Gilberto Barbosa dos Santos
A discente do curso de Administração de Empresas no Insper, Rubia Muniz Arruda, 18, afirmou numa reportagem dum jornal de circulação nacional que, caso o aluno não tenha “incentivo familiar para estudar, ele vai buscar isso na escola. Não encontrar isso na escola é uma grande frustração”. É preciso observar que a universitária frequenta uma importante instituição de ensino superior brasileiro na condição de bolsista, já que pertence aos degraus de baixo dos estratos que formam a base da pirâmide social do Brasil. Será que essa condição educacional lhe faculta fazer tal observação? Creio que sim, entretanto, é preciso se aprofundar mais na problemática pedagógica do país, pois a sociedade quer que a escola resolva tudo, todavia, não lhe oferece condições para que atenda todas as demandas que batem à porta das instituições de ensino, principalmente as públicas.
No mesmo material divulgado pelo periódico, o economista Naercio Menezes Filho, professor do Insper e da USP, afirma que tudo começa na primeira infância, ou seja, durante o processo de socialização primária. Portanto, as escolas só apareceriam na vida da criança num segundo momento – aquele que os cientistas sociais chamam de socialização secundária. Desta forma, se o sujeito, enquanto dá os seus primeiros passos na existência social, não vislumbrar em seu redor, por exemplo, o pai lendo ou o estimulando à leitura, dificilmente se tornará um leitor quando adulto. Neste sentido, ao que tudo está indicando, aquela ideia, segundo a qual, a escolaridade dos pais, costuma ser um dos determinantes da aprendizagem dos filhos. As pesquisas apontam que sim, mas como é que ficam aqueles sujeitos sociais que, tendo pais analfabetos ou com poucos anos de ingressam nas melhores universidades brasileiras?
Parece-me que, apesar de terem formação mínima ou quase nenhuma, a maioria desses pais sempre estimularam os filhos a irem mais além, entretanto, não transferiram toda a responsabilidade educacional às escolas onde os seus descendentes estudavam. Fizeram o que lhes cabia em termos éticos e morais! Esse processo aconteceu num passado não muito distante e ainda permanece timidamente em determinadas instituições de ensino, principalmente no âmbito público. E por serem casos esporádicos, torna o trabalho dos educadores mais complexo, já que os conflitos existentes no cotidiano escolar consomem boa parte do período letivo. Mesmo que os pais são chamados, no afã de que os atritos sejam reduzidos, a balbúrdia permanece, justamente pela falta, vejam bem meus caros leitores, de autoridade já que o autoritarismo reina nesses lares ditam as regras das convivências entre os moradores, mesmo durante as comensalidades, seguido de muita violência física e simbólica.
Quem milita, ou tem na educação um sacerdócio, já deve ter ouvido pelo menos uma vez, uma mãe dizer: “não sei mais o que fazer com ele [a]!”. Ora, se os pais já jogaram a toalha, como se diz no jargão popular, quem pode mudar o “destino” do rebento? A escola? Acredito que os muros institucionais podem cumprir o seu papel constitucional, que é o de auxiliar a criança e o adolescente a transformarem informações em conhecimento, fora isso, tudo os demais cabem aos pais e responsáveis, entretanto, estes estão terceirizando tudo, ou para o Estado ou para o setor privado. Quando os filhos nascem, os pais chegam e dizem para o sistema: “toma que os filhos são teu. Cuide deles até ficarem adultos e produzam bastante riqueza e, somente a partir daí eu os assumo”. Nesse sentido, se se for raciocinar dentro da lógica capitalista, que é a que vivemos, socializam as despesas e se apropriam do lucro. E olha que as despesas são grandes, principalmente em manter uma estrutura viciada desde o Império, segundo a qual, sempre haverá um plutocrata aguardando, no final das obras e dos trabalhos, receber sua parte, nem que para isso precise subornar um burocrata infeliz, semelhante a muitas personagens kafkianas.
A dramaticidade pedagógica se amplia quando o Estado, através dos políticos que representam esses mesmos pais nos principais assentos do poder, alardeia promessas, inculcam mentiras e inverdades sobre a situação do setor educacional. Neste ponto faz-se necessário verificar como essas observações chegam até o cidadão, isto é, quais as ferramentas os governantes utilizam para fazer com que os pais acreditem em suas falácias populistas? Será que o caminho da publicidade, iniciado no interior dos mais diversos palácios espalhados pelo Brasil, começa com a leitura de livros, jornais e revistas, mesmo que estes sejam eletrônicos? Todos sabem, conforme apontei no início desse texto, que em muitas das casas brasileiras não são mantidos hábitos de leitura e, quando aparece um livro, em breve irá para a lata do lixo. Portanto, as comunicações entre governos e cidadãos não serão realizadas por intermédio de longos textos, dados e outras análises, mas apenas e tão somente de imagens montadas de estúdios, sejam eles móveis ou não. Desta forma, o duvidoso passa a ter caráter verídico e todos os telespectadores acreditam que aquela escola, que aparece na propaganda, existe no universo concreto, entretanto, eles se esquecem de que para que o fictício vire realidade, se faz necessária a plena participação deles, pais, na vida ativa da escola.
Se não existe uma presença eficaz da família no dia a dia escolar, mas apenas com a ida dos filhos para aquelas instituições, como a educação brasileira poderá ser tornar aquela idealizada pelos educadores e desejada pelos cidadãos? Responder a essa pergunta é relativamente fácil quando se compara o que será externado com o cenário político nacional. Se no campo da representação eleitoral, o cidadão vota não como um ser que participa das questões mais emblemáticas da sociedade em que existe e a lhe dá novos significados a partir da interação com seus pares. Ou seja, em sua expressão político-democrático, o brasileiro não é participativo, mas delegativo, isto é, sempre transfere para alguém a decisão de fazer aquilo ou algo que lhe apetece e é seu por direito e como dever de cidadão. Se isso é fato e creio que seja, no campo educacional o procedimento é o mesmo, ou seja, os pais transferem para deus e todo mundo a educação dos filhos, sem, no entanto assumir a parte que lhe cabe nesse processo. Dai aquela frase: “eu já não sei mais o que fazer com ele [a]!”, ser de fato uma tentativa de delegar alguém a solução do problema que cabe aos responsáveis pelo estudante.
Entretanto, ainda estamos muito longe de termos pais, em sua totalidade ou em maior quantidade, que tenham esse nível de consciência, segundo a qual, cabe a eles a tarefa de inculcar em seus rebentos valores singulares de ética e moral. A disseminação desses princípios deveria ser feita durante as partilhas, compartilhando sonhos, anseios e solucionando conflitos. Todavia, se sabe que muitos lares não têm se quer o básico para se chamar de alimento.
Gilberto Barbosa dos Santos, Sociólogo político, editor do site www.criticapontual.com.br, autor do livro O sentido da República em Esaú e Jacó, de Machado de Assis; professor do ensino superior e médio em Penápolis; pesquisador do Grupo de Pensamento Conservador – UNESP – Araraquara e membro do Conselho Editorial e Científico da revista LEVS (Laboratório de Estudos da Violência e Segurança) – UNESP – Marília; escreve às quintas-feiras neste espaço: e-mail: gildassociais@bol.com.br; gilcriticapontual@gmail.com. www.criticapontual.com.br.