Filósofo do outdoor

Gilberto de Assis Barbosa dos Santos

Passeando pelas ruas dessa cidade, que não é grande nem pequena, contudo, mantenedora dum pensamento mais para o reacionário do que conservador – se bem que muitos que se dizem cidadãos de bem, escondem lá em suas entranhas mentais um quantum de senzaleiros. Para termos uma ideia sobre isso, basta olharmos os números eleitorais. Mas deixemos de pleitos políticos para outro momento e vamos ao que nos interessa aqui: o meu passeio pelas ruas, praças e avenidas dessas paragens.

No cruzamento de duas das principais vias do munícipio há um enorme outdoor em que os capitalistas estamentais deste país fazem uso para ludibriar os trabalhadores mais desavisados que compram tudo o que veem pela frente, feito gado ou massa insana, preocupada em ter o que dizer para seus pares alienados. Mas isso é lá com eles, pois aqui do meu canto naquela esquina vi que anunciavam para logo mais à noite uma peça que seria encenada bem pertinho do gigantesco painel que era utilizado para fazer propaganda do evento, cujo título era: Pergunta. Logo depois havia uma série de indagações sobre o que se poderia fazer a alguém, mais especificamente a um psicólogo, entretanto, ali não haveria tal profissional, mas sim um filósofo. Fiquei intrigado sobre quais questões seriam feitas a esse ser dado a pensar sobre tudo, mas sobretudo nada. Resolvi ir ao tal evento naquela noite.

Entre voltar para casa e ficar flanando pelo comércio, optei pelo segundo e a cada passo dado, vinha em minha mente uma enxurrada de questionamentos que deveriam ser feitas naquela noite. Do nada, me recordei dum filme alemão assistido há muito tempo, cujo título era justamente “O filósofo” e a dinâmica dizia respeito ao amor. Não iria perguntar nada sobre isso, tema severamente batido e não se tinha nada mais para ser dito, apenas acolhido, mas como senti-lo, se tudo depende do outro, da anuência do outro? A não ser que deixemos tudo com Platão e sua ideia de amor apenas num mundo das ideias, já que o vir a ser nunca acontece por conta dos imperativos que apontam o devir do dever e não tem lei moral alguma que determine que devemos amar este ou aquele. Se há de fato um dever nisso tudo, ele diz respeito a si próprio, isto é, amar-se a si mesmo, mas para isso é preciso aceitar as demandas do oráculo de delfos que disse a um certo cidadão ateniense: “conheça-te ti mesmo”. Então é isso: não se pode amar o outro sem se passar antes pelo processo do autoconhecimento…

Então estava definido: se eu tivesse oportunidade, não abordaria essa temática. Espero também que ninguém o faça, mas duvido que isso não ocorra, já que a humanidade está adoecida e não entende nada de afeto, amizade, prejudicando tudo e enquadrando todo mundo dentro se concepções morais da Idade Média… As mulheres que o digam e olhe que a coisa fica complicada quando a pessoa pensa em se encontrar no campo da sexualidade e suas escolhas forem fora do universo binário aí é um deus nos acuda! Descartado o amor, esse complexo verbo, o que eu perguntaria? Fiquei pensando nisso enquanto tomava o caminho de casa. Lá o espaço é enorme…

No momento estou dividindo-o com os meus pensamentos até que estes me abandonem, entretanto creio que isso não acontecerá pelo menos até a noite quando estarei pronto para o debate com o tal filósofo do outdoor. Almocei e, em seguida lavei a louça. Entre um prato e outro, olhei para os talheres e fiquei imaginando o que o garfo perguntaria à dona colher.  Claro que o diálogo seria mediado pela faca que poderia cortar-intervir quando os ânimos estivessem exaltados…

Sentei-me na poltrona e me coloquei a imaginar o garfo perguntando à dona colher o que é felicidade e esta, por sua vez, responderia: questão de tempo para que o Dom garfo entenda que isso não existe, já que o homem vive o eterno devir, inclusive criando para depois um paraíso que nunca chegará, pois o ser que deseja ser humano não será o mesmo de ontem. Pensando, o talher interpelador faria novo questionamento sem processar direito a resposta anterior. Mandou a pergunta: o que é o tempo? A colher, toda paciente, diz com outra interpelação: tempo para além da onomatopeia do relógio? Se for este, a exemplo do amor, é inexistente. Tudo é construído para que o homem não se perca, mas permaneça se iludindo dentro do orbe e de leis morais e caquéticas.

O todo encabulado garfo quer saber mais, mas aí a faca corta dizendo que agora era tempo para refletir sobre o que se ouviu e escutar os próprios sentimentos, pois eles poderiam responder muitas coisas. Resta saber se quem fez as perguntas está pronto para as respostas…

Adormeci no sofá e tive vários sonhos que relato depois… fui me banhar pensando em ir ao tal debate, mas enquanto a água do chuveiro levava o restante do sono embora, decidi por não ir ao tal encontro com o filósofo… melhor ficar em casa tendo a companhia de Kant.

 

Gilberto de Assis Barbosa dos Santos, licenciado, bacharel e mestre em Ciências Sociais, editor do site www.criticapontual.com.br, autor do livro O sentido da República em Esaú e Jacó, de Machado de Assis. Professor no ensino médio em Penápolis. e-mail:   gilcriticapontual@gmail.comd.gilberto20@yahoo.comwww.criticapontual.com

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *