Gilberto Barbosa dos Santos
Desde os meus tempos de graduação em Ciências Sociais na UNESP – campus de Araraquara, que venho convivendo com diversas adjetivações que, vamos assim dizer, continuam a ser atribuídas às minhas visões de mundo quando a temática diz respeito ao universo político, econômico, filosófico e social. Até ai nada demais, todavia, a questão ganha outras nuanças quando essas pechas não condizem com a realidade e tem como escopo espicaçar-me objetivando reduzir ao extremo o emissor de uma opinião que se quer diferente das vozes que se creem donas da verdade. Guardo vivamente na memória um episódio daquela época, pois sempre me deparo com situações semelhantes, mesmo sendo deslocado no tempo e no espaço aportando aqui no Terceiro Milênio.
Naqueles dias de universitário, meus interesses, enquanto futuro cientista social, depois de uma estada no departamento de Antropologia no qual trabalhei com um grupo de indígenas que habitava uma região do Chile, me enveredei por um campo tão instigante quanto analisar culturas diferentes das nossas. O meu foco estacionou no Brasil Oitocentista, mais especificamente na transição da Monarquia à República. Mas antes disso, durante u um final de semana prolongado uma amiga me presenteou com a obra Seara vermelha, romance do escritor baiano Jorge Amado. Por ter um tempo extra, mesmo porque não era possível vir a Penápolis visitar os familiares, absorvi o conteúdo daquela enunciação jorgeamadiana e fiquei intrigado com uma narrativa contida naquele enredo, segundo a qual, alguns militares brasileiros se tornaram marxistas. Mas como foi isso mesmo? A minha interpelação escudava-se no fato de que os homens verde-oliva tiveram instruções teóricas pautadas no Positivismo, doutrina filosófica e sociológica erigida na França Oitocentista por Augusto Comte (1798-1857) – autor de obras como Curso de Filosofia Positiva (1830/1842); Discurso sobre o Espírito Positivo (1844); Discurso preliminar sobre o conjunto do Positivismo (1848) e Catecismo Positivista (1852).
O elemento mais marcante da presença do pensamento desse filósofo francês está em nosso pavilhão maior, a bandeira nacional: Ordem e Progresso. Somente esse referencial, seguido dos estudos feitos pela juventude militar no Brasil Oitocentista que viria derrubar o regime monárquico – por questões hierárquicas – colocando no poder republicano um velho militar – Marechal Deodoro da Fonseca – atrelado até o último fio de cabelo ao sistema que havia sido sepultado. Inclusive este devia favores ao imperador D. Pedro II, através de sua ascensão no interior daquela corporação. Em linhas gerais, esses eram os fatos que, associados à leitura daquele enredo jorgeamadiano me levou a empreender uma pesquisa para saber mais sobre a leitura marxista que faziam os militares formados na Escola da Praia Vermelha com forte viés positivista. Um dos episódios marcantes em que se envolveram aqueles profissionais das Forças Armadas é conhecido como Revolta dos 18 do Forte.
Mas por que uma introdução tão longa para me enveredar pelo conteúdo do título da reflexão de hoje? Para apontar que a mordaça diante da desinformação ou da mera idolatria pode levar os sujeitos sociais a cometerem enormes equívocos, para dizer o mínimo diante de tanta atrocidade praticada pelos Estados Totalitários e Teocráticos. Desta forma, continuo na minha enunciação, pois a partir daquele momento estava sempre ocupando meu tempo acadêmico entre as disciplinas obrigatórias e optativas e a pesquisa que resolvi empreender, não só pelo gosto do conhecimento, mas também como exigência para obter uma bolsa de estudos que ajudou a me manter durante os quatro anos de graduação e também no bacharelado culminando com a minha monografia sobre o Movimento Tenentista. Nessas idas e vindas da biblioteca, parei certa vez na cantina da faculdade onde havia um grupo de amigos conversando. Como já era final de tarde, resolvi parar e fazer parte dos diálogos. Mas bastou eu me sentar, colocando os livros sobre a mesa, eis que aparece um cidadão que se intitulava marxista e passou a me chamar de positivista já no cumprimento. Eu perguntei por que ele estava me adjetivando daquela forma? Recebi como resposta “porque você estuda Augusto Comte e o positivismo e quem faz isso só pode ser adepto dessas ideias!” Pensei em dar-lhe uma resposta, entretanto, um dos amigos, olhou para ele e soltou essa pérola: “não somos garrafas para usar rótulos!” Todos da mesa caíram em gargalhadas e o meu interlocutor só fez colocar a sua viola de marxista no saco, como se diz no jargão popular, e ir-se daquele ambiente. Foi-se o meu interlocutor, ficando-me a pecha acrescida da adjetivação de conservador quase um reacionário, bem ao contrário do advogado Batista, do romance Esaú e Jacó [Machado de Assis], convencido pela esposa, Cláudia, de que não era um conservador [Saquarema], mas sim um liberal [Luzia].
Eis que o tempo passou, entretanto, ele não foi capaz de levar consigo a mordaça ideológica perpetrada por indivíduos que se querem detentores da verdade e de uma pretensa voz que clama no deserto ideológico e que se tornou rua de mão única, portanto, a correta para conduzir a existência de outros seres e as coisas da administração pública. Ainda hoje, me debruço sobre o Brasil Oitocentista no afã de compreender que país foi aquele que surgiu da queda da Monarquia como consequência do fim do escravismo e outras escaramuças perpetradas nos bastidores do Trono, entretanto, legando-nos uma prática senzaleira, travestida de benevolência recheada de propostas assistencialistas, cujo escopo é tão somente o de angariar o voto do eleitor incauto. Mas o que é mesmo ser Conservador? Pretendo na próxima semana ou quando for possível, tratar dessa temática. Para o momento basta concluir minha reflexão apontando que a mordaça não se restringe apenas aos órgãos de imprensa, em sua maioria controlada por interesses político-eleitoreiros, mas a todos aqueles que apontam que o caminho a ser seguido pode não ser aquele que os líderes – garantidos de pão e segurança – estão indicando. Por exemplo, em Brasília, o principal assento do Palácio do Planalto é ocupado por um cidadão escolhido indiretamente pelos eleitores da ex-presidente Dilma Rousseff, todavia, quem foi que o escolheu? A chamada direita ou o compadrio político interessado nas barganhas entre Executivo e Legislativo? Voltarei a essa temática em breve!
Gilberto Barbosa dos Santos, sociólogo, professor no ensino superior e médio em Penápolis. Pesquisador do Grupo Pensamento Conservador – UNESP e membro do Conselho Editorial e Científico da revista LEVS-UNESP. Escreve às quintas-feiras neste espaço: www.criticapontual.com.br. E-mail: gilbertobarsantos@bol.com.br, gilcriticapontual@gmail.com, e social@criticapontual.com.br.