Gilberto Barbosa dos Santos
Na semana passada, mais especificamente na sexta-feira, 28 de abril, o país registrou uma paralização – de significativas proporções – convocada por diversos segmentos sociais e categorias de trabalhadores, deixando de fora os desempregados, objetivando forçar o Governo Federal por um fim à onda reformista que tramita no Congresso Nacional – Câmara Federal e Senado -, órgão que tem vários integrantes enrolados até o pescoço com os crimes investigados pela Lava Jato e outros delitos corruptíveis. Até ai nada de mais, mesmo porque o cidadão tem todo o direito de fazer suas reivindicações e os patrões, sejam eles de origem privada ou pública, não podem vetar tais ações com seus chicotes nas mãos, pois o direito de greve é previsto na legislação nacional.
Posto isto, quero hoje tecer alguns comentários sobre tais fatos intitulado de greve geral e considerado por muitos sindicalistas como o maior da história, entretanto de alcance pífio, tamanho o desgaste que a ferramenta, quando adotada, tem enfrentado justamente pela categoria que pretende representar aqueles que se encontram refém do chamado capital – nesse ponto, me parece ser necessária uma reflexão a parte, tendo em vista que a discussão sobre classes sociais nos moldes definidos por Karl Marx (1818-1883), ou seja, proletariado e burguesia [trabalhadores e patrões], precisa passar por novas mediações diante da fragmentação dessas duas vertentes, mas penso em me imiscuir nesse universo em outra ocasião, ficando para o momento a ideia de que as sociedades financistas e a transnacionalização dos capitais e seus reais proprietários reconfiguraram as dinâmicas sociais, transformando classes em categorias sociais, como me parece ter sido o caso na paralisação da última sexta-feira do mês passado.
Diante do exposto nos dois parágrafos anteriores, eu começaria, por exemplo, por uma fala do presidente da República, Michel Temer (PMDB), segundo a qual a paralisação, ou greve como queiram alguns, não passou de um ato político. O chefe do Executivo se equivocou ao tentar mandar o movimento às favas, dizendo que este não passou de uma ação política. Alguém que lhe é próximo se esqueceu de lembrá-lo que tudo é política, inclusive a tentativa dele empurrar goela abaixo da sociedade, mais especificamente da categoria laboral, reformas sem que as temáticas passassem por um grande processo de transição. Mas, é preciso ter claro que estamos no Brasil e tudo o que é implantado por intermédio das leis aprovadas no Congresso vem do alto, como uma espécie de concessão, a exemplo do que aconteceu com a edição da chamada Lei Áurea, publicada nos jornais cariocas na manhã daquele sábado, 13 de maio de 1888, tornando livres todos os escravos aviltados dentro dos limites do Brasil, entretanto, tal alforria oficial não emancipou o sujeito histórico africano trasladado para o novo continente na condição de mercadoria que deveria ser explorada até a exaustão física. De lá para cá muita coisa mudou, entretanto, tem-se a impressão que o quadro social foi alterado, mas a favela é a senzala pós-moderna, como afirmava em meadas da década de 80 do século passado um polêmico cantor e compositor que provoca arrepios nos defensores do arauto do neomessianismo pós-moderno nacional.
Registre-se aqui o fato de que toda proposta de legislação que emana do povo, ou é distorcida ou rechaçada veementemente e, quando é aprovada e entra em vigor sua aplicabilidade é distorcida pela hermenêutica e pela força do dinheiro – muitas vezes retirado dos cofres públicos pelos representantes do povo e por burocratas de alto escalão lotados na estrutura administrativa dos órgãos públicos e autarquias – esta ai a Operação Lava Jato confirmando o que escrevi acima – o resto, são meros folguedos para comemorar o ludibrio de cidadãos sem cidadania ou incautos. Contudo, deixarei a banda passar, como dizia o compositor Chico Buarque, com uma diferença: aquela da década de 60 e 70 do século passado objetivava contestar o poder dos coturnos, e a do século XXI, joga crisântemos e palmas para o povo – se eu não estiver errado essas flores são usadas para cobrir os corpos de defuntos, portanto, ao indivíduo, que sequer ousa questionar ações que visam o empobrecimento da Nação, as batatas, como dizia uma personagem do romance Quincas Borba, de Machado de Assis e motivou o crítico literário Roberto Schwarz a escrever célebre ensaio Ao vencedor as batatas, em cujo livro pode ser encontrado o clássico artigo As ideias foras do lugar. Rapidamente fazendo uso desse trabalho de Schwarz, é possível vaticinar que as leis brasileiras, em sua maioria, estão fora do lugar, tamanha a ambiguidade de sua aplicabilidade.
Só para não perder o foco na reflexão de hoje, a nomeada do texto com o qual o leitor se delicia, ou não, – mesmo porque ele pode não gostar das linhas tecidas por este pretenso cronista que colabora semanalmente com este jornal e, se isso estiver acontecendo, é de plena compreensão de quem vos escreve -, faz alusão a um importante trabalho do Sociólogo e professor da UNICAMP, Ricardo Antunes – com o qual tive a oportunidade de trabalhar quando passei pelos bancos daquela renomada instituição. O seu livro tem como título a instigante pergunta Adeus ao trabalho?, daí a ideia de parafraseá-lo através dos meus argumentos nesta manhã de quinta-feira. Conforme apontei, muitos podem não gostar, mas como dizia D’Alembert, célebre enciclopedista do período iluminista francês – não concordo com o que dizes, mas defenderei o direito de dizeres –, espero que me compreendam antes de rechaçarem, de chofre, as minhas observações. Posto isto, tendo a crer que a greve como veículo reivindicatório está desgastada e o seu objetivo longe de ser alcançado, mesmo porque os tempos são outros e, se, aos grevistas da semana passada, fosse acoplado os mais de 13 milhões de desempregados, ai sim se teria um movimento que poderia forçar alguma coisa lá pelos lados da capital candango. Todavia, como o capitalismo se transforma constantemente, esse exército industrial de reserva – para pensar como Marx – não pode mais ser instrumentalizado por líderes que se dizem de esquerda, porém quando assumem o poder, firmam pactos, não com a direita, mas com o que há de pior nos setores conservadores, os chamados sujeitos históricos reacionários.
Se a greve – enquanto ferramenta contestatória – está perdendo sua eficácia – se comparada à greve de 1917 deflagrada na cidade de São Paulo – o que deve entrar em seu lugar? Diálogo! Mas diálogos que envolvam toda a sociedade, entretanto, como fazer isso, quando boa parte dos seres sociáveis se ocupa mais em contar seus metais, como dizia o saudoso cantor e compositor Belchior em uma de suas célebres canções? Se uma paralisação como a da última sexta-feira não foi capaz de conquistar os corações dos desempregados, é porque sua eficácia foi pífia e, ai as mudanças almejadas por todos, devem começar pelo processo eleitoral e este por sinal, como dizia uma personagem machadiana, vai mal por sinal, basta uma ligeira observação nos resultados das últimas eleições municipais. É isso ai, eu voltarei ao tema ou outro qualquer na próxima semana.
Gilberto Barbosa dos Santos, sociólogo, professor no ensino superior e médio em Penápolis. Pesquisador do Grupo Pensamento Conservador – UNESP e membro do Conselho Editorial e Científico da revista LEVS-UNESP. Escreve às quintas-feiras neste espaço: www.criticapontual.com.br. E-mail: gilbertobarsantos@bol.com.br, gilcriticapontual@gmail.com, e social@criticapontual.com.br.