Gilberto de Assis Barbosa dos Santos
“Por que os homens gostam tanto dos decotes que as roupas femininas apresentam em diversas circunstâncias, principalmente em eventos sociais”, me perguntou certa vez uma amiga. Vocês sabem, meus caros leitores, que amizade entre homens e mulheres são extremamente importantes, mesmo que o mundo patriarcal tente dizer o contrário, isto é, que meninos e meninas não podem ser amigos. Aristóteles – discípulo de Platão, filho de Nicômacos, general de Alexandre Magno, adjetivado como o Grande que tinha entre seus assessores Diógenes de Sinope, mais conhecido como Diógenes o cínico – dizia em seu clássico Ética a Nicômacos, que a amizade é pautada pela busca no outro daquilo que não se tem. Desta forma, quando dois seres de anatomias diferentes, portanto, de comportamentos singulares, constroem um relacionamento, o mesmo não tem como fulcro o domínio, mas sim o compartilhamento. Sendo assim, o questionamento feito pela minha amiga Fabiana tinha fundamento e, se isso é fato, então, fiquei cá com aquela interpelação a me confundir a cuca por dias a fio.
Como toda e qualquer pergunta não pode ficar sem resposta, mesmo que esta esteja contida na interpelação, à maneira de um jogador de xadrez, pedi um tempo à minha interlocutora. Queria dar uma resposta, não como ser que se expressa usando a anatomia masculina, como um Titã, bem a lá Platão no texto O banquete, mas sim como se eu fosse uma mulher que, ao vestir uma blusa com pequeno decote, conseguisse atingir o objetivo proposto por aquela atitude. Diante do desafio me coloquei a pensar e logo abandonei tal tarefa. Impossível dizer alguma coisa à Fabiana sobre isso, até porque poderia errar muito e tenho certeza de que sim. Então deixei para lá essa tentativa, pois seria frustrante tanto para quem me inquiriu como ao que buscarei informar com ou sem propriedade nas linhas que se seguem.
Dialogando comigo mesmo resolvi não tocar mais no assunto, e, mesmo que fosse interpelado por Fabiana, ficaria em silêncio por falta de subsídios ou para evitar sinais trocados. Tanto é que minha amiga passou uma semana insistindo para que nos encontrássemos, todavia, de maneira covarde, evitei, até que fui provocado: “- Então! Vai me dizer ou não? Não era o senhorio que vivia dizer saber isso e aquilo? Agora quero ver decifrar um decote, por mais ousado que seja”, me cobrou Fabiana por intermédio duma mensagem de voz.
Meus caros leitores, com tamanho desafio em formato de afronta, não pude fugir ao embate. Era marcar a hora e o local e preparar o cérebro e os ouvidos. Tinha certeza de vinha zombaria pela frente, como é próprio dos amigos que se adoram, até mesmo quando ficam na chuva, em silêncio, esperando a tempestade passar, mesmo que ela dure uma eternidade. “- Está certo! Que tal amanhã à noite aqui em minha casa? Podemos fazer una pasta que, aliás, a senhorita está me devendo desde os tempos em que éramos almas prestes a encarnar no orbe”, respondi à minha amiga que concordou de pronto, dizendo que eu degustaria a melhor macarronada, desde que fosse seu auxiliar na cozinha.
Acordei no dia seguinte, um domingo, busquei um vinho, colocando-o para gelar. A conversa prometia, entretanto, a vocês que me leem, nem adianta ficar aí imaginando que a promessa tinha outras coisas além de uma boa conversa, pois aqueles que pensam que não seja possível amizade entre homem e mulher, estão perdendo uma grande oportunidade de aprender com ambos. Aliás, elas me dizem sempre coisas maravilhosas, incluindo aí a temperatura das estrelas quando se está em companhia duma pessoa encantadora.
Por volta das onze horas recebi uma mensagem dizendo que não era possível haver o jantar, mas o almoço estaria de pé, caso eu assim desejasse. Afirmei que sim, mas para a minha surpresa, assim que recebeu meu texto, usando o interfone do prédio, Fabiana anunciou sua chegada. Fiquei pensando, pensando e achei melhor deixar para lá aquela história de decotes e outros detalhes. A melhor resposta era a presença dela, simplesmente simples assim.
Depois que ficou tudo ajustado e ambos na cozinha preparando a macarronada para logo mais, Fabiana que, às vezes, parecia uma equação de matemática, pois me perguntava muitas coisas, inclusive me deixando uma saída: poderia recusar a responder ou por não saber, ou por vergonha, já que algumas delas eram de foro íntimo, como essa do tal decote.
