Gilberto Barbosa dos Santos
Mais um ano está chegando ao seu final e, bem à moda infantil, qual será o pedido que os viventes farão a Santa Claus, mais especificamente “Papai Noel”? Creio que a humanidade, assolada pela letalidade da variação do vírus H1N1, isto é, da gripe, desejará, com certeza, que a pandemia seja exterminada do orbe, como num passe de mágica. Todavia, creio que a situação não é tão simples assim para que possa ser resolvida por prestidigitador invisível ou autocrata, seja ele de que parada for. Como isso poderá acontecer, se boa parte da população brasileira e também mundial, passou 2020 avalizando os atos e verborragias toscas dos governantes, principalmente desqualificando à que importância que a Ciência tem na preservação da vida na Terra? Entendo que, numa democracia, cada ser tem o direito de pensar e agir como bem lhe aprouver, contudo, ações individuais não podem colocar em risco o destino de toda uma humanidade, justamente porque um amontoado de autocratas e tiranetes, feito chefes do Executivo por uma patuleia avida por vingança, diz que deve ser assim.
Posto isto, meus caros leitores, acho que é de bom alvitre eu deixar a esfera da coletividade e me imiscuir no campo da individualidade, numa espécie de provocação. Sim! Não é uma chamada para a desavença, propondo um embate em que sempre haverá um perdedor e um ganhador, bem típica dos tempos pós-alguma coisa. A ideia que tenho em mente para as próximas linhas é tão somente a de todos nós, como dizia meu professor de Sociologia dos tempos de UNICAMP, Octavio Ianni (1926-2004), “caíamos no Oceano da vida sem bote salva-vidas”. Sendo assim, o que fica para esse início de conversa entre eu e vocês – claro que se ainda estiverem até esse momento dessas “mal traçadas linhas” que objetivam buscar esclarecimentos sobre as ações dos indivíduos individualizados que, normalmente são dadas como responsabilidade do todo, sendo o sujeito uno, subsumido pela massa amorfa e irracional. Qual é a base que leva uma pessoa a questionar a Ciência? Só para colaborar com as abordagens seguintes, creio que seja interessante notar que até o fim do medievo acreditava-se que o Homem era o centro do Universo [Antropocentrismo] e a Terra idem [Heliocentrismo]. Essas ideias foram abandonadas depois que cientistas, contrários à truculência religiosa da época, provaram que tudo não passava de dogmas e verborragias toscas que pretendiam imputar medo aos homens e, desta forma, continuar a dominação pela consciência. O semiólogo italiano Umberto Eco (1932-2016) em seu clássico romance O nome da Rosa explora essa questão. É estranho que, em pleno século XXI quando o homem usa avidamente a tecnologia para se comunicar, para se locomover mais rapidamente, coloca satélites no céu proporcionando comodidade a todos, ainda existem sujeitos sociais capazes de acreditar em ladainhas ludibriadoras, principalmente daqueles que permanecem na “escuridão” – uso o termo aqui para fazer referência à ausência de conhecimento, daí o período medieval ser classificado pelos historiados e demais cientistas como Idade das Trevas. Para corroborar com o meu escopo aqui, recupero a observação de um certo poeta e filósofo galileu que disse certa vez: “conheça a verdade e ela vos libertará”. Dito isto, fico com a seguinte interpelação: como chegar à verdade se não através do conhecimento? Se ele for negado ao homem, este será presa fácil de espertalhões, charlatões e autocratas de toda a estirpe.
Pois bem, meus caros leitores, aqui chegamos a um impasse, principalmente no que diz respeito ao universo científico que colocou o homem no espaço, que também é capaz de ampliar o tempo de vida do homem na Terra. Um exemplo desse olhar crítico é buscarem nos registros históricos o tempo de longevidade de um ser humano no orbe na Idade Média, nos séculos das luzes e no começo da modernidade. Muitas moléstias que acometiam o homem, desapareceram com a prevenção ou eliminadas com a aplicação de medicamentos. Isso é fato e nenhum dogma ideológico conseguirá eliminar, por mais atributos que tenha um orador ou texto e suas hermenêuticas. Se isso é fato, então por que esse ataque atroz à ciência e aos cientistas? Por que o desejo de se voltar para os tempos medievais? Qual é o objetivo em reeditar a famosa Revolta da Vacina – movimento que aconteceu no Rio de Janeiro [então capital federa] durante uma semana de novembro de 1904. É interessante notar aqui que o pensador alemão – muito satanizado, principalmente por aqueles que nunca leram um livro se quer dele -, Karl Marx (1818-1883), dizia que “a história se repete: uma vez como farsa e outra como tragédia”. Será que essa verborragia tosca em torno da vacinação contra o coronavirus se configurará numa tragédia humana, especificamente aqui no Brasil, quando os registros marcam mais de 181 mil mortes provocadas pela pandemia?
