Gilberto Barbosa dos Santos
Nesta última reflexão antes do pleito municipal que acontece no próximo domingo, quando as 5.570 cidades brasileiras escolherão seus futuros prefeitos e vereadores, chamo a atenção dos meus leitores – claro se eu ainda for merecedor de tê-los – sobre uma questão que considero vital para entendermos o mundo que nos cerca, fornecendo signos que devem ser interpretados a partir dos valores éticos e morais recebidos durante os processos de socialização primária e secundária. Desta forma, uma letra, por exemplo, a que pode ser artigo ou apenas uma forma gráfica de desenhar o som emanado da boca de um ser que inicia seus primeiros passos no universo linguístico ou também indicar preferências, polaridades e acho que aí é que a tal letra com a qual se inicia o alfabeto – posso dizer, ocidental – ganha diversos lampejos, me possibilitando utilizá-la no sentido de compreender as ações dos homens que rotulam, classificam, adjetivam tudo para criarem suas sociabilidades. Parece-me que entender a construção gráfica do som é tão significativo que o principal livro ocidental, isto é, a Bíblia começa justamente abordando a apropriação da sonoridade, significando-a, para dar sentido à existência de seres corpóreos ansiosos, não só para enxergarem o amanhã, como para observarem os próprios pretéritos.
Posto isto, fico com a impressão de que muitos ainda não entenderam direito os signos linguísticos, ou melhor, as palavras utilizadas na Língua Portuguesa a partir de seus semas constitutivos. Dito de outra forma: os radicais acrescidos de seus prefixos e sufixos. Por exemplo, no campo religioso, terreno pantanoso, mas entendo que, de forma sintética é possível enveredar por ele e pelo universo do mítico até o místico. Sendo assim, uma questão: qual a diferença entre ser cristão e ser um ser crístico? Embora de grafias semelhantes, os significados e seus significantes são bem distintos um do outro. É interessante notar que há na Língua Portuguesa outras unidades fundamentais da escrita de origens distintas como a junção entre duas sentenças diferentes: uma originada no universo grego e outra no campo latino. Para um melhor esclarecimento do grafado acima, volto à narrativa sobre a letra a e sua origem no mundo semântico grego. Naquele universo esse a se caracteriza pela negação que pode ser observada numa interpretação simples sobre as cores. Ao ser interpelado se prefere vermelho ou azul, o sujeito social dirá que fica com uma delas. A opção só pode existir por que há uma disposição explicita dos contrários na ordem discursiva. Se o indivíduo escolheu vermelho, o fez tendo como referência o seu oposto na opção, o azul. E ao indicar um em detrimento do outro, o protagonista atribui valores e adjetivações aos dois, sem as quais não teria condição de indicar o seu predileto.
Deixando o campo das cores e dos objetos e, pedindo ajuda ao pensador alemão Immanuel Kant (1724-1804) – para quem o mais importante não era analisar o objeto em si, mas sim os valores que o homem utiliza para defini-lo como tal -, como seria se a minha interpelação envolvesse pessoas? Por que beltrano se interessa por fulano ou por que sicrano gosta de cicrano? Observem, meus caros leitores, que as interpelações podem extrapolar a esfera da pessoalidade, isto é, do indivíduo individualizado e adentrando o âmbito dos sujeitos coletivizados, normalmente históricos e amedrontados diante de algo totalmente desconhecido, lhes restando se apegarem a crendices e no ouvir dizer e no senso comum. Outro elemento norteador do ser em si e sua expressividade na sociedade, pode ser encontrado na fobia que significa medo, portanto, sentimento de extrema inquietação diante do que é imaginado e não concreto ou real. É interessante notar que essa fobia nunca é sobre o desconhecido, mas sim sobre o que é já dado e talvez vivenciado numa jornada do indivíduo amedrontado. Desta forma, vos pergunto meus caros leitores, o ser humano, que se quer humanizado, tem medo do que e por quê?
Nas linhas que me restam hoje e também do quantum da paciência de vocês, se eu não os agastei com minhas admoestações, quero tratar de duas situações que, ao serem analisadas racionalmente, indicarão que ambas existem no presente a partir duma sinergia construída no pretérito moderno da humanidade. A primeira diz respeito à democracia e a segunda navega no campo do etnocentrismo, do xenofobismo, do machismo e, finalmente, do racismo, e baseado nos ismos e achismos. Posto isto, me dirijo ao que é interessante para o aqui e o agora do nosso existir: meu e seu, meu caro leitor. Começo, de chofre, lhe perguntando: tu és democrático? Sendo assim, você acredita na democracia, ou acha que ela só pode existir se satisfazer os seus desejos e anseios pessoais? Claro que as respostas sempre passam pela forma como a sociedade foi consubstanciada a partir das construções dos signos que lhe dão significados e significantes existenciais. A questão passa pela maneira como o ser em si se enxerga na sua observação individual e de como essa visão de mundo se interage com os demais. Diante dessa pequena exposição, fica evidente que ninguém nasce racista, homofóbico, sexista, machista, mas apenas se torna isto ou aquilo a partir das condições determinadas pelo meio. Voltando àquela proposição colocada no início de nossa conversa sobre as cores, o raciocínio, reservadas as devidas proporções, pode indicar as mesmas admoestações, ou seja, se gosta ou não gosta não é mais importante do que a explicação dos motivos que leva o indivíduo a fazer tal escolha a partir dessa ideia de gosto, por exemplo estético, o que me faz recorrer a outro pensador alemão, Friedrich Nietzsche (1844-1900) para quem o mundo só pode ser entendido senão como fenômeno estético.
Diante do exposto, vos coloco novamente uma nova interpelação, meus caros leitores: é possível, a partir dessa visão, segundo a qual, o mundo só pode ser compreendido pelo estético, entender a distinção entre o que é belo e o que é sublime? Seria o belo observável somente pela sua expressividade material e o sublime a partir da convivência? O belo só o seria na medida de sua representatividade social ou apenas um desejo efêmero dentro das múltiplas subjetividades norteadoras dos indivíduos sociais que, depois de consumido na sua sociabilidade, descartável? E o sublime se destacaria apenas na convivência, ou seja, a partir das miríades de leituras possíveis na construção das existências concretas dos seres em si? Parece-me que a vida individual e coletiva diz respeito a muitas questões e diante das suas várias formas de se coletivizar, muitos aspectos subsumidos na ideia de ser o melhor, não apenas diferente, contemplando uma violência seja ela em que campo for, principalmente no simbólico, o sublime é descartado por sua complexidade existencial em detrimento do belo, até porque este pode ficar em evidencia na simples materialidade corpórea. Acho que é isso: minha simples tentativa de entender o “mundo como vontade e representação” [Arthur Schopenhauer: 1788-1860] de desejos latentes dentro dos seres humanos que muitas vezes produzem reações ao invés de ações. Olha aí outra questão de ordem semântica e discursiva, mas fica para uma nova reflexão. Por hoje é só!
Gilberto Barbosa dos Santos, Sociólogo político, editor do site www.criticapontual.com.br, autor do livro O sentido da República em Esaú e Jacó, de Machado de Assis; professor no ensino médio em Penápolis; pesquisador do Grupo de Pensamento Conservador – UNESP – Araraquara e membro do Conselho Editorial e Científico da revista LEVS (Laboratório de Estudos da Violência e Segurança) – UNESP – Marília; escreve às quintas-feiras neste espaço: e-mail: gilcriticapontual@gmail.com. www.criticapontual.com.br.