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Do lugar onde estava, Márcio escutou o diálogo entre a recém-chegada e p garçom – “parece que o cara não tem folgas, já que está ali todos os dias”, pensou o repórter, sem perder o foco na conversa entre a dupla que estava a sua frente.
– Romão, Amadeu tem aparecido por aqui?
– Tem vindo sido dona Angélica!
– Você sabe se ele se alimenta corretamente?
– Sim, servimos sempre o cardápio que a senhora tem recomendado. Bebe a mesma quantidade de sempre, leva a garrafa embora e traz no dia seguinte.
– Você percebeu se ele tem mudado a roupa do corpo, se está se banhando, se barbeando?
– Sim. Ele chega todo dia na mesma hora e do mesmo jeito. Não tem cheiro algum, exceto aquele que indica que acabou de tomar banho.
Márcio estava atento e aquele instinto de repórter que fareja uma excelente matéria foi aguçado. Percebeu que a “madame” e Rodolfo conversavam sobre Amadeu. Esticou os ouvidos para escutar mais e captar outras informações sobre o enigmático pinguço, metido a doutor Freud, sabedor das entranhas mentais das pessoas, mas não dava conta de suas alucinações, sem saber distinguir o real do fictício.
Atento à conversação, o jornalista percebeu quando Angélica colocou nas mãos de Rodolfo cinco notas de R$ 200 e ouviu quando ela disse que era para pagar a semana de bebedeira de Amadeu. “Qualquer coisa, se precisar de mais, é só me ligar. Este aqui é meu número. Mas por favor, ele não pode saber que estive aqui. Se ficar sabendo, não consigo monitorá-lo. Ele vai desaparecer, como fez das outras vezes e deu o que fazer para achá-lo. Você entendeu bem!?”.
– Sim senhora. Pode deixar, ninguém saberá que esteve aqui.
O diálogo foi rápido e ninguém, exceto Márcio, entendeu o que se passava entre a mulher e o garçom. O repórter fez leitura labial dos diálogos. O dinheiro foi repassado rapidamente das mãos de Rodolfo para o seu bolso. Angélica saiu rapidamente do Bar da Net, preocupada em ser vista por algum conhecido, ou bisbilhoteiro querendo saber mais do que devia sobre a sua vida.
Assim que a mulher deixou o bar, Márcio se levantou e foi até o balcão e viu quando Rodolfo tirou o dinheiro do bolso e o colocou dentro de um caderno com capa azul marcado com o nome do freguês mais tresloucado que o boteco tem.
– Quem é ela?
– Ninguém! Por que quer saber?
– Ora, uma mulher dessas entrar num bar como esse no final da tarde de domingo com toda aquela presença feminina! Tem que ter algo e eu vi ela conversando com você e te passando dinheiro. Você colocou as notas dentro dum caderno que tem um nome na capa.
– Melhor ficar fora disso, Márcio. Não tem nada para um repórter saber aqui. Quer mais uma cerveja? Isso eu posso lhe servir, mais do que isso, está fora do meu alcance.
Em seus anos de ofício, o jornalista aprendeu que não pode ficar molestando as fontes. É preciso ir com calma para se conseguir o que quer, inclusive conversar sobre outras coisas, introduzindo no meio do assunto, o tema que de fato quer saber.
Voltou para o seu lugar. Bebeu mais uma cerveja, saboreando-a, mas já começava a ficar empapuçado com o sabor. “Acho que um conhaque de quebra-gelo vai bem agora”, pensou Márcio, chamando a atenção de Rodolfo que o atendeu prontamente.
– Se você chamou aqui para falar daquela mulher, esquece. Só sei que ela veio aqui perguntar sobre o proprietário e mais nada!
– Não! Esquece aquela história. Quero que você busque uma garrafa daquele conhaque que eu costumo tomar. Vou esperar Amadeu chegar.