Gilberto Barbosa dos Santos
O que leva um grupo de sujeitos a abrir mão de sua liberdade e da democracia? Com essa indagação, começo a minha reflexão de hoje. Entre tantos assuntos que poderia abordar nas linhas que se seguem, optei por esse justamente por não entender direito como isso se processa e, em virtude dessa ausência de compreensão, à moda dos grandes pensadores, tornou-se um problema a ser equacionado, ou pelo menos, uma tentativa de entender porque, em pleno século XXI, muitos sujeitos sociais sentem saudades de períodos de exceções e seus totalitarismos e períodos ditatoriais. Claro que cada um tem lá suas justificativas e, bem como dizia François-Marie Arouet – Voltaire (1694-1778) – num verbete da Enciclopédia francesa, “não concordo com o que dizes, mas defenderei eternamente o direito de dizeres”. Todavia, será que tais justificativas passariam pelo crivo da razão, ou melhor, como diria o filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804), seria fruto da maioridade crítica?
Não posso afirmar ao certo, entretanto, quero crer que o que sustenta tais discursos são desilusões com o que foi prometido no passado, isto é, que os tempos de bonanças haviam aportado no Brasil e que nunca mais o problema financeiro iria assombrar os brasileiros. Quem acreditou nessa e em outras promessas palanqueiras, inclusive defendidas por um séquito dos governos anteriores, caiu do cavalo, como se diz no jargão popular. Em primeiro lugar, é preciso entender que não é possível se endividar adquirindo bens materiais que se desvalorizam conforme são utilizados, portanto, não se encaixa na nomenclatura de investimentos e sim de despesas mensais. Estou tentando resumir ao máximo a questão para que aqueles que me leem semanalmente compreendam onde pretendo chegar com tais reflexões: na compreensão dos motivos que levam o homem a desejar o fim da própria liberdade, a extinção da democracia – mesmo se dizendo democrático, mas desejando intervenção em duas instituições criadas justamente para dar sustentação à vida democrática na polis.
Desta forma, entendo que todo homem, ao querer manifestar-se contra isso ou aquilo, deve estar municiado de informações que se transformarão em conhecimento. Neste sentido, no caso especifico do Brasil, faz-se necessário compreender minimamente a Constituição do país em vigor desde 1988. Nela, embora a Nação viva sob o regime presidencialista – com o chefe do Executivo acumulando as funções de chefe de Estado e chefe de Governo -, há amplos poderes para o Legislativo, daí muitos especialistas afirmarem que no momento, o Brasil está sob o regime do parlamentarismo branco, isto é, não oficial, contudo na prática, na medida em que as matérias de interesse do governo são colocadas em pauta a partir do desejo do presidente da Câmara Federal, Rodrigo Maia (DEM). Tendo isso como premissa, é que fico com a seguinte indagação: o eleitor brasileiro escolhe um presidente da República a partir das promessas de palanques e muitas toscas verborragias, ausência de verdade, desvirtuamento de dados e informações, contudo, não lhe assegura maioria no Congresso Nacional – dividido entre as duas casas: Câmara Federal e Senado Federal. É preciso conhecer minimamente essas questões para quando se dirigir aos locais de votação, o eleitorado esteja consciente do voto que depositará nas urnas e o que aquilo significa.
É neste sentido que digo não ser possível haver uma dose minimamente plausível de razão quando se deseja a intervenção militar, pede-se a volta do Ato Institucional n.º 5 ou se compraz com políticos de clara envergadura totalitária. Reparem, meus caros leitores, que para a saúde democrática é preciso haver alternância no poder, quando o regime for presidencialista como é o caso do Brasil e, caso seja uma República Parlamentar, o presidente ocupa o cargo honorifico de chefe de Estado, ficando a cargo do Primeiro Ministro a chefia do governo e este é indicado pelo partido que tem maioria no parlamento ou representando a junção de várias agremiações. Quando este político perde o apoio no Congresso, fazem-se necessárias novas eleições para que tudo possa ser reordenado e a Nação volte a funcionar normalmente. Este não é o caso do Brasil, no qual, desde a publicação da Constituição, há um presidencialismo de coalisão se transformando em cooptação em virtude da necessidade de o governante pactuar com o Congresso. O parlamento brasileiro pode não ser o melhor do mundo, mas ele é a cara dos seus eleitores, portanto, marchar contra essa instituição, é uma atitude antidemocrática. Evidenciando que o caminho não é este, e sim do entendimento político.
Por outro lado, tenho clareza de que todos têm liberdade para externar seus posicionamentos ideológicos, religiosos e futebolísticos, todavia, é assaz interessante que essas defesas sejam feitas dentro da plausibilidade, ou seja, com fortes evidencias do campo racional, sem palavras-chave, chavões, palavras de ordem e adjetivações equivocadas de quem discorda de tais posicionamentos. A Revolução Francesa de 1789 foi marcada sobretudo por três princípios básicos: Igualdade, Liberdade e Fraternidade. Ideais significativos que, mesmo o período do terror instalado por Maximilien de Robespierre (1758-1794), sufocou, exterminou o sentido contido nessa trindade moderna. É em virtude dessas observações que busco entender o porquê de os brasileiros pedirem o retorno dos tempos ditatoriais. Uns são saudosistas, contudo, não entendem que o principal valor naqueles períodos foi subsumido: a liberdade de expressão. Entendo que a mais tosca democracia ainda é melhor do que qualquer ditadura, governos totalitários – aliás a História da Humanidade está recheada por esses momentos tenebrosos, seja no mundo antigo, seja no medievalismo ou nos tempos modernos.
Posto isto, como é possível chegar racionalmente à liberdade e posteriormente à democracia? Creio que a educação, conforme nos aponta o pensador genebrino Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), é a saída para equacionarmos os problemas que a sociedade brasileira vem enfrentando, principalmente no campo da institucionalização das relações sociais e confiança nas políticas brasileiras, bem como nos representantes do povo. Se a confiabilidade não sustenta um governo, o que se pode fazer? Observar se existem dispositivos legais que permitam o afastamento daqueles que não conseguem agregar valor e angariar para o país os melhores investimentos e agentes econômicos. É preciso observar que, no Brasil em específico, os rumos da economia sempre seguirão os ditames e encaminhamentos do universo da política. No momento, o país, no campo político-partidário, deixa a desejar, justamente por falta de habilidade política dos agentes escolhidos democraticamente nas ultimas eleições. Um pouco mais de História política desta Nação, faria com que o eleitorado entendesse um quantum significativo de como funciona os Três Poderes brasileiros. Não adianta vociferar hoje e amanhã escolher seus representantes entre aqueles envolvidos com corrupção e dinheiro público, mesmo que seja, uma merreca, mas há famílias que sofrem para se manterem em pé com menos recursos do que essa ninharia, conforme um político disse certa vez. Enfim, que todos entendam que, sem racionalidade, não há liberdade e sem esta, a democracia é tosca, manquitola ou até mesmo inexistente.
Gilberto Barbosa dos Santos, Sociólogo político, editor do site www.criticapontual.com.br, autor do livro O sentido da República em Esaú e Jacó, de Machado de Assis; professor no ensino médio em Penápolis; pesquisador do Grupo de Pensamento Conservador – UNESP – Araraquara e membro do Conselho Editorial e Científico da revista LEVS (Laboratório de Estudos da Violência e Segurança) – UNESP – Marília; escreve às quintas-feiras neste espaço: e-mail: gildassociais@bol.com.br ;gilcriticapontual@gmail.com. www.criticapontual.com.br.