Gilberto Barbosa dos Santos
O que devemos escrever hoje? Eis a pergunta inicial, meus caros leitores! Poderíamos tecer alguns comentários sobre o que está acontecendo em Brasília ou o devir político nacional, entretanto, enquanto as linhas que se seguem eram preparadas, os senadores, de ambos os lados da ponte do poder, se engalfinhavam na tentativa de afastar ou salvar o mandato da, ainda não sabemos ao certo, presidente ou ex-mandatária Dilma Rousseff. Diante das incertezas que pairavam sobre a Nação no dia de ontem, resolvemos tratar de outra temática, talvez não tão interessante assim, já que enquanto na Capital Federal o ringue e os pugilistas são muitos e, nas localidades os cidadãos e as mercadorias políticas se digladiam na tentativa de definir quem vai ocupar o posto principal nos próximos quatro anos, bem como as vagas nos mais de cinco mil legislativos esparramados pelo Brasil todo, nós optamos por voltar atenções à outra problemática, tão ou mais fecunda para o hoje já que este é consequência do ontem, mesmo que muitos tentem, a todo custo, dizer que o passado é passado e deve ficar lá com seus mortos.
Posto isso, passemos ao que nos interessa daqui por diante e, para tanto, pegamos emprestado uma citação do economista alemão Georg Friedrich List (1789-1846) feita pela professora-doutora da UFSCar, Vera Cepeda, em seu ensaio O sentido da industrialização que integra o livro Revisão do Pensamento Conservador: ideias e política no Brasil. Embora o seu texto se ocupe em pensar a industrialização brasileira nas primeiras décadas republicanas e como ela está, a partir de uma constelação de forças, imbricada na formação de um pensamento político brasileiro, entendemos que o trecho que ela destaca do pensador alemão que escreveu entre outras obras Das Nationale System der Politischen Ökonomie [O Sistema Nacional de Economia Política], seja significativo para aqueles que buscam entender o presente da economia nacional como consequência da opção feita pelo país estruturado por mais de três séculos no trabalho escravo, enquanto no outro lado da margem do riacho do Ipiranga, a elite professava um liberalismo meio que desajeitado pelo localismo escravagista, conforme o crítico literário Roberto Schwarz nos apresentou em seu célebre ensaio As ideias fora do lugar [pode ser encontrado no https://joaocamillopenna.files.wordpress.com/2013/08/151729642-schwarz-ao-vencedor-as-batatas-roberto-schwarz-pdf.pdf]. Dadas às explicações, de maneira sintética, vamos ao que diz Georg Friedrich List.
“As causas da riqueza são algo totalmente diferente da própria riqueza. Uma pessoa pode possuir riqueza, isto é, valor intercambiável; se, porém, não possuir a força de produzir objetos de valor superior ao daquilo que consome, tornar-se-á mais pobre. Uma pessoa pode ser pobre; se, porém, ao possuir a força de produzir uma quantidade maior de artigos de valor que aquilo que consome, torna-se rica. A força produtiva da riqueza é infinitamente mais importante que a própria riqueza; pois esta força não somente assegura a posse e o aumento do que se ganhou, mas também a substituição daquilo que se perdeu. Isto é tão verdadeiro no caso de nações inteiras (que não podem viver simplesmente de rendas) do que no caso de indivíduos particulares”. Essas observações são encontradas no livro List que a Nova Cultural lançou em 1986, dentro da série Os Economistas, mas o que podemos aferir delas? Será possível compreender as escolhas que o país fez ao longo das sucessivas décadas posteriores ao fim do monarquismo? Conseguiremos entender que, ao importar o liberalismo europeu do século XIX, porém, mantendo o regime escravista, o Brasil fez a opção errada e hoje o cidadão sente o peso das escolhas feitas anos a fio pelas autoridades políticas, econômicas e monetárias brasileiras?
