Gilberto Barbosa dos Santos
No Brasil, onde “bandido bom é bandido morto” e o homem de bem necessita ter o direito de andar armado – justamente por ser do “bem” precisa afugentar seus algozes empunhando arma de fogo, pois o Estado não tem condições de garantir a segurança de quem quer que seja, e isso não está somente no fato de evitar que o crime se alastre como se tem assistido nos últimos tempos, mas sobretudo na incapacidade de atuar nas causas com a mesma eficácia que os brasileiros querem ver adotada no combate aos marginais. Esse mesmo país, cujos moradores se dividem constantemente, desde a abertura democrática em meados da década de 80 do século passado, entre “nós” e “eles”, tem dificuldades de compreender os liames que permitem que o seu povo possa expressar livremente o seu pensamento.
De acordo com o item IV do artigo 5.º da Constituição Federal (1988), “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”. Já no tópico V, o cidadão de bem encontrará a seguinte assertiva: “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”. Por fim, no item XIV, o sujeito portador de plena cidadania encontrará a seguinte definição: “é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”. Entendo ser esses dispositivos significativos para que a sociedade brasileira seja, de fato e de direito, democrática. Neste sentido, é inconcebível qualquer governante, sob qualquer pretexto, tentar silenciar a imprensa. Pode-se não concordar e até questionar, bem como objetar quando um cidadão “tasca lhe o pau” – como se diz no jargão popular – no governo. Mas como é possível tal liberdade, num país que tem um pesado passivo escravagista e seus eleitores votam mais com ranço e por birra do que por princípios racionais?
Parece-me que o primeiro passo consiste em reverter o quadro apresentando pela reportagem do jornal Valor Econômico publicado na edição do último domingo,11. “Dados da Pnad Contínua do IBGE, relativos a 2018, compilados pela consultoria IDados mostram que cerca de 12% dos jovens brasileiros entre 15 e 17 anos não estão na escola e o principal motivo alegado por 33% desses adolescentes é a falta de interesse pelo estudo – mais até do que dificuldades financeiras”. Essa pequena assertiva da matéria jornalística dá conta do que é o momento da educação brasileira e, aqueles que atuam na área, são os que podem falar com propriedade sobre a problemática que acaba estourando nos pleitos eleitorais, sejam eles para prefeito, governador, presidente da República, deputados estaduais e federais, para Senador republicano e na ponta de baixo da tabela, os vereadores.
Esses dados indicam que muitos jovens de hoje, futuros adultos brasileiros, terão dificuldades de entender certas observações feitas por profissionais que se ocupam em entender o funcionamento da máquina pública no país. Entre eles, o ex-presidente da República, o cientista social Fernando Henrique Cardoso que tem uma vasta obra sobre esta Nação – que passou mais de 300 anos sob o julgo e o manto da escravidão. Numa delas, por exemplo: Diários da presidência: 1995-1996, ele diz que no presidencialismo brasileiro, “ao modo do que foi o antigo Poder Moderador, as cartas principais estão na mão do presidente. Não por acaso se fala de ‘presidencialismo imperial’. Mas atenção: no sistema democrático, tanto o Legislativo, onde os partidos se aninham, como os Tribunais e o que em espanhol se costuma chamar de ‘os poderes fáticos’ – isto é, permanentes, dos empresários, dos sindicatos, enfim, dos donos do poder formalmente não políticos – restringem a ação presidencial” (CARDOSO: Companhia das Letras, 2015, p. 15).
Nessa pequena assertiva, é possível ao leitor atento encontrar algumas questões importantes para analisar a sociedade brasileira, principalmente no que diz respeito às relações entre Judiciário, Executivo e Legislativo que, nos dizeres do Barão de Montesquieu (1689-1755) e seu Do Espírito das Leis, deveriam agir independente uns dos outros, contudo, vira e mexe há uma judicialização da política nos tribunais das alçadas superiores, ou o Judiciário, via STF, acaba indicando caminhos que devem ser percorridos, como agora na famigerada questão envolvendo a prisão após decisão de 2.ª instância – não vou adentrar nesse mérito, já que a temática exige um artigo só para tentar entender o que aconteceu na semana passada, cujas consequências foram a libertação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o seu ex-Ministro-Chefe da Casa Civil, José Dirceu (PT), entretanto, vale uma pequena interpelação; quem indicou o atual presidente do Supremo Tribunal Federal para o cargo de ministro daquela Corte Jurídica? O questionamento objetiva apenas auxiliar meus leitores a fazer uma reflexão para lá de isenta, pois esse mesmo magistrado-chefe concedeu liminar que suspendeu a investigação sobre um dos filhos do atual mandatário federal.
Para não perder o foco aqui e nem ser digressivo, retorno ao livro de FHC. Segundo ele, “em nosso sistema [presidencial] atribuem-se ao presidente muitas esferas de decisão e influência: na política externa, na relação com os empresários e com os assalariados, na direção efetiva da administração. Ademais, cai sobre seus ombros a responsabilidade de manter coeso o país, de motivar o povo, de administrar muito do cotidiano e ainda de se relacionar com os partidos, a mídia e o que mais seja” (CARDOSO, 2015, p. 15). Neste pequeno trecho, mais especificamente em seu final, os meus leitores encontrarão subsídios para pensar o país do momento: será que o presidente vem fazendo isso ou está mais ocupado em incitar as massas e seus apaniguados a manter uma divisão fratricida que não levará a Nação a lugar algum? Novamente, não deter-me-ei nessa questão, já que requer uma análise mais criteriosa, envolvendo as razões que levam o chefe do Executivo Nacional a se engalfinhar com a mídia e outros meios de comunicações de forma apelativa, usando palavras chulas e impublicáveis aqui. Por mais complexas que sejam as problemáticas colocadas, é preciso um quantum significativo de razoabilidade, todavia, não cabe a este cientista social julgar, mas apenas analisar os fatos em si e suas passagens ao para si.
Mantendo o foco no escopo deste artigo, acredito que para que a nossa tênue democracia não seja atacada e vilipendiada como vem acontecendo, se faz necessário ao brasileiro compreender um pouco a situação política nacional, como por exemplo, entender que o chefe do Executivo, seja em que esfera for, ou seja, municipal, estadual ou federal, terá sempre que negociar com o Legislativo e ai é preciso o eleitorado entender que não adianta escolher um candidato que vocifera e ruge feito um leão que se considera o rei da floresta, mas na outra ponta da eleição, indicar legisladores que não estão na mesma mão de direção do presidente eleito. Daí ser interessante entender a distinção entre presidencialismo de coalizão, conforme o cientista social Sérgio Abranches argumenta explicando em seu livro que tem o mesmo nome, e o presidencialismo de cooptação, segundo o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Enfim, quero crer que, quiçá a grita que vem da capital candango, o povo brasileiro sempre defenderá a democracia e jamais pactuará com qualquer forma ditatorial sob qualquer justificativa.
Gilberto Barbosa dos Santos, Sociólogo político, editor do site www.criticapontual.com.br, autor do livro O sentido da República em Esaú e Jacó, de Machado de Assis; professor no ensino médio em Penápolis; pesquisador do Grupo de Pensamento Conservador – UNESP – Araraquara e membro do Conselho Editorial e Científico da revista LEVS (Laboratório de Estudos da Violência e Segurança) – UNESP – Marília; escreve às quintas-feiras neste espaço: e-mail: gildassociais@bol.com.br ;gilcriticapontual@gmail.com. www.criticapontual.com.br.