelas lhe perguntando qual era a sua preferência em cores e formato. Entre acordado e semiacordado, ele balbuciava: “as duas! O mais importante é o que elas guardam. Aí está o tesouro do homem que sabe encontrá-lo. Muitos tentam, mas poucos conseguem”.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *