Enlutado

Começo meus aforismas críticos deste domingo enlutado. No começo da semana que terminou ontem, a cidade registrou o óbito de Realino Ferreira. Conhecedor das questões ufológicas, além de ser escritor, poeta, enfim, um homem das letras e de posicionamento crítico sobre a presença do ser humano na Terra. Na quarta-feira à noite, foi a vez de Adhemar Módena, respeitado dentro do movimento kardecista brasileiro e com mais de 50 anos dedicado à Loja Maçônica Estrela da Noroeste e do Grande Oriente Paulista, nos deixar. Módena, que era pai do ator e diretor teatral Sérgio Módena, idealizou e coordenou a Maratona Cívico Cultural que movimentou as escolas estaduais e particulares de Penápolis e cidades da comarca por várias décadas. As pessoas próximas a esses dois homens, como este que vos escreve, meus caros leitores, sabem o quanto farão falta. Deixo aqui as minhas condolências e fraternais abraços aos familiares desses dois penapolenses.

Pandemia

Estendo os meus sentimentos às famílias dos 85 penapolenses – número registrado até o momento em que eu escrevia essas linhas – que perderam a luta para o covid-19 e a pandemia global que esse vírus provoca, colocando a sociedade, quiçá todo o desenvolvimento tecnológico que grassa no orbe no presente, de joelhos, sem que se consiga debelar ou minimizar a quantidade de óbitos que vem passando, dia após dias às duas mil mortes. Os dois amigos citados acima que faleceram não tiveram como causa a situação pandêmica que se registra no presente, entretanto, é preciso entender que a situação é periclitante e que só há um jeito de arrefecer essa problemática: prevenção. Embora é moeda corrente desde começo desta peste negra pós-moderna que a ciência sempre prevalecerá em detrimento de politicagens, politiqueiros e toscas e enviesadas teologias, ainda existem aqueles que não entendem que o momento não para se brincar de super-herói.

Saúde

E nem bem iniciou a gestão, ou como se diz no jargão popular, esquentar o principal assento do poder municipal, e o prefeito Caíque Rossi (PSD) começa a entender o que significa ser vidraça. Ele assume o cargo num dos momentos mais críticos da pandemia e entrou em rota de colisão com o pessoal que dirige a Santa Casa, mais especificamente os Irmãos Remidos. Tem leito, não tem leito e fica aquele disque-disque, me fazendo lembrar aquele filme Tropa de Elite quando as personagens estão na oficina do batalhão e discutem por conta duma peça no motor de uma viatura: “tem motor de arranque ou não tem motor de arranque”. Deixando o universo artístico de lado e adentrando ao mundo concreto em que famílias e mais famílias estão assombradas pela morte que rasteja lá fora, mesmo com alguns sujeitos que não querem, em hipótese algum, como se aceitasse o mantra vindo da capital candango – usar máscaras e cumprir o isolamento social.

Linguagem

O prefeito pede que todos de sua equipe professem a mesma linguagem ou credo semântico. Seria interessante se isso acontecesse, começando pela vice-prefeita que, mesmo sendo médica, mas não estando na linha de frente no combate à pandemia, tomou a primeira dose da vacina. Como seria dizerem os mesmos verbos poéticos, meu caro chefe do Executivo? A imunização teria que começar primeiramente para quem? Aqui do meu lado, como dizem uns amigos, de simples escriba, vejo a peleja entre deus e o diabo pendendo mais para o lado do coisa ruim, fazendo com que eu recorde aqui o conto machadiano A igreja do diabo. Claro que a leitura do equívoco cometido pela vice-prefeita é minha, uma voz que clama solitária nos aforismas que escrevo semanalmente aqui nessas páginas, entretanto, se é para falar a mesma língua, então que todos a afiem em prol da coletividade e não de determinados segmentos que adoram um populismo e muitos holofotes.

Real

Qual é a real do sistema de saúde local? Pandêmico! Ou seja, caótico. Primeiro porque só existe a Santa Casa atendendo os casos, o hospital de campanha foi desativado e tem lá seus motivos, contudo, não teria sido melhor encontrar saídas para o problema que não fosse o fechamento daquela unidade? Os meus olhares são pautados no fato de que a Câmara de Vereadores, conforme matéria publicada aqui neste jornal no último dia 11 de março, encaminhou pedido para que aquela unidade voltasse a funcionar. A realidade é uma só: os leitos da UTI estão 100% ocupados, portanto, deixou de ser aquela polêmica do filme Tropa de Elite e motor de arranque de viatura policial.

Narrativa

Quebrando um pouco essa situação pandêmica e caótica, fico cá pensando sobre uma passagem do livro Seis passeios pelos bosques da ficção, escrito pelo semiólogo italiano Umberto Eco (1932-2016). No trecho que destaco, o autor diz que toda enunciação é uma máquina preguiçosa que não pode dizer tudo, portanto, cabe ao leitor preencher as lacunas deixadas pelo enredo. Acho extremamente interessante essa abordagem, pois faz com que todo indivíduo que se pretende entendedor, por exemplo, das questiúnculas políticas, precisa ler nas entrelinhas, ou seja, aquilo que não aparece, mas que de fato define uma querela. Sendo assim, eu vos pergunto, meus caros que me acompanham semanalmente, será que Caíque Rossi (PSD) tem maioria numa Câmara que desde o começo desse biênio optou por deixar tudo como está porque era o hábito, não importando se estava entortando a boca da lei?

Livro

Outro grande escritor que tem algo a nos dizer sobre as pelejas e questiúnculas politiqueiras é o literato francês Marcel Proust (1871-1922). Ele tem um pequeno livreto dedicado à arte da leitura e num determinado ponto de sua enunciação faz alusão ao fato de que os livros podem abrir portas sem os quais não conseguiríamos acessar. Posto isto, entendo que é preciso deslindar a obra certa para entender que o prefeito solicita que todos falem a mesma língua, entretanto, tem alguém ou muitos, atravessando o samba, para usar uma alegoria musical. Enquanto o chefe do Executivo bate cabeça com parte de seu núcleo governamental, feito carrinhos de bate-bate de parque de diversões, os números pandêmicos continuam assustando todos e não é só aqui nessas paragens maria-chiquenses. Enfim, a problemática é gravíssima, conforme já venho aventando neste espaço e em outros lugares de escrita e leitura, mas tudo levar crer que as arraias, conforme dizia Machado de Assis (1839-1908) em seu clássico Memórias póstumas de Brás Cubas, continuam agarradas às paredes dos castelos governamentais, enquanto a plebe vai da vida à cripta e desta para a sepultura dentro de um paletó de madeira, ou se preferirem, meus caros leitores, “féretro” para usar um termo mais técnico e não tão funesto.  gilcriticapontual@gmail.com, d.gilberto20@yahoo.com,   www.criticapontual.com.br.