É justamente aqui que, em minha singela opinião, as pessoas precisam deixar de pensar em si e entender que a situação é mais complexa do que as autoridades palacianas querem fazer crer. Uma breve passadinha pelos fatos que marcaram 2020, será o suficiente para se entender o quanto a questão foi tratada com descaso, com vilipendio, sempre levada para o campo da mesquinha disputa eleitoral de 2022. Sendo assim, creio que seja fundamental aqui recuperar algumas abordagens que venho fazendo neste espaço e por meio dos meus olhares dominicais. Quando há problemas sociais nas dimensões existentes no presente, como encontrar saídas que contemplem todos os segmentos? No campo econômico, há uma miríade de observâncias, como aquelas em que há o destaque do Estado enquanto estimulador do desenvolvimento e existem correntes que adotam o fortalecimento da moeda a partir do seu lastro no PIB (Produto Interno Bruto) e na produção de mercadorias, aumento da massa salarial sem artificialismos, arrecadação coerente de tributos e uma burocracia vocacionada para o trabalho. É neste sentido que, afianço-vos, meus caros leitores, enquanto não haver uma ética racional voltada para a melhoria da qualidade de vida da população como um todo, estar-se-á enxugando gelo. Sendo assim, me parece que Immanuel Kant (1724-1804), um pensador do iluminismo alemão, pode ser útil, principalmente a partir das observâncias que faz em sua obra Fundamentação para a metafísica dos costumes. Aqui neste ponto, parafraseando Machado de Assis (1839-1908), entendo que não basta alterar as leis vigentes no país, é urgente alterar os hábitos e costumes. Esse processo se dá sobretudo pela educação que o sujeito recebe em seu lar.
Enfim, entendo que o desenvolvimento de um comportamento ético voltado para a coletividade não deve estar atrelado à massa salarial. Todavia, como isso é possível, se a cor da pele é motivo para violações, assassinatos e outros tipos de violências simbólicas? Como estabelecer parâmetros racionais de condutas entre as pessoas, quando os descendentes de escravos são sempre preteridos pelos originários do continente europeu? Não adianta dizer que não é bem assim, pois a coisa pode ser muito pior, já que o racismo estrutural está aí e o cidadão sempre arruma uma desculpa esfarrapada para encobertar o seu racismo, seu preconceito social e econômico, seu sexismo, seu xenofobismo, seu machismo tóxico e outros vilipêndios contra quem pensa e age diferente, porém, dentro das leis. Comportamentos que não deveriam ter espaço mais em nossa sociedade, entretanto, ainda há em longa escala, sujeitos que se creem superiores aos demais por conta da tonalidade da pele e ainda se diz pertencente a um ritual litúrgico legado por um certo poeta e pensador galileu. Deixo-vos aqui, meus caros leitores, uma pergunta e ao mesmo tempo, um desafio: como mudar a sociedade a partir de uma ética racional de solidariedade, num contexto negacionista e anticientífico como o atual?
Gilberto Barbosa dos Santos, Sociólogo político, editor do site www.criticapontual.com.br, autor do livro O sentido da República em Esaú e Jacó, de Machado de Assis; professor no ensino médio em Penápolis; pesquisador do Grupo de Pensamento Conservador – UNESP – Araraquara e membro do Conselho Editorial e Científico da revista LEVS (Laboratório de Estudos da Violência e Segurança) – UNESP – Marília; escreve às quintas-feiras neste espaço: e-mail: gilcriticapontual@gmail.com. d.gilberto20@yahoo.com. www.criticapontual.com.br.