Embora as perguntas que formulamos sejam muitas, entre elas algumas até requerem um curso de formação para poder respondê-las com um mínimo de propriedade, contudo, nos parece que o exercício de reflexão é válido, sobretudo por se tratar da tentativa de uma correta compreensão do país, sem as peias ideológicas que a categoria política e seus asseclas costumam apregoar aqui e alhures. De qualquer forma, apontamos serem significativas às observações no que diz respeito à riqueza, mas não somente ela em si, mas quem sabe, a riqueza para si, isto é, como consequência e não como fator preponderante de um existir pautado apenas no consumo como temos visto nos últimos tempos. Posto isso, cremos que o fim do escravismo no Brasil deve ser compreendido não como um ato de benevolência da Coroa, mas, sim, enquanto consequência da pressão do capitalismo internacional, conforme muitos estudiosos já disseram nas últimas décadas, entretanto, importa-nos aqui observar que a ela não se seguiu as principais reformas que colocariam o país nos trilhos que colocariam o Brasil no rol das sociedades avançadas da época, e uma dessas estagnações, podem ser vislumbradas no que diz respeito à absorção da massa de africanos alforriada e jogada à própria sorte na manhã daquele sábado, 13 de maio de 1889, quando a Lei Imperial 3.353, “Lei Aurea” foi publicada. Um exemplo de como a questão foi tratada pela elite política da época, se encontra no livro Onda negra, medo branco: o negro no imaginário das elites – século XIX escrito pela historiadora e jornalista Célia Maria Marinho de Azevedo.
Embora os meus leitores possam achar que se trata apenas duma série de recomendações de livros e leituras, acreditamos que a listagem diz respeito a obras que, consultadas meticulosamente, fornecerão ao pesquisador e alunos substanciais observações que poderão servir de elementos e argumentos para se pensar o país que temos e, em muitos casos, não o que queremos, mas como construir outro a partir dos escombros políticos deste? Primeiro, porque a sociedade que amanheceu naquela segunda-feira, 15 de maio de 1889, respirava os ares escravagistas e o fez durante muito tempo, mesmo os grilhões e pelourinhos desaparecidos, era preciso alforriar o elemento africano bem como o escravagista acostumado às sevícias e outras práticas injuriosas desferidas aleatoriamente contra o negro durante os mais de três séculos que o cativeiro perdurou em nosso país. Costumes que a letra fria da lei não conseguiu apagar, mesmo passados mais de cem anos do fim do servilismo nacional. Se isso é fato, e tendo a crer que sim, pelo menos são os relatos e farto material que atestam tais condutas ao longo das mais de dez décadas que se seguiram à abolição, inclusive com relatos ficcionalizados com forte realismo, como por exemplo, que encontramos no romance Bandeira negra, amor e fruto dum trabalho que publicamos recentemente na revista do LEVS (Laboratório de Estudos sobre a Violência e Segurança) pertencente à UNESP – campus de Marília [http://revistas.marilia.unesp.br/index.php/levs/article/view/5977/4015].
Enfim, olhando para o nosso passado escravagista, sistema perverso que coadunava com um liberalismo às avessas, observamos que a nossa economia, fortemente vinculada às práticas coloniais, conforme apontou List quando olhava para a Alemanha Oitocentista, escudou-se apenas no consumo de uma elite que se ocupava do ócio, seja vicário ou não, de acordo com outro economista, o norueguês Torsten Bunde Veblen (1857-1929). Para os interessados em saber um pouco mais sobre as raízes desta postura das classes privilegiadas que até hoje formam uma plutocracia que elimina gradativamente o futuro do país, basta percorrer as páginas confeccionadas por Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982) no célebre livro Raízes do Brasil. Retomarei essas reflexões noutro momento.
Gilberto Barbosa dos Santos, sociólogo, professor no ensino superior e médio em Penápolis. Pesquisador do Grupo Pensamento Conservador – UNESP e membro do Conselho Editorial e Científico da revista LEVS-UNESP. Escreve às quintas-feiras neste espaço: www.criticapontual.com.br. E-mail: gilbertobarsantos@bol.com.br, gilcriticapontual@gmail.com, e social@criticapontual.com.br.