Sobras de um amor…

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         Como pensado, saiu do restaurante, deixando-se andar pelas ruas centrais da cidade, ora parando numa vitrine, noutro momento vislumbrando um monumento ou quando não parava nas esquinas, mesmo sem aquele movimento semanal de carros em alta velocidade, ficava esperando, talvez passar um carro ou outro veículo. Levantou a cabeça, olhou para o farol e estava verde, esperou pacientemente, mesmo não tendo nenhum automóvel passando, mudar para vermelho e somente depois atravessou a rua.

Sem sentir os passos e os rumos que os pés davam ao seu corpo, Márcio acabou parando na mesma praça da narrativa contada por Amadeu e não conseguiu evitar pensar no amigo alucinado por sabe lá qual motivo. Talvez um amor não correspondido, ou quem sabe, como aquele personagem de Cervantes, o Dom Quixote que enlouqueceu de tanto ler romances de cavalaria. “Vai saber? Melhor deixá-lo com as suas esquisitices”, pensou o repórter.

Sentou-se em um banco – nem se incomodou com o estado do assento encharcado pela chuva que caíra pela manhã – para apreciar o verde que cobria toda aquela praça, sentindo aquele misto de verão-primavera-inverno, mas novamente lhe veio à memória as histórias amalucadas de seu “amigo de copo” que nunca dizia algo coerente com o que acabara de dizer. Estar com ele era como percorrer o alfabeto inteiro num instante. Num momento dizia uma coisa, mas nem acabava a frase e já mudava de assunto, como se estivesse movimentando o dial de um rádio em busca alucinada por outra estação musical.

Levantou-se apressado sem perceber que a calça, na região da bunda, estava toda encharcada. Caminhou apressadamente como se estivesse atendendo a um chamado. O relógio já indicava que já passavam das quatro da tarde quando Márcio novamente estava defronte ao Bar da Net. Adentrou o estabelecimento e quando ia pedir o de sempre, se lembrou da ressaca da manhã. Mudou de ideia sobre o que ia beber. “- Um refrigerante de cola com limão, por favor Romão!”.

– Diga lá meu caro repórter, está com ressaca? Não aguentou a onda de Amadeu?, perguntou-lhe Rodolfo com aquela cara de sarcasmo.

– Mais ou menos isso. Se continuar na toada dele, com certeza vou a óbito antes do tempo. E por falar no dito cujo, ele apareceu por aqui hoje ou vai vir?

– Depois de muito tempo, almoçou aqui e disse que ia dar umas andadas pelas estrelas. Disse-me que estava pensando em jogar amarelinha no céu. Você acha que pode?

– Rodolfo, você que o conhece a muito tempo. O que lhe aconteceu para ficar assim tão alucinado, mas ao mesmo tempo normal ou pelo menos tenta demonstrar lucidez?

– Ninguém sabe ao certo. Quando começou a frequentar aqui nunca dava sinais de que havia algo de errado com ele. Até que um dia desandou a falar sozinho e coisas desconexas. Como não incomodava ninguém, foi ficando e fazendo questão de usar a mesma mesa; trouxe o copo em que gosta de beber, a mesma bebida e da mesma marca. O pessoal que frequenta o bar acha que é mania de alguém que levou uma grande rasteira da vida e não conseguiu mais se levantar!

– Pode ser tudo e nada, mas para sabermos mais, ele precisa falar. Ele vem aqui aos domingos à noite, Rodolfo?

– Às vezes sim, costuma ser frequente, mas vai saber o que se passa naquela cabeça oca e cheia de álcool? Talvez possa estar perdido no céu jogando amarelinha com a santidade! Vai saber!

Márcio terminou seu refrigerante, pensou se não seria melhor ir para casa e voltar mais tarde, no começo da noite. Mas sabia que se fosse embora, poderia dormir o resto da tarde e acordar só de madrugada, ficando acordado até o dia raiar e, se isso acontecesse, seria aquele deus nos acuda. A segunda-feira estaria perdida e o sono também. Sendo assim, a saída era ficar e quem sabe desvendar os mistérios que rondam a cabeça de Amadeu.

Sentou-se à mesa de costume, isto é, no mesmo lugar ocupado por Amadeu há anos ali naquele cantinho de boteco em uma viela da região central da cidade quase que deserta. A região era formada por imóveis eram todos antigos, muitos dos tempos do Império. Deixou-se ficar ali, sem muito o que fazer, com a mente vagando sem dar um destino certo às imagens que pululavam entre um neurônio e outro, enquanto a ressaca definitivamente abandonava seu corpo.

“Acho que agora dá para tomar uma cerveja”, pensou Márcio, se levantando imediatamente se dirigindo ao balcão para pedir a bebida. Nesse momento, adentra ao bar uma senhora, bem distinta, com vestes indicando que não pertencia àquele lugar, aparentando no andar certa altivez. O repórter não deixou de notá-la, principalmente pela sua altura, a beleza e o frescor que exalava daquele corpo.

Ainda de pé, próximo ao balcão, o jornalista deu uma olhada na mulher, mesmo que de soslaio para que ela não percebe suas observações. Pode notar as formas físicas dela, inclusive que a lingerie que usava lhe acentuava a região da bunda e dos seios. Para não parecer deselegante, pegou a garrafa e o copo e se dirigiu à mesa onde estava sentado momentos antes.

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