Leyla Perrone-Moisés discute em novo livro o futuro da obra literária

Em ‘Mutações da Literatura no Século 21’, a professora e crítica analisa a tendência atual de ver a produção literária como entretenimento e o fim do ensino da matéria nas escolas

 

Antonio Gonçalves Filho,

O Estado de S. Paulo

 

30 Setembro 2016 | 04h00

 

Em seu novo livro, Mutações da Literatura no Século XXI, a professora e crítica literária Leyla Perrone-Moisés examina tanto autores que no passado fizeram profecias sobre o declínio da literatura como contemporâneos empenhados em provar que ela está viva. E a autora não se limita a analisar escritores brasileiros. Aborda tanto questões referentes ao ensaísmo de romancistas como o Nobel sul-africano J. M. Coetzee como o catalão Vila-Matas, que faz metaliteratura. A seguir, trechos da entrevista da professora, concedida ao Estadão.

 

Seu novo livro começa no ponto em que o anterior termina, tratando da “modernidade em ruínas”. Quais seriam os sinais do declínio da literatura nesse contexto em que o discurso “cifrado e hermético” dos autores contemporâneos acabou por mantê-los à distância do grande público?

O declínio da literatura de que eu falava em Altas Literaturas não se deve ao discurso hermético dos escritores modernos. Foi o contexto histórico e social que os levou a uma defesa de uma linguagem poética tão exclusiva. E, como consequência indesejável, afastou-a do grande público. A verdadeira questão é a do público leitor atual. Não há mais grande público leitor, só a cultura audiovisual tem grande público. Nem por isso a prática da boa literatura terminou. Estagnou por um breve período, mas demonstra atualmente sinais de vitalidade.

Sobre a crítica literária, a professora constata que, “apesar do desprestígio”, ela ainda existe. Entre as três categorias críticas citadas no livro (jornalística, universitária, blogs), qual, em sua opinião, teria um papel mais destacado?

A crítica literária perdeu prestígio à medida que a literatura deixou de ser vista como cultura para ser considerada entretenimento, incluída pela mídia nas atividades efêmeras que constituem a indústria cultural. O entretenimento generalizado não deixa tempo para a solidão e a reflexão que a leitura literária exigem. Crítica é análise e julgamento estético, e necessita de um espaço que a mídia, salvo raras exceções, não está mais disposta a lhe conceder. A crítica universitária tende a ficar fechada nos limites da academia e, por isso, aquela que se faz no jornal ou na internet, mesmo se breve, tem maior influência, como a publicidade positiva ou negativa de qualquer outro produto.

 

O ensino da literatura, segundo seu livro, também sofreu com o seu desprestígio. Como reverter essa situação?

Não vejo nenhuma tendência à reversão dessa situação. A literatura, como disciplina escolar, está desaparecendo em todos os países, sendo substituída por práticas escritas que facilitam a comunicação. Acresce-se a isso o qualificativo de “elitista” aplicado atualmente a qualquer prática mais complexa. Segundo um falso conceito de democracia, dirigentes educacionais preferem descer ao nível cultural dos alunos ao invés de tentar elevar progressivamente esse nível. Os alunos são considerados e se comportam como consumidores, com direito a escolher o que lhes agrada mais, e, claro, preferem a facilidade. Verdadeiramente democrático seria auxiliar o acesso de todos os alunos aos melhores textos produzidos pela humanidade.

 

A professora, a respeito de escritores que também exercem a crítica literária, como J. M. Coetzee, diz que a análise do sul-africano das obras alheias passa inevitavelmente pela biografia dos autores. Como a senhora avalia a atividade do romancista como teórico? Considera que ele, como Vargas Llosa e Pamuk, citados no livro, é melhor escrevendo romances?

Coetzee é muito melhor como romancista do que como crítico, mas por razões diferentes. Os ensaios publicados por ele não têm pretensão crítica ou teórica. São aulas de um professor tradicional: da biografia às obras comentadas. Seus romances revelam, entretanto, uma grande extensão de leituras críticas assimiladas. Vargas Llosa e Pamuk, a meu ver, são bons contadores de histórias e teóricos medíocres.

A autoficção surgiu como um gênero capaz de renovar a literatura. Não seriam essas autobiografias ficcionais mais um reflexo da era narcisista em que vivemos, dominada pelo selfie, do que propriamente uma revolução na literatura? Quais seriam os exemplos mais representativos desse subgênero?

Fazer de si mesmo o protagonista de uma narrativa não é uma novidade, muito pelo contrário. As confissões surgiram com a religiosidade individualista da Reforma cristã e os diários se firmaram no período romântico. A autoficção é apenas a forma atual de uma prática antiga. De certo modo, o romance sempre foi individual, porque mesmo quando não tratava da vida do narrador, originava-se em suas experiências pessoais e fornecia sua visão particular do mundo. Como em qualquer gênero ou subgênero romanesco, a qualidade da autoficção depende do narrador. Se este for apenas narcisista e exibicionista, sua obra será tão irrelevante quanto um selfie. A autoficção vulgar está evidentemente ligada a essa forma tola do individualismo contemporâneo. Para se tornar ficção, o narrador tem de incluir o mundo e se relacionar com ele, e só assim ele consegue interessar ao outro, o leitor. Um exemplo de autoficção bem-sucedida é a obra de Karl Ove Knausgård, que analiso em meu livro.

 

Metaliteratura é outro subgênero que tem rendido bons livros, em especial os do escritor catalão Vila-Matas, citado em seu livro como um escritor talentoso e paródico, ao se apropriar das teorias de Blanchot para fazer graça. Ao fazer isso, Vila-Matas seria um resistente ou um desistente da literatura?

Vila-Matas á um saudoso da grande literatura moderna. Esse sentimento é típico da modernidade tardia e, ao escrever sobre o fim daquela literatura, ele lhe deu uma sobrevida. Acredito, porém, que esse tipo de réquiem, que não é exclusivo dele, já deu o que tinha de dar, tanto na ficção quanto na teoria literária.

MUTAÇÕES DA LITERATURA NO SÉCULO XXI

Editora: Companhia das Letras (296 págs.,R$ 44,90; e-book: R$ 30,90)

 

Disponível no site http://cultura.estadao.com.br/noticias/literatura,leyla-perrone-moises-discute-em-novo-livro-o-futuro-da-obra-literaria,10000079038 (acessado no dia 02/10/2016 às 0021).

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