Gilberto Barbosa dos Santos
Entre o tal do passado, o presente e o futuro, não existe distância maior do que um dia, ou seja, 24 horas. Sendo assim, então por que se deve preservar algo para o amanhã quando o ontem já não é mais? Pergunta sem nenhuma pretensão científica, mesmo porque é comum, nós educadores da área de humanas, ouvirmos a singela pergunta: por que atentar-se para o ontem, quando o que importa é o hoje? Nova interpelação significativa que deve ser respondida com esmero, do contrário, ninguém entenderá nada e achará que estudar o pretérito é uma coisa enfadonha, sem nenhum significado objetivo na existência de seres que se preparam para viver em sociedade. Mais do que isso: participarem de sua construção!
Posto isso, então as linhas que se seguem estarão escudadas no desejo deste que vos escreve, caros leitores, de tentar entender porque tanta polêmica é gerada em torno dos dois adjetivos e um substantivo. Recentemente, a demolição de uma casa aqui na cidade gerou uma contenda interessante nas redes sociais da internet. Para uns, a destruição do imóvel deu a entender que se colocava no chão a história da cidade por intermédio dum passado personificado num imóvel antigo na área central do município. Para outros, adeptos do famigerado “quem vive de passado é museu”, a eliminação do casarão tem sentido porque trará progresso e empregos para Penápolis, principalmente nesse momento em que a econômica nacional vai mal das pernas como consequências dum desenfreado populismo econômico, cujos defensores têm um atroz desejo de se manterem eternamente no poder, ansiosos de construírem uma história diferente do que a que conhecemos, na qual a elite escravagista determinava a vida na polis, além da dominação política. Sem querer entrar no mérito, não vejo no presente nada diferente do passado, pois uma elite, que se diz proletária, encastelou-se no poder e se acha no direito de fazer o que bem entende com o dinheiro do colegiado.
Mas voltando ao universo da tríade: passado-presente-futuro e a pendenga instalada por conta da eliminação de um casarão, entendo que sem um passado, não tem como uma sociedade construir um futuro. Portanto, se se apaga a memória, fica-se sem referências para caminhar, contudo, por outro lado, se se fica atrelado aos grilhões passadistas também não se anda e todos ficam nessa zona de eterna espera como nos diz Paulo Arantes em seu livro O novo tempo no mundo. Nesta obra, entre outros temas, o filósofo uspiano busca analisar as consequências duma sociedade punitiva aos seres que a constroem e, desta forma, é possível dizer que os moradores de Penápolis acreditam estar a algum tempo nessa área cinzenta marcada pelo passado e a espera dum alvorecer tecnológico e repleto de progresso, mas que nunca chega e em virtude disso aparecem sujeitos que prometem desacorrentar Prometeu. Essa dicotomia é alvissareira, levando em conta que em tempos de disputas eleitorais – logo mais em outubro – muitos políticos que desejam ardentemente o poder ou se manter nele a qualquer preço, mesmo que o valor seja semelhante ao de Mefistófeles, dirão que tiveram participação direta na vinda de mais um empreendimento comercial para a cidade e que também contribuiu significativamente para melhorias de determinados conglomerados industriais, bem como a vinda de outros tantos. Eis o canto da sereia eleitoral!
Para o momento, meu escopo é não me imiscuir nessa seara, mesmo porque todos sabem que, em tempos de eleição, conforme a atual mandatária do país disse certa vez, faz-se o diabo como a personagem do romance O retrato de Dorian Gray que vende a alma ao ente maléfico. Portanto, o que eu escrever sobre isso, é capaz de alguns asseclas, que gravitam em torno do palácio central da cidade às margens maria-chiquense, vociferarem que este cientista social é avesso ao progresso e que vê especulação política em tudo, entretanto, quem analisa o universo que se constrói em torno do poder e o desejo de se manter nele à ferro e fogo, sabe que a manipulação da massa e a política do pão e circo faz parte do teatro dantesco, principalmente aqui no Brasil, cuja maioria da população desconhece o mundo da política, mesmo porque é comum escutarmos que o tema não se discute ou, que não se gosto dele, isso sem perceber que ao se posicionar desta maneira, já está-se fazendo política, principalmente levando-se em conta a afirmação de Aristóteles, segundo a qual o homem é um animal político. Seja como for, parece-me que a celeuma entre passado, presente e futuro, vem sendo alimentada, desde a eliminação do casarão Fink que estava instalado bem no coração da cidade. A pendenga é escudada na ausência duma política efetiva de preservação da memória de nossa cidade, através de incentivos que possibilitem a esses imóveis, permanecerem imóveis onde se encontram, guardando intactas as memórias da cidade que surge como consequência do aparecimento da Estrada de Ferro.
De qualquer forma, o debate deve levar sempre em conta o que prevê a alínea XXII do artigo 5º da Constituição Federal: “é garantido o direito de propriedade”! Sendo assim, a problemática passa pela esfera privada, ou seja, o dono do imóvel o comercializou e pronto, mantendo com o comprador uma relação de compra e venda mediada pela moeda corrente escrevinhada e lavrada em cartório. Ponto final e não se discute mais nada! Se fosse desta forma, a pendenga terminaria nesse patamar, pois o casarão não pertence ao poder público que também não dispõe de mecanismos para evitar que as tábuas, telhas, telhados e paredes viessem ao chão, como na música de Adoniran Barbosa “Saudosa maloca”. Quem quiser ouvir e saber do que se trata a canção imortalizada pelo sambista paulistano que conseguiu unir a linguagem do imigrante italiano com a do migrante caipira que deixava suas memórias interioranas e ajudava a construir a maior cidade da América Latina: a tal da “Pauliceia desvairada” como dizia o saudoso escritor e intelectual brasileiro, Mário de Andrade.
Enfim, se as autoridades constituídas eleitoralmente e seus séquitos não tiverem um compromisso com a manutenção da memória e a história da cidade, assistir-se-á o desmantelamento e o esfacelamento do nosso ontem e tudo em nome do tal progresso e uma possibilidade irrisória de se construir uma cidade para as gerações futuras. Enquanto isso, a estação ferroviária, ícone de Terra de Maria Chica que seria transformada na tal da Estação da Cultura continua sendo covil de desocupados, esmoleiros, proxenetas e desclassificados socialmente, pois estão à margem da sociedade, como párias sem eira nem beira, enquanto os eleitos pelo povo participam da cerimônia do chá das cinco. Se o poder público não pode resolver questões singelas como esta, então os ocupantes do poder devem ser destituídos por meio das urnas e a legislação e uma delas é a eleitoral e a da ficha limpa. Desta forma, ficar alimentando contenda por conta duma relação comercial entre duas partes – uma pessoa física e a outra pessoa jurídica – por conta dum prédio que deveria preservar a memória da cidade me parece um despautério, quando não se tem legislação municipal sobre o assunto. É isso ai!
Gilberto Barbosa dos Santos, sociólogo, professor no ensino superior e médio em Penápolis. Pesquisador do Grupo Pensamento Conservador – UNESP e membro do Conselho Editorial e Científico da revista LEVS-UNESP. Escreve às quintas-feiras neste espaço: www.criticapontual.com.br. E-mail: gilbertobarsantos@bol.com.br, gilcriticapontual@gmail.com, e gilberto_jinterior@hotmail.com .