Detalhe, amigos leitores, ela trajava uma blusa que indicava um sinuoso decote. De chofre, a cozinheira deste domingo recordou da interpelação que motivou aquele almoço. Suavemente tomei um gole do meu vinho e, lentamente, passei meus olhos dos seus para a região dos seios, onde um v, quase que profundo, me cobrava a resposta, cravei: “todo decote é um convite para um vir a ser, mas que pode não ser se, quem observa, não souber indicar o caminho a ser percorrido”.
“- Como assim, meu caro amigo? Não entendi sua assertiva. Quero que você seja direto e pare de me enrolar”, disse a visitante e parceira da comensalidade daquela tarde dominical.
– Me corrija se estiver errado, mas creio que uma mulher compreende quando está sendo cortejada por olhos de cobiça, ou se uma palavra é usada com duplo sentido. Mas será que um homem sabe o motivo duma mulher estar trajando uma blusa ou vestido decotado? Ela pode fazer uso de tal vestuário para valorizar as suas formas, numa maneira de dizer ao mundo como está feliz com seu corpo, sem haver a necessidade de um bisbilhoteiro lhe lançar mais do que uma olhadela vislumbrando um virar a ser.
“- O que você acha”, quis saber minha amiga.
– Sei lá. Posso dizer do meu ponto de vista que não é universal, mas particular, já que acho belíssimo e encantador um decote que faz meus olhos brigarem constantemente com o meu eu racional. A peleja somente terminará quando entender o sentido de tal vestimenta para a pessoa que está portando aquela roupa.
“- Ih! Muito filosófico para o meu gosto. Acho que é capaz de esfriar essa macarronada antes do tempo e esquentar o vinho. Não vou te dar colher de chá nenhuma, pois é interessante observar quando o homem entende que o decote diz muitas coisas, como por exemplo, olhe, admire, porém, sem insistência, mas com muita intensidade”, cravou Bibiana.
– Então acertei: o decote é uma espécie de vir a ser e diz muito sobre as reais intenções da dona da roupa.
“- Pode ser que sim, pode ser que não. Mas agora, vamos ao almoço. Quem sabe durante uma garfada e outra, tu consigas me convencer que entendeu o sentido deste decote que uso hoje”, vaticinou a amiga sarcasticamente.
E assim seguiu o nosso almoço e posteriormente a higienização da cozinha e respectivas louças. Na sequência, um descansar no sofá com Fabiana, amiga desde os tempos universitários, deitada em meu colo e com os pés esparrados pelo móvel. Aproveitei o momento de descontração e a nossa intimidade para fazer duas perguntas: a primeira, por que ela substituiu o jantar pelo almoço e a segunda, qual o motivo do decote que usava naquele momento.
“- Meu caro Romeu”, me disse Fabiana para me sacanear, pois sabia que detesto essa adjetivação por considerá-la piegas e não ter nada a ver comigo. “- Antecipei o nosso encontro por uma simples razão que contempla as suas duas perguntas. Durante a semana, enquanto tu ficavas recluso com medo de me dar a resposta e com a cara metida nos livros, conheci uma pessoa que, creio, sabe entender dessas coisas, pois me olhou com tamanha devoção e, veja bem, minha roupa não indicava haver nada fora do lugar, se é que você me entende. E esse ser me convidou para um cinema hoje à noite e o filme que vamos assistir chama-se “Um belo decote”. E por conta disso não sei que roupa colocar”.
– Acho que o decote do título do filme já basta. Deixe o resto na imaginação dele e o desejo de compreender qual será o vir a ser depois do cinema. O resto são detalhes sem muita importância, exceto para aquele ser que sabe ler a alma duma mulher num pequeno decote. Ou seja, que ela não deseja ser levada para a cama, mas sim para as estrelas.
E a tarde se passou assim, meu caro leitor, pois no final do dia, Fabiana se despediu, solicitando minha torcida para o encontro de logo mais à noite, informando que entendeu a minha resposta e o que esperava do programa daquela véspera de segunda-feira. E tu, que me acompanhou até aqui leitor amigo, compreendeu minhas admoestações?
Gilberto de Assis Barbosa dos Santos, licenciado, bacharel e mestre em Ciências Sociais, editor do site www.criticapontual.com.br, autor do livro O sentido da República em Esaú e Jacó, de Machado de Assis; professor no ensino médio em Penápolis; pesquisador do Grupo de Pensamento Conservador – UNESP – Araraquara e membro do Conselho Editorial e Científico da revista LEVS (Laboratório de Estudos da Violência e Segurança) – UNESP – Marília; escreve às quintas-feiras neste espaço: e-mail: gilcriticapontual@gmail.com, d.gilberto20@yahoo.com. www.criticapontual.com